segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Capítulo 40 - Escolhas e confissões

Acordei cedo na segunda feira. Diferente dos tempos do escritório, eu, na construtora, gostava de chegar cedo, ser o primeiro, ou um dos primeiros. Gostava de chegar com calma,  ligar meu micro e começar a organizar meu dia, e sendo segunda, organizar minha semana. Era preciso tabular e classificar as tarefas e prioridades. Havia muita coisa a se fazer. Uma das minhas tarefas era reestruturar a área. Segundo Lucas, a antiga administração deixou um pouco a desejar no lado do RH. Os departamentos estavam inchados e com muita gente desmotivada e improdutiva. Caberia a mim enxugar a folha de pagamento, remanejar, e identificar os talentos a aproveitar. Essa semana eu investiria nessa tarefa, alem de outras. Escolhi essa como prioridade. Eu, já nas primeiras semanas havia começado a avaliar cada área e principalmente a minha. Tínhamos 10 pessoas no jurídico e eu acreditava que com cinco ou seis bem escolhidos, bem motivados e orientados, faríamos todo o serviço com tranqüilidade. Poderia remunerar melhor e ter mais eficiência.

Cheguei cedo à empresa. Lá estavam a recepcionista e minha secretária, dona Márcia, que me recebeu com seu cordial bom dia. Pedi a ela que entrasse e sentasse. Ela pegou um bloco e perguntou o que eu queria. Respondi que queria conversar com ela sobre a equipe e saber um pouco sobre suas impressões. Ela consentiu com a cabeça e disse que estava ali para ajudar no que fosse possível. Dona Márcia tinha essa boa qualidade, não tinha falsa modéstia nem fazia rodeios. Se estava ali há muitos anos era porque Lucas confiava em sua competência e em seu caráter.

Comecei por uns três que eu sabia serem encostados e incompetentes, ela corroborou de minhas impressões. Chegou a contar a história de um apadrinhamento, coisa do passado. Minha lista tarefa estava avançada e facilitada. Precisava eliminar mais um e escolher quem seria meu braço direito, em quem eu investiria. Eu prestava atenção especial em dois colaboradores, um rapaz e uma moça. Havia saído para almoçar com eles um dia desses, levei os dois juntos para poder analisar suas personalidades. O Rapaz, Gilvan, era um técnico nato. Daqueles que tem o código civil e seus artigos na cabeça. Provavelmente aquele que foi sempre o melhor ou um dos melhores alunos. Eu sabia que era competente e que daria bom resultado. De família de classe média, estudou em colégios e faculdade  particulares, estava ali há 3 anos e era assíduo e comprometido. Era um postulante natural. A moça, Anna, de pouco mais de trinta anos, também me parecia conhecer bem o direito. Não era do tipo que citava artigos com a veemência  de Gilvan, mas me impressionou pela sensibilidade com que tratava cada caso ou cada tarefa. Eu sentia que ela não pegava uma tarefa e sim adotava. Quando pedia algo ela estudava, pesquisava e devolvia  um resultado elaborado com cuidado especial, eu percebia que sempre procurava fazer o melhor. 

Quando almoçamos, procurei saber um pouco mais sobre quem era cada um além da mesa da empresa. Gilvan deu respostas mais técnicas, falou sobre onde estudou, os cursos que fez, experiências profissionais e etc. Anna deu respostas mais pessoais e mais naturais. Falou sobre sua vida, suas aventuras, seus sonhos, desilusões. Anna tinha objetivos de pessoas normais, mas falava deles com uma paixão que me impressionaram. Parecia ser uma pessoa intensa em tudo que fazia. Aquela vibração e aquele ímpeto fizeram com que ela largasse na frente. Era uma moça com certeza muito inteligente, assim como o rapaz. Como eu precisava de um braço direito, alguém para liderar a equipe, resolvi apostar em Anna e queria dividir isso com alguém. 

Dona Márcia era a pessoa mais indicada. Estava ali há bastante tempo e não tinha interesses diretos no assunto. Ela concordou comigo e me revelou algo que eu não sabia. Me falou que Anna escrevia textos , poesias, que ela mesmo já havia lido alguns e gostava muito. Estava decidido, eu daria a oportunidade à Anna, que ficaria mais próxima de mim no dia a dia. Eu a acompanharia mais de perto a partir daquele momento, seria minha experiência como “coach”, mais uma novidade em minha vida.

A semana foi corrida e intensa. Com uma assistente mais próxima eu começava a me ligar mais nas decisões estratégicas e gerenciais e menos nas tarefas do dia a dia. a semana correu bem, Anna dava conta do recado e se demonstrava super empolgada com o desafio e Gilvan, com seu perfil técnico, não demonstrou decepção, continuou apresentando os mesmos resultados.

Aproveitei que a semana me deu oportunidades e me dei o direito de dois luxos: Almoçar quinta com Lara e ir a sessão de análise com Esther na sexta. Para quem chegava no trabalho antes das oito da manhã e saia depois das nove, almoçar com Lara era uma benção! Ela escolheu um tradicional restaurante em Copacabana pois seria fácil o deslocamento para mim, fomos ao Mondego, na Atlântica e comemos uma deliciosa batata roesti com filé mingnon. 

Minha mulher era linda, fina e simples, o que mais eu poderia querer? Passamos o almoço falando sobre detalhes do casamento. Lara tinha belas idéias sobre a festa, sobre a recepção e todos os incontáveis detalhes que envolvem um casamento. Seus olhos brilhavam de empolgação com nossa festa e eu me fascinava em ver como ela ficava ainda mais linda quando estava feliz. Eu concordava com tudo, só queria ver minha amada realizada e Feliz. Se Lara sorrisse eu sorria e sua felicidade era a minha também. Depois do almoço atravessamos a rua para olhar um pouco o mar , admirar a beleza do Pão de Açúcar e tomar um picolé Itália, iguaria típica do Rio de Janeiro.

Andamos de mãos dadas, nos curtimos um pouco e voltamos revigorados para nossos afazeres. Eu para a empresa e Lara para o consultório, sorte das crianças que eram cuidadas por minha amada! A tarde foi super produtiva, eu trabalhava muito melhor quando estava assim, feliz. Anna rendia muito e me acompanhava no serões. Estava também feliz por estar ajudando na formação profissional de uma pessoa e de estar preparando uma nova liderança. Anna equilibrava a técnica e a sensibilidade. Um líder não pode ser só um catedrático, tem que ter um lado sensitivo e humano. Acho que esse é o segredo, saber dosar e equilibrar as duas coisas.

Chegou a sexta feira e tirei a hora do almoço um pouco mais tarde para poder ver Esther. Eu estava com saudades de ir lá. Quando cheguei ao consultório meus olhos se encheram de lágrimas. Imediatamente fiz uma retrospectiva dos últimos anos e acontecimentos de minha vida. De tudo que eu havia passado e vivido, do quanto foi importante passar pelo consultório de Esther para que eu me preparasse para os dias que vivo hoje. Fiquei ali no sofá aguardando uns dez minutos até Esther me chamar. Minha analista era genial e podia até ler meus pensamentos. Ao me ver de olhos marejados e voz um pouco embargada logo comentou: “Está fazendo uma releitura de sua vida Herculano? Não se culpe com isso, é normal acontecer quando você fica assim, um tempo sem aparecer como aconteceu com você! Acompanhei você pelos jornais. Noivo de Lara Oliveira Telles, executivo de uma grande construtora. Você está mesmo evoluindo. Vejo que tem tratado melhor seus traumas. Se está noivo é porque diminuiu ou perdeu seu medo de se envolver de verdade. Fico feliz por isso, apesar de, como sua analista ficar preocupada com a interrupção abrupta do tratamento. Acho que você não devia se ausentar por tanto tempo, mas com tantos afazeres eu te entendo. Entendo mas não passo a mão na sua cabeça, está claro?

Esther era genial! Já começou a sessão me dando um resumo do que já sabia da minha vida, me analisando um pouco e me chamando atenção por ser relapso com a análise. Esther me economizou um bom tempo, e tempo para mim era algo precioso. Eu perderia um tempo com rodeios me justificando e Esther logo encurtou esse caminho. Agora já poderíamos tratar objetivamente dos males e medos que ainda me afligiam. É claro que eu não estava livre de males e de aflições. Algumas delas estavam enterradas, mas outras estavam apenas começando a surgir e a dar as caras.

Recostei no sofá, respirei fundo, enxuguei uma lágrima que teimava em escorrer do canto do olho e procurei lá no fundo a inspiração para assumir para Esther, ali entre quatro paredes os medos que o genro dos Oliveira Telles e principal executivo da STK Construtora,  podia confessar ter, protegido pela ética do sigilo profissional dos psicólogos. Uma sessão não seria suficiente com certeza, mas eu já sabia por onde começar.Mas antes disso recitei uma estrofe para Esther, seria bom para ilustrar minha narrativa.

Eu venho aqui me deito e falo
Pra você que só escuta
Não entende a minha luta
Afinal, de que me queixo
São problemas superados
Mas o meu passado vive
Em tudo que eu faço agora
Ele está no meu presente
Mas eu apenas desabafo
Confusões da minha mente.”


4 comentários:

Cláudia Otoni disse...

Frase preferida 1:
Anna tinha objetivos de pessoas normais, mas falava deles com uma paixão que me impressionaram. Parecia ser uma pessoa intensa em tudo que fazia.

Frase preferida 2:
...mas me impressionou pela sensibilidade com que tratava cada caso ou cada tarefa. Eu sentia que ela não pegava uma tarefa e sim adotava.

Você tem evoluído Doutor! rsrsrs
Já estou ansiosa pelo próximo capítulo! Acho que me tornei, definitivamente, sua fã nº 1.
Beijos!

Lennon Pereira disse...

Muito obrigado Claudia! Fico feliz em ter uma "Fã" tão atenciosa e critica! Aumenta a responsabilidade!!
beijo

Cristiane disse...

Como na vida real, analistas e advogados detestam perder honorários.Muito bom o capítulo.Dicas de administração de recursos humanos , etc.E de graça!Parabéns.

Lennon Pereira disse...

Obrigado cris, fico muito agradecido pelas palavras...