Capitumlo 34 - O domingo da sabedoria

Cruzei o olhar com Lully, mas, como estava de óculos escuros, ela não pode perceber que eu evitei olhá-la no fundo dos olhos. Na verdade ela não tem nem como ter certeza de que eu a vi, muito menos de que a olhei nos olhos. Foi desconfortável cruzar com Lully de mãos dadas com Lara. Por mais que eu estivesse decidido a seguir minha vida na direção de meus novos objetivos, eu não era do tipo que gostava de magoar as pessoas, muito menos Lully. Eu tinha plena consciência do quanto ela foi importante para mim e era muito grato por isto.

Nos encontramos em um restaurante da zona sul carioca, mais precisamente no Le Coin II, um tradicional restaurante de nome francês mas com cardápio variado. Uma casinha na esquina da Cupertino Durão com a San Martin, no Leblon. Como de hábito, deixamos que o garçom, um senhor com uns 35 anos de casa mais ou menos, nos servisse o agradável couvert. Patês, manteiga em bolinha, ovos de codorna, queijo, azeitona, salaminho e pães. Um couvert daqueles quase dispensava o almoço. Pedimos um bom vinho francês, indicado pelo gerente da casa. Minha mãe e Lara conversavam animadamente. Mulheres são assim, entram em conversas animadas com tanta facilidade que nós homens jamais conseguiremos alcançar tamanha desenvoltura. Lara já havia conquistado a sogra com seu jeito doce e amável. Tem gente que pode achar Lara chatinha, mas é ledo engano. Lara existe, tem defeitos como todos nós, mas têm uma qualidade que a faz especial para mim. Lara têm uma bondade e ternura que é difícil de encontrar. Lara é do tipo que sabe amar as pessoas. Ela sempre trata todos com olhar gentil, com paciência, interesse, carinho. Está sempre disposta a ouvir e a agradar. Fica triste? Sim, claro! Eu mesmo a vi triste algumas vezes, como no churrasco de Búzios por exemplo. Mas sua essência é feliz. Por isso ela ilumina os caminhos por onde passa. Eu testemunhei seu amor pelas crianças no dia em que fui com ela até a creche. Lara se comporta com a maior naturalidade, não se aborrece e é carinhosa com as crianças. Seria, sem dúvida, uma bela mãe! 

Estavam ali, sogra e nora num papo leve o que permitia que eu conversasse com meu pai sobre assuntos não tão amenos. Estava aproveitando o momento para contar um pouco sobre o jantar e sobre os receios com a nova vida que se iniciava para mim. É sempre bom dividir as angústias com pessoas mais experientes. O papo com meu pai no almoço foi muito bom e me deu uma boa sensação de tranquilidade. Conselhos sobre ser prudente e paciente. Evitar o deslumbre e manter os pés no chão e a mente em equilíbrio. “Haja o que houver, mantenha-se fiel aos seus princípios, não perca sua essência. A pior coisa que pode acontecer a um homem é deixar de ser quem é”. Uma outra frase dita nesse dia ficou para sempre na minha memória: "certa é a forma como desejamos e esperamos ser tratados e errada é a forma como não queremos nem desejamos ser tratados". Simples e objetiva. Cheguei a anotar essas coisas em um papel e carregar no bolso para não esquecer jamais. Aqueles conselhos anotados em umas folhas de comanda do Le Coin II seriam muito útil ao longo da minha vida. 

Após terminarmos a primeira garrafa de vinho, resolvemos pedir o almoço. Depois de uma garrafa já não se pode mais tratar de assuntos sérios. O vinho inebria e dá um bem estar típico das bebidas românticas. É a bebida que estimula todos os sentidos. Sua cor estimula a visão, o aroma estimula o olfato, o sabor agrada ao paladar, manusear a taça estimula o tato, e por fim, o brinde estimula a audição. A bebida completa! Pedimos bacalhau para todos. Um prato de bacalhau em postas e outro  gratinado.  Comemos farta e animadamente. A segunda garrafa se foi e também as preocupações. Minha mãe já planejava como seriam lindos os netinhos com os cabelos de anjo de Lara. “Achei que esse menino nunca se casaria! Estava sempre arredio, não parava com namorada há tempos, agora parece que finalmente criou juízo, não é meu filho?”. Quem seria eu para discordar da matriarca? Se a mamãe falou está dito. Ainda brinquei com Lara dizendo que ela pegou o caminho mais curto para o coração de minha mãe. A alegria do filho! Que mãe não quer ver o filho feliz?

Por outro lado, meu pai profetizava que teríamos três filhos, dois meninos e uma princesa para encantar a todos. Dizia ele que as mulheres que perpetuam a família. Preferi não perguntar o por que, com medo da resposta. Ficamos ali de papo até o fim de uma agradável e inesquecível tarde. Um conselho que ouvi uma vez  e que tento colocar sempre em prática: “Aproveite seus pais, nunca sabemos até quando os terá!”. Sabedoria popular, que tento seguir sem conseguir na plenitude que gostaria. Muitas vezes compenso a quantidade de  tempo junto com a qualidade. Confesso que mesmo com toda auto-sugestão, não me convenço plenamente de estar certo.

Terminamos o almoço comendo pastéis de Belém de sobremesa e tomando uma taça de vinho do Porto. Minha ansiedade pelo dia seguinte havia terminado, estava leve e descontraído. Naquele momento pensei em como meus pais eram diferentes dos pais de Lara, mas em uma coisa eram idênticos: amavam seus filhos da melhor forma que podiam amar. Acreditem meus amigos, só quem tem filhos sabe o que é esse amor, então, se me permitem um conselho, tenham filhos, no mínimo um, é uma experiência que só quem viver verá!

Meus pais seguiram para casa e nós ainda passamos na casa de Lara. Ela queria pegar umas roupas e decidiu ir dormir na minha casa. No fundo ela sabia que eu estava ansioso pelo dia seguinte. Lara era boa em ler as pessoas. Ela entendia, mesmo sem eu explicar, que os domingos eram sempre dias difíceis para mim. Principalmente quando a segunda-feira me esperava com desafios ou incertezas. Ela fez uma pequena bolsa e seguiu comigo. 

Chegamos ao apartamento, ligamos o som e nos sentamos para conversar sobre o fim de semana. Lara sabia que era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo em minha vida. Falou um pouco sobre os mitos. Quando estamos fora de uma situação, tudo parece grandioso, misterioso e assustador. Depois que aquilo se torna familiar, é tudo muito mais tranqüilo. Um belo exemplo que ela me deu foi o de dirigir. Quando eu não sabia dirigir, parecia quase impossível uma pessoa com desenvoltura executar com maestria tudo ao mesmo tempo: passar marcha, freio, embreagem, acelerador, seta, volante, espelhos e etc. Parecia impossível  não é mesmo? Hoje é a coisa mais natural do mundo. O exemplo de Lara me tranquilizou. O novo trabalho era como aprender a dirigir. Em pouco tempo eu pegaria prática. Será que eu teria muitos acidentes nesse período? Perguntei a mim mesmo, em pensamento, para depois rir sozinho e contar meu pensamento para Lara. Ela riu  junto comigo e me acariciou os cabelos roubando a famosa frase: “Amanhã de manha você vai se sair muito bem”.

Namoramos um pouco e eu adormeci em seu colo, enquanto ela me acariciava os cabelos, a trilha sonora do sonho era perfeita para o momento:

“Quero a sua mão no meu cabelo 

Que é pra desembaraçar meu pensamento 

Quero respirar o teu perfume 

Que é pra descongestionar meu peito 

O amor é um sentimento tão difícil de explicar 

É um labirinto 

Só pode a cada dia complicar 

Cada dia melhorar 

É um labirinto 

Seu código é a freqüência do olhar”