Capítulo 35 - Os primeiros passos e sustos

Amanheceu cedo na segunda feira. Minha janela não tinha nada na frente. Dormimos propositalmente com as cortinas abertas, para que os primeiros raios do amanhecer invadissem nosso quarto e nos acordasse. A presença de Lara foi fundamental para que minha manhã fosse mais tranqüila e natural. Eu acordei com aquele frio na barriga, natural para o momento. Lara me deu um beijo de bom dia, me sorriu e me encheu de confiança. Como acordamos muito cedo, pudemos fazer tudo com bastante calma.Tomamos café da manhã juntos, lemos o jornal, conversamos, assistimos parte do noticiário e Lara ajustou o nó da minha gravata. Confesso a vocês que não sei bem se naquele momento eu estava mais apaixonado pelo que Lara estava representando em minha vida ou pelo desafio profissional que me aguardava.

Marquei com Lucas às 9 horas e cheguei uns dez minutos antes como era meu hábito. Emprego novo, sala nova, secretária nova, tudo novo. Já na entrada a primeira surpresa. Cheguei à sede da empresa e quando me identifiquei à recepcionista pegou o telefone e me anunciou: “Dona Marcia, o Dr. Herculano está aqui.” Esse Dr. Herculano era eu? Nunca fui Dr., pensei com meus botões. Só quando minha irmã levava suas bonecas para consulta ou para tomar vacinas!! Dei um sorriso dos meus pensamentos e provavelmente a recepcionista não deve ter entendido nada. Ela retribuiu meu sorriso, e pediu que a acompanhasse. Lígia, a recepcionista, me levou por um corredor bonito e lá no fundo uma bela sala com vista mais bela ainda para a baía de Guanabara. “Esta é a sua sala Dr. Herculano. Dona Márcia já virá aqui falar com o Sr.” Em seguida se despediu me dando o número da recepção, caso eu precisasse de algo. Cheguei perto da janela e apreciei aquele maravilhoso cartão postal. A sede da construtora ficava  em um famoso prédio na praia de Botafogo. A vista do décimo quinto andar era algo deslumbrante. A minha direita o morro da Urca e o Pão de Açúcar ao fundo, bem ao fundo, Niterói. Em frente à enseada de Botafogo com suas águas mansas e todos aqueles barcos, veleiros e iates ali ancorados. A direita parte do Aterro, morro da viúva e lá ao fundo o movimento de chegada e partida dos aviões do Santos Dumont. O aeroporto com a mais bela aproximação de todos os aeroportos brasileiros.

Fiquei ali comigo pensando na minha trajetória de vida e como era maravilhoso contemplar aquele momento. Cheguei a esquecer da vida por alguns momentos e quando recobrei a consciência pensei: “Por isso a cadeira é de costas para a vista, assim quando receber alguém para negociar, conseguiremos embriagá-los com esse paraíso e as negociações ficarão mais fáceis!”. Meus devaneios foram interrompidos pela entrada de Dona Márcia, uma mulher de aproximadamente quarenta e cinco anos, cabelos curtos e castanhos, impecavelmente vestida com um terno feminino, jóias discretas e lindos olhos azuis, aproximadamente 1,70cm já com o salto. “Bom dia Dr. Herculano, Sou a secretária da diretoria, e serei sua secretária também a partir de hoje. Dr. Lucas está aguardando o Sr na sala de reuniões, me acompanhe por favor.”

Dona Márcia me guiou até a referida sala, onde encontrei Lucas sentado com seu belo terno Hugo Boss e um largo sorriso. “Seja bem vindo meu amigo, e meus parabéns! Seu sogro deve mesmo estar bem impressionado com você. O que ele fez por você  fazendo aquele Jantar foi algo muito generoso. Aquele jantar te apresentando como genro  te economizou muitos degraus e obstáculos. O Mundo dos negócios vê e trata com certas reservas  novos empresários como nós. Depois daquele evento no qual ele praticamente oficializou seu nome como da família, tudo ficará menos traumático, o que não significa dizer que será fácil, talvez apenas menos difícil!”. Lucas me deu um abraço e prosseguiu com a palavra: “Essa será sua nova casa de hoje em diante, prepare-se para passar muito tempo por aqui, trabalhar arduamente, dirigir uma equipe de mais de quatrocentos colaboradores, fora os peões, tomar decisões difíceis, muitas vezes antipáticas, porém necessárias. Você será minha voz, meus olhos e meus ouvidos aqui dentro. Mais do que um irmão de sangue, meu amigo de confiança.  A vida a frente de uma grande empresa vai fazer de você uma pessoa com novos horizontes e nova visão da vida. Tenha em mente duas coisas: Número um: Estamos sempre aprendendo! Número dois: Aqui respeitamos a ética e o ser humano acima de tudo!"

Lucas me deu um abraço e passamos o dia com os gerentes da empresa tratando de assuntos ligados ao funcionamento da empresa. Na verdade passamos a semana assim, tratando dos assuntos, projetos, rotinas, processos, regras, empreendimentos e etc.

 

A semana passou voando. Passei em média entre doze e quatorze horas por dia dentro do escritório. Muita informação, muita novidade, muitos dados e muitos números. E-mails e ligações particulares nem pensar. Eu falava com Lara por telefone cedinho e à noite nem a consulta com Esther foi possível nas primeiras semanas. Eu acordava já no ritmo de ir pro trabalho e chegava cansado, doido para descansar a mente e o corpo. Minha consciência me cobrava ter um desempenho acima do esperado e isso me deixava muito compenetrado durante todo o dia. Chegava em casa com dores nos ombros de tão tenso que ficava. Os almoços, que seriam momentos de descanso, eram sempre com parceiros, investidores ou fornecedores. Conhecendo cada um deles, seus projetos, suas expectativas com relação à construtora, suas análises de mercado, suas visões políticas e etc. Eu estava vivendo em outro mundo.

Eu ficava impressionado  com a maioria das coisas que eu ouvia. Comecei a descobrir que existe um mundo ao qual eu não pertencia e que eu desconhecia a existência.  A forma como os interesses são tratados nos bastidores, como negociações são feitas atendendo a interesses de A, B ou C! A forma como uma empresa ou grupo ganha um negócio e abre mão de outro.

Eu estava impressionado e nunca havia treinado tanto a arte de aparentar sempre naturalidade. Se essa empreitada não desse certo eu poderia facilmente estrelar qualquer novela da TV brasileira. Lucas me acompanhou como se fosse minha sombra na primeira semana. Seu apoio foi fundamental e determinante para minha adaptação. Em uma semana eu já entendia a frase de Lucas: “A vida a frente de uma grande empresa vai fazer de você uma pessoa com novos horizontes e nova visão da vida.”

Eu realmente já começava a ver a vida por uma nova ótica, uma nova perspectiva. Agora me cabia combinar a quantidade de informações que entravam em minha cabeça, meus conhecimentos e minha personalidade. Disso tudo, sairia realmente um novo homem, uma nova personalidade. Esse novo homem  que surgiria ainda era uma incógnita para mim. Eu procurava trabalhar tudo em minha mente para que tudo se ajustasse sem grandes estragos e sem grandes neuroses. Eu vivia tudo aquilo e pensava comigo duas coisas. 

Primeira delas: Minhas consultas com Esther se tornariam indispensáveis nesse momento de transição e adaptação a esse novo mundo que se desvendava aos meus olhos. Um mundo onde valores que aprendi em casa como fundamentais, eram tratados como piada e como coisa para gente derrotada e fraca. Um mundo onde os valores importantes e fundamentais eram os que circulavam pelas contas bancárias, cheques, meias e cuecas. Lucas tentava fazer com que eu não ficasse muito impressionado e me dizia sempre que podíamos conviver sem nos contaminar, mas que não era tarefa fácil, precisávamos de muito jogo de cintura.

A Segunda: Eu precisaria muito de Lara, seu colo, seu amor, sua força e sua sabedoria. Estava muito claro para mim que se eu tivesse feito a escolha por Lully, minha vida jamais daria esse  salto, ou esse looping, sei lá como denominar.

Depois de duas semanas assim, intensas e trabalhando sábado e domingo, finalmente um fim de semana de folga. Combinei com Lara de irmos para Búzios com Lucas e Júlia, assim poderíamos descansar um pouco, lembrar de como tudo começou e eu e Lucas poderíamos aproveitar alguns momentos para tratar de uma ou outra pendência da empresa.

Saímos de casa sábado às 8 horas da manhã, com destino a Búzios, o lugar na terra que eu conheço que mais se assemelha à minha idéia de paraíso.