segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Capítulo 42 - O Primeiro teste

Aquela voz era conhecida! Durante algum tempo aquela voz me tirou o sono e também parte do juízo. Era Lully, passando em direção a Cruzada. O ônibus parou logo no sinal e agi meio sem pensar, dizendo a ela que saltasse para conversarmos. Ela  obedeceu de pronto, desceu do coletivo e ficou na calçada esperando para atravessar. Aqueles poucos segundos foram como uma eternidade para mim. Quando a vi ali, parada, com aquele seu jeitinho menina e seu sorriso misterioso, pensei se havia agido certo. Seria um risco desnecessário ficar ali frente a frente com Lully? Eu estava noivo e até pouco tempo ela balançava muito meu coração. Resolvi que seria um bom teste para minha nova vida e meu novo eu. Me enchi de coragem e esperei Lully ali, de pé na calçada. Ela atravessou a rua, chegou perto de mim e me deu um abraço como quem abraça um velho amigo. Abracei Lully da mesma forma, apertado, com saudade e com respeito. Eu gostava daquela menina e se pudesse conversar com ela como velhos amigos, tudo estaria resolvido.

Dessa vez ela não me chamou de cheiroso, sorriu e perguntou como eu estava e fez piada com minhas fotos nas colunas sociais. Sentamos ali no Barril 1800, velho e conhecido bar no arpoador, que já não apresentava o mesmo glamour da década de 90. Continuava ali, quase o mesmo, com sua varanda de frente para o mar e o salão grande e iluminado. Frequentei muito o Barril quando mais jovem, e há algum tempo não fazia uma visita. Pegamos uma mesa na varanda para usufruirmos da brisa do mar e admirar o anoitecer carioca.

Lully estava leve e tranquila, feliz por me ver e com uma carinha de quem está em paz. Perguntei sobre sua vida, trabalho, seu pai e etc... e ela me contou sobre as novidades. Revelou que ficou um pouco triste ao ver que seria muito difícil ter futuro o nosso romance, ela entendia muito bem tudo que passava na minha cabeça e não queria novamente se envolver em um relacionamento para se decepcionar. Segundo ela, tudo que conversamos nas últimas vezes serviram para que se tomasse consciência de uma série de coisas e em consequência uma série de decisões:

“Herculano, eu quero uma vida melhor para mim, não quero morrer naquela recepção, morar minha vida toda na Cruzada, me envolver com outro Bené e passar o resto da minha vida sonhando com o príncipe encantado que nunca vai chegar. Resolvi que preciso fazer minha vida ser diferente. Me matriculei na Faculdade de Comunicação, retomei os estudos e vou seguir meus sonhos. Quero me formar, ter minha profissão de verdade, crescer, sair dessa caixinha. Quero conhecer o Brasil, e depois o mundo. Frequentar outros ares, ampliar meus conhecimentos e ter filhos lindos com o marido que vai me amar e se orgulhar muito de mim. Não quero deixar meu pai velho e desamparado e para poder dar uma vida melhor para ele, preciso crescer profissionalmente, ter meu espaço. Nossa relação me mostrou que eu tenho potencial e que por ter me acomodado, estava perdendo grandes oportunidades. Uma delas foi você. Quando te conheci, você andava meio ali, sem rumo, sem objetivos. Alguma coisa aconteceu na sua vida que te empurrou para sempre. Não sei se foi sua noiva, se foram seus amigos, se fui eu  ou um estalo que te deu, só sei que você mudou. Acompanhei sua mudança e quando vi, eu havia mudado também. Fiquei muito triste quando nos separamos e muito feliz quando te vi na revista. Vi que você cresceu e evoluiu. Não era mais aquele menino perdido que ia a repartição. Você batalhou, recuperou o brilho (ou o encontrou), e seguiu em frente sem medo. Pensei comigo: Posso fazer isso também, vou em frente! E agradeço muito por seus conselhos e pelos nossos papos. 

Sabe o dia do Theatro Municipal? Pensei muito naquele dia e em tudo que vi lá. Eu gostei de sentir aquele gostinho de coisa boa e sacudi a poeira. Perdi muito tempo, mas nunca é tarde para fazer um futuro diferente meu amigo Herculano! Agora assim, antigamente meu amado, agora meu amigo. Agradeço muito por todos os momentos bons e pelos sofrimentos também. O conjunto da obra me fez mudar e me fez bem, muito bem. Sofrer faz parte da vida. Ninguém morre por isso, só de auto piedade e isso eu não tenho mesmo!"

Eu estava meio espantado com o depoimento que acabava de ouvir. Muito feliz por ver ali aquela menina cheia de vida, de força e de coragem. Feliz também por ter participado do processo de transformação e de crescimento de Lully. Naquele momento me bateu uma grande admiração por ela. Contei um pouco sobre a vida nova, sobre os desafios e a nova rotina de trabalho e pouco falei sobre o noivado. Eu não me sentia muito a vontade para falar de Lara para Lully. Não me parecia uma atitude muito coerente ou apropriada. Ela disse que agora eu era um bom amigo, mas ainda era forte e cedo demais para minha cabeça fazer dela uma confidente sobre assuntos amorosos ou matrimoniais. No fundo eu achava que isso poderia magoá-la e só de pensar nisso eu já ficava incomodado.

De um jeito ou de outro, Lully também foi muito importante no meu processo de mudança e crescimento. Ela me estendeu a mão num momento em que eu estava mesmo sem rumo. Tenho certeza que Lully não tem a menor noção do quanto aquele pequeno empurrão foi importante. Foi o estopim da grande virada. Pensei comigo: “Preciso contar isso para Lully”. Por algum motivo que não sei ao certo, não consegui fazer isso naquele momento. Continuamos a conversar, ouvi seus relatos sobre a faculdade, sobre novas amizades, planos, fofocas da repartição e tudo mais. Depois desse momento só tratamos de amenidades. Quando reparei, já estávamos ali de papo e de chopp há umas duas horas. Era tempo demais. A noite chegou e eu precisava voltar a minha vida. Pedi a conta e fomos andando até o carro. Ofereci carona e Lully aceitou. Essa era outra atitude arriscada, era noite, os dois já haviam bebido um pouco, os ânimos ficam exaltados e a consciência fica leve e permissiva. Quando saímos do grau de 100% de consciência começamos a nos expor aos riscos, de todo tipo. Dirigindo com menos reflexos, ficando próximo demais de um ex amor, ou mesmo falando coisas que em outros momentos nossa vã filosofia não nos permitiria falar.

Lully continuava linda, mas agora eu era um homem comprometido, precisava estar firme da minha decisão, e procurei olhar Lully apenas com olhar fraterno, como se olhasse para uma irmã. Preferi não ligar o rádio do carro para não correr riscos adicionais aos já intrínsecos ao meu ato pouco prudente. Parei na esquina da Cruzada e Lully me deu tchau sem nem ao menos me dar os tradicionais dois beijinhos. Da porta do carro, com o vidro abaixado ela se debruçou e falou com seu habitual jeito menina: ”Ainda não estou 100% confiante de que me curei, sendo assim, vou só te jogar um beijo de boa noite de fora do carro, assim não sinto seu cheiro e evitamos maiores problemas! Fico com a língua solta quando bebo, você sabe!! Beijo meu cheiroso. Tchau.

5 comentários:

Cláudia Otoni disse...

"os ânimos ficam exaltados e a consciência fica leve e permissiva"

"Preferi não ligar o rádio do carro para não correr riscos adicionais aos já intrínsecos ao meu ato pouco prudente"

Acho que Herculano vai precisar conversar sobre isso com Esther! Agora, se por acaso ela tiver tirado umas férias e ele surtar, pode me procurar que dou uns toques... rs

Você, autor, ainda vai mudar muito esta história. E nem preciso mais dizer o quanto aprecio suas palavras né?!

Sucesso Querido!

Lennon Pereira disse...

Vou?? será? vc anta tendo informaçõe sprivilegiadas?? risos
Obrigado pela Força querida!

Mônica Pereira disse...

Acho que agora o Herculano tomou jeito! Se encontrou!
Torço para que ele fique com a Lara e seja muito feliz!!
Beijos

Lennon Pereira disse...

Será? hummm... façam suas apostas!!

Jussara (Ju) disse...

Homem é tudo igual e o Herculano , mesmo na nova fase, não é diferente.Mesmo estando comprometido, noivo, deu corda até o fim para ver se a Lully ainda era caída por ele.Cuidado Herculano, numa dessas vc escorrega e põe tudo a perder e vais acabar morando num quartinho apertado na Crizada com sogro, cunhado e .....filho.rs,rs,rs,rs