segunda-feira, 7 de abril de 2014

Minha homenagem

Há 365 dias, eu comprava pela ultima vez sua flor preferida.  Orquídeas roseadas, embrulhadas para presente, foram a minha escolha para 07 de abril de 2013. Não era original, era até repetitivo, mas era tiro certo. Pelos vinte e poucos anos que tive recursos próprios para escolher como presenteá-la nesse dia, oscilei entre Joias, Nhá Bentas e as Orquídeas. Era sucesso garantido. Qualquer uma das três, lhes traziam ao rosto um belo sorriso, um esfuziante “Obrigaaaado meu filho!!!”, seguido de um forte e apertado abraço e um longo e estalado beijo nas bochechas. Em seguida vinham as fotos, as quais ela usualmente pedia para tirar os óculos, que carinhosamente chamava pela alcunha de “ajudantes”.


Estávamos sempre lado a lado nas fotos, sempre abraçados, sempre sorrindo. Dizia costumeira e orgulhosamente que éramos muito parecidos. Tínhamos em comum o habito de dizer o que vinha a cabeça, destilar um humor ácido, exigir sempre o melhor. Defender a família e os amigos com unhas e dentes. Eu brincava com ela dizendo que amigo dela não tinha defeito e inimigo ela logo arrumava uma lista. Ríamos de tais frases.


Muitas vezes eu levei broncas homéricas, minutos depois eu chegava perto, dava-lhe um abraço e um beijo. Ela sorria e se entregava. Não tinha como ficarmos de mal.

 
De minha mãe recebi os maiores e mais frequentes puxões de orelha, mas ouvi infinitas palavras de estimulo. Orgulhava-se de dizer que como ela eu era bom em matemática, dizia que eu era inteligente como ela. Elogiava meus verdes olhos, “herança de minha mãe” dizia ela com orgulho, mesmo tendo convivido com ela apenas até aos oito anos de idade. Ficou órfã cedo, não se intimidou e cuidou da casa, dos quatro irmãos e do pai até o dia de sua morte.


Dedicou a vida ao marido e aos filhos. Abriu mão de trabalhar. Ensinou o certo e errado, fez deveres da escola. Preparou-nos para a vida.

Minha mãe era uma visionária. Eu era pequeno e ela já me ensinava a me cuidar sozinho. Ensinou-me a cuidar da minha roupa, lavar e passar. Ensinou a arte culinária, a qual ela dominava com louvor.

Graças a ela aprendi a ser um homem independente, a não passar aperto, ser
independente.
 

O tempo passou. Há vinte e poucos anos, num grave acidente, tive a oportunidade de cuidar dela. Visitar diariamente no hospital e a ser o primeiro a vê-la quando acordou do coma.

 
Nossa guerreira venceu aquela batalha, quando os médicos davam apenas vinte por cento de chances de recuperação.

Deus nos deu mais vinte e dois anos de convivência.

 
Tive o prazer de dividir com ela quase todos os grandes momentos.

 
Jamais perdoarei o médico que a impediu de ir ao lançamento do meu livro. Infelizmente não a tive nesse tão especial momento. Sei que ela muito se orgulharia. Não perdoo, mas não me preocupo com isso. A vida e o destino se encarregam de colocar os pingos nos “is”. Não é tarefa minha, não me cabe. Eu vi em seus olhos tristes, carregar o remorso até os últimos dias, quando covardemente se ausentou do hospital onde ela passou os últimos 34 dias de vida.  Uma hora os homens se distinguem dos meninos. Eu sei meu pai, que você não concorda com minha opinião. Não peço adesão nem apoio, apenas meu democrático direito de tê-la.

 
Hoje é a primeira vez que não compro um presente, que não há um almoço ou jantar especial. Passei casualmente por Nhá Bentas, Joias e Orquídeas. Nenhuma delas me disse nada. Não há mais charme, nem brilho, nem sabor. São coisas comuns.

 
Assim é a vida. A cada dia perdemos um pouco daquilo que amamos. Perdemos nossa inocência, juventude, saúde, entes queridos, amigos e um pouco do brilho no olhar.

 
Viver é acumular perdas. Sobreviver é aprender a conviver com elas. Não há como mudar isso.

 
Ainda bem que temos a memória, para lá guardarmos tudo de bom que recebemos da vida. Só assim é possível seguir em frente.

 
As lagrimas de hoje não são de dor como as do dia 23 de junho de 2013 e dos dias que se seguiram. São de saudade, do cheiro, do beijo, da voz, do calor, do abraço, do olhar que tudo dizia sem uma palavra proferir.

 
Obrigado Deus pela mãe maravilhosa que hoje completaria 66 anos e a quem só posso dizer obrigado por tudo que fez por mim.

 

Obrigado pelo ultimo sorriso que me deste na ultima visita que te encontrei com consciência. Nesse dia cheguei cedo, conversamos muito a sós. Eu com palavras e você com o olhar. Fiz minhas costumeiras palhaçadas. Na despedida ganhei sorrisos e um beijo de despedida. Jamais esquecerei!

 

Obrigado por tudo e me desculpe se as vezes ainda derramo lágrimas. É difícil não te ter aqui para te contar sobre os meus dias. Não receber aquelas ligações durante o trabalho me perguntando sobre o nome de uma musica do Roberto Carlos. Faz falta aquele telefonema, no dia do especial de fim de ano, apenas para me dizer que o show estava lindo. Mais uma paixão dentre as muitas que dividimos.

O orgulho que você tinha de mim, eu tinha em dobro de você, a melhor mãe do mundo!

 
Parabéns e até sempre.
 

O que está dentro do coração jamais deixa de existir.
 

Um beijo do filho que te ama!