segunda-feira, 6 de agosto de 2012
sábado, 5 de maio de 2012
O livro está no forno
Queridos, o livro está prestes a ser editado, obrigado a todos! semana que vem, novos textos. Obrigado demais a todos que visitaram o blog e leram o livro!
quarta-feira, 21 de março de 2012
No Divã da Esther – Capítulo 1 Milene e o Amor.
A ideia de começar a contar casos vividos no meu divã
surgiu depois que tratei o Sr. Herculano Marins. Um rapaz boa praça, que chegou
aqui com meio caminho andado. Um paciente que me procurou porque queria ajuda
para se encontrar. Para querer se encontrar, é fundamental se saber perdido,
primeiro requisito para que um tratamento com analista possa surtir efeito.
Canso de receber pacientes que chegam aqui com os mais
variados motivos:um amigo indicou, a mãe
disse que era bom, a amiga melhorou muito depois que me conheceu, a prima
casou, o amigo arrumou bom emprego, vi na novela e resolvi experimentar, e por
aí vai. Uma variedade tão grande que se eu fosse relatar, gastaria uns dois ou três
capítulos só listando.
Herculano é um orgulho para mim como profissional. Chegou
aqui virgem, nunca havia feito analise. Abriu seu coração, foi transparente. Ele
não sabe, mas a primeira sessão, eu não conto como tratamento. Na primeira, eu
que vejo se posso e quero ou não tratar o paciente. Herculano eu topei de cara.
Se sabia perdido, queria ajuda e assim foi. Tivemos sessões memoráveis,
curiosas e um super resultado. O rapaz se encontrou na vida, e em consequência no
amor, na família no trabalho e no prazer de viver.
Vou começar hoje contando um caso que aconteceu há
alguns anos no meu consultório, uma moça de vinte e oito anos que me procurou
dizendo que não conseguia se apaixonar, vou usar o nome fictício de Milene,
para preservar a identidade da paciente.
Milene era a filha mais nova de um casal de médicos,
era dois anos mais nova que o irmão, um bem sucedido médico, que seguiu a
profissão dos pais. Formou se cirurgião, conquistou respeito no meio
profissional, casou com uma bela moça e teve dois filhos, gêmeos e lindos.
Milene contava que vivia muito bem, morando na casa dos
pais, formada em direito, trabalhava como assistente em um razoável escritório
de advocacia, sem muita expressão, sem muita cobrança e também sem muitos
desafios. Milene dizia que tinha uma vida maravilhosa, que era muito feliz com
sua vida, mas que tinha uma enorme dificuldade em viver um grande amor.
Milene era a típica paciente difícil de tratar. Me
procurou por sugestão de uma amiga e já chegou aqui dizendo que não tinha
problemas. Não se apaixonara por ninguém até hoje porque não lhe fazia falta. Segundo
ela, era um absurdo que a sociedade lhe
cobrasse ser solteira. Milene era a típica Pollyana. Vivia no jogo do contente,
sem se dar conta de tal fato. Era cercada de amigos e eventos, vivia afirmando
que a vida era muito simples. Para ela as pessoas que se diziam infelizes era
pessoas que inventavam problemas. Para milene, problemas eram na sua grande
maioria invenções de pessoas complicadas.
Nada mais doentio do que acreditar que a vida é um mar
de rosas. Viver é correr riscos, é ficar triste e feliz e saber respeitar cada
momento. Sem tristeza não pode haver alegria, assim como é impossível se enxergar
a luz se não houver a escuridão.
Deixei Milene se enganar e fingir que me enganava por
algumas sessões. A moça sentou aqui umas quatro ou cinco vezes apenas para
falar como ela era feliz e como os amigos e amigas eram tolos por terem
problemas. Ela vangloriou-se por várias vezes se mostrando superior aos fracos
que por não terem o que fazer, inventavam problemas idiotas e tolos.
Até que um dia resolvi cutucar a moça. Pedi a ela que
relatasse em poucas palavras como eram seus pais e seu irmão e ela e o que cada
um representava no seio familiar. Ela começou superficialmente falando do
casal, da convivência do dia a dia até que chegou nas profissões de cada um. Sem
perceber, Milene deixou escapar o primeiro e grande problema que havia dentro
dela e que não queria enxergar. Ao entrar na personalidade do irmão, ela
cometeu o deslize que de a abertura para o início real de seu tratamento. Ela começou
a falar do irmão e eu interrompi, perguntando o que ele representava para os
pais. Milene respondeu tão a vontade que se traiu e deixou cair a cortina que
escondia um de seus traumas que tanto incomodava e teimava em esconder:
“Meu irmão é cirurgião, assim como meu pai. Um grande
cirurgião, que leva o nome da família e é reconhecido no meio como sucessor de
meu pai. Para ele ter sucesso e respeito, precisou ser muito bom no que faz,
pois não queria ser conhecido como o filho do DR. X. Meu irmão é o orgulho da família.
Bom profissional, bom marido, bom pai. Tudo que meus pais esperavam dele.”
Interrompi Milene nesse momento, e perguntei: “E para
você o que ele é? “
“um grande amigo”, respondeu Milene sem pestanejar. Não
satisfeita cutuquei provocante: “Só isso? Não é um parâmetro? Um espelho? Ou uma
barreira a transpor? Ele não é tudo o que você queria ser”?
Milene baixou a cabeça e chorou. Chorou o choro de quem
caiu na real, que viu seu mundo de conto de fadas desabar. Não precisou falar
mais nada. Seu irmão Beto (nome fictício) era um fantasma inocente, que nunca
fez nada para assombrá-la propositalmente. Simplesmente Beto e Milene eram
diferentes. Beto escolheu seus caminhos e seguiu de forma determinada. Pelo que
Milene contava, Beto seria o melhor advogado, o melhor engenheiro, o melhor frentista
ou o melhor violonista. Era a personalidade do rapaz. Tem gente que é assim,
escolhe uma coisa e vai lá ser o melhor, ou um dos melhores. O Fato de Milene não
ser como Beto, e ninguém é obrigado a ser como ninguém, acabava oprimindo
Milene. Sua forma de reagir foi se enclausurando num mundinho sem riscos e sem
ambições. O medo da fictícia concorrência e comparação que poderia ocorrer,
impediam Milene de arriscar, de tentar, de buscar.
Na verdade Milene não tinha dificuldades em se
apaixonar. Milene tinha medo da comparação, da competição que dentro dela,
seria travada na eterna comparação com seu irmão Beto.
Milene não alçava maiores voos no trabalho, para não
ser comparada ao irmão. Não se envolvia emocionalmente para não correr o risco
de formar uma família não tão de “porta
retratos” como a de Beto.
Milene chorou os últimos vinte minutos da consulta. Voltou
muitas vezes mais ao meu divã, até ter alta. Chorou, assumiu seus medos, suas
incertezas e inseguranças e se assumiu como ser humano como todos nós. É do ser
humano ter medo, ter duvidas ter incertezas e fantasmas. Não é certo é se
esconder e fingir que isso não existe. Quando admitimos um problema damos o
primeiro passo para resolve-lo.
Cheguei a ter uma conversa com Milene e seus pais no
consultório. Foi importante para ela abrir o jogo na frente dos seus pais,
assumir seus medos e ouvir deles que isso nunca aconteceu. Seus pais choraram também
e declararam seu amor sincero pela filha, dizendo a ela que a amariam sempre da
mesma forma que ao irmão, e que sempre teriam por ela admiração, e respeito
pelas suas escolhas. Declararam que estariam ao seu lado sempre, aplaudindo
quando acertasse e dando apoio quando um projeto, pessoal ou profissional desse
errado.
Tenho muito orgulho desse tratamento. A família toda
cresceu e se tornou mais feliz e mais unida.
Milene hoje tem
seu próprio escritório. Especializou-se em direito ambiental, está batalhando
por seu espaço, mas é motivada e feliz. Namora um rapaz bacana, Também
advogado, que tem um emprego no TRT. Estão planejando casamento. Milene é
apaixonada pelo noivo, pelo irmão e pelos pais, um amor sem cobranças, sem
comparações e sem medos, como devem ser os amores saudáveis.
Semana passada recebi o convite para o casamento. Não costumo
abrir exceções, mas dessa vez irei com muito orgulho e prazer, me sinto
madrinha da nova Milene, e estarei lá desejando a ela muitas felicidades, tristezas,
erros, acertos, medos e certezas em toda sua vida.
Até a próxima. Um beijo para vocês.
Se quiserem contar algum caso ou história, terei prazer
em publicar e comentar, basta mandar email
para o meu editor lennon.pereira@lm7solutions.com.br.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Capítulo 54 - Em perfeita harmonia
Fiquei muito feliz quando vi as reservas confirmadas para
passar o feriado na pousada. Era um feriado grande de quatro dias e a previsão
do tempo era de sol forte e céu azul. A Pousada ficava em Geribá, em Búzios, com uma linda vista para o mar e para o verde.
Já contei para vocês que Búzios para mim é um pedaço do paraíso na Terra.
Logo cedo Lucas chegou com Júlia e Rafaella. Minha afilhada amada
estava linda, com cinco anos. Já era muito esperta e carinhosa e tinha o
jeitinho da mãe. Cabelos escuros e lisos, de franja, pele morena e belos olhos azuis, muito azuis. Muitas vezes
impliquei com Lucas perguntando se ele tinha certeza de que aquela princesa,
linda daquele jeito era mesmo filha dele. Lucas ria e respondia: “pai é quem cria amigo” e dávamos muitas
risadas disso. Ela correu para o meu colo e me deu aquele abraço que quando
ganhamos, queremos que o mundo acabe. Minha experiência como padrinho foi muito
gratificante. Rafaella e eu éramos muito ligados, e ela foi responsável por me
ensinar um tipo amor que eu do alto dos meus trinta e poucos anos não havia
experimentado, que eu desconhecia.
Dei um forte abraço nos meus compadres e fiz questão de
acomodá-los pessoalmente na suíte principal. Deixei-os à vontade para arrumarem
malas e escolherem o primeiro programa do dia. A Pousada estava cheia e eu
teria muito trabalho pela frente naquela manhã. De fato foi isso que aconteceu, correria de um lado para o
outro, tão intensa que mal vi parte do dia passar. Lá pelas dezesseis horas
pude me sentar na varanda, abrir uma latinha de cerveja e parar para apreciar a
vista. Nesse momento meu velho e bom amigo Lucas apareceu, puxou uma cadeira e
sentou-se ao meu lado, também acompanhado de uma latinha gelada.
“Sabe meu amigo, eu
hoje aqui, sentado ao seu lado, como hóspede da sua pousada, fico pensando como
a vida é imprevisível. Se alguém dissesse que isso um dia aconteceria, eu diria
que era um louco. E vendo você assim Herculano, me dá um enorme orgulho de ser
seu amigo e de ter acompanhado todas as fazes da sua vida.” Lucas era de fato meu melhor amigo, meu grande irmão trazido
pela vida. Eu que sou filho único, fui presenteado por Deus com um grande irmão
de coração.
Dei um abraço no meu amigo, peguei um pequeno isopor com
mais umas seis latinhas e comecei a viajar no tempo e a abrir meu coração ali
para Lucas. Apesar dele ter vivido todas as etapas da minha vida até esse dia,
seria bom ele ouvir de mim como tudo acontecera. Ele e vocês saberão
exatamente como tudo ocorreu.
Saí do consultório de Esther com a sensação de ter
encontrado todas as respostas que eu tinha para mim mesmo sobre a vida e segui
passo a passo tudo que era necessário fazer. Na verdade Esther me ajudou a entender o que eu havia
sonhado e ligar tudo isso ao livro que eu tinha lido no avião de volta. Meu sonho explicava muito sobre as crises de identidade que
as pessoas vivem. Eu, particularmente, sempre fiquei na dúvida que o sonho me
colocava e foi assim que Esther decifrou o que para mim e para Anna, parecera uma viagem louca.
“Meu querido Herculano,
seu sonho é muito claro. Vem ilustrar uma situação que tem tudo a ver com o ser
humano. Seu sonho ajuda a entender a diferença entre o amor Eros e o amor
Filia. Quando você caminha pelo lado escuro, onde seus olhos nada podem ver,
mas tudo tem sabor, cheiro temperatura e
outras sensações, é como se você estivesse encantado pelo desconhecido. Quando desejamos
muito uma coisa que não temos, tendemos a supervalorizar o prazer que aquilo
pode nos dar. Colocamos nossas expectativas e projetamos nossa felicidade em algo que é hipotético
e desconhecido. Por isso você tinha todas as sensações de prazer naquilo que
não via.
O outro caminho, é uma
forma de se exemplificar o amor Filia. Sua caminhada pela estrada iluminada
onde tudo era claro aos seus olhos, representam as conquistas, aquilo que temos
ao nosso alcance, aquilo que construímos. Se olharmos nossas vitórias e
conquistas apenas com os olhos do amor Eros, elas se tornarão insípidas, inodoras,
sem emoções, sem encanto.
O Ser humano
inteligente, é aquele que consegue ter o Eros, de desejar sempre algo, ter
objetivos, mas ao mesmo tempo consegue amar a tudo aquilo que conquistou. Se reconhecer
um vencedor, um abençoado, e conseguir continuar sentindo sempre o gosto
delicioso das frutas do seu pomar, se encantar com o perfume das flores do seu
jardim. Se refrescar no seu córrego e saciar sua sede nessa água. Isso tudo
sempre enxergando o valor de se conquistar e de se preservar tudo isso. Harmonia
é a palavra”
Eu saí dali com tudo muito claro na minha cabeça e foi
muito mais fácil fazer as escolhas e tomar as minhas decisões. Eu sabia
exatamente tudo, ou quase tudo o que fazer para encontrar a felicidade. Só voltaria
lá se algo nisso tudo deixasse de fazer sentido para mim.
Do consultório eu fui direto para a empresa. Pedi a dona Márcia
que não interrompesse e entrei em reunião com Lucas. Expliquei ao meu amigo que
eu era muito grato e realizado por tudo que fez por mim. Pela confiança, pela
oportunidade e pelo aprendizado. Prometi a ele que tocaria o projeto Brasília
até o fim. Eu era seu amigo, de sua confiança e era um profissional.
Compromisso assumido se leva até o final, e assim foi feito. Um ano trabalhando
com afinco e dedicação, e em paralelo preparando meu sucessor, ou sucessora.
Anna foi minha sombra durante esses dois meses. Acompanhou passo a passo e no
final, já sabia mais do que eu sobre o dia a dia da empresa, das leis e dos
negócios. Lucas um dia me confessou que Anna foi uma das minhas maiores
contribuições para a empresa. Ela hoje cuida de tudo praticamente sozinha, e dá
ótimos resultados. Expliquei para Lucas que eu não servia para aquele tipo de
negócio. Não queria me envolver com políticos, obras públicas, presentinhos nem
troca de favores. Ao final do projeto, vendi minha parte na sociedade, recebi a
parte que me cabia no projeto e nunca mais usei terno e gravata.
No mesmo fim de semana, corri para conversar com a mulher da
minha vida. Sentei com ela e falei tudo que estava passando na minha cabeça. Tudo
que eu havia aprendido sobre amor, felicidade e realização. Descrevi para ela
meu projeto de vida, exatamente assim:
“Quero ser feliz com você, numa vida de dedicação, amor,
compreensão, companheirismo e muita cumplicidade. Tenho um plano de vida e te
convido para ir comigo. Vou ficar mais um ano com Lucas na empresa. Depois
disso, apuraremos o lucro do projeto e ele me pagará minha parte na empresa. Quero
ter uma pousada em búzios, viver de chinelos, em contato com a natureza. Ter um
lugar para receber pessoas em busca de descanso, de lazer e descontração. Não
serei um empresário da mídia, nem o homem de negócios que um dia achei que
queria ser. Mas te prometo ser o marido mais dedicado e apaixonado de todos.
Prometo ser fiel, te amar e te respeitar por todos os dias de nossas vidas, e
te prometo que nossa vida nunca será chata ou monótona. Meu primeiro objetivo
de cada dia será fazê-la sorrir, depois disso, cumprirei minhas demais
obrigações. Te prometo uma família e filhos, e educá-los da melhor forma
que nós pudermos, sempre exaltando os valores da ética, honestidade, bom caráter
e do amor e respeito.”
Ela olhou para mim com os olhos marejados e disse que iria
comigo aonde eu fosse por todos os dias de minha vida. Minha mulher era minha
alma gêmea, despertava em mim admiração, amor, paixão, respeito. Me fazia
sorrir e fazia com que eu quisesse ser sempre uma pessoa melhor. Uma das
melhores sensações da minha vida foi descobrir dentro de mim, o quanto eu tinha
amor e paixão por aquela mulher. Desse dia em diante, nunca mais tive dúvidas
sobre ter feito a escolha certa.
Nosso casamento foi aqui, no jardim da pousada. Ela de
vestido branco leve com um arranjo de flores na cabeça, e eu de bermuda branca
e com uma camisa escolhida por ela com todo carinho. E os dois de sandálias, ela
com uma rasteirinha e eu de Havaianas. Exatamente um ano e dois meses depois de
eu ter voltado de Brasília.
Lucas olhava para mim e ouvia atentamente meu relato, seus
olhos estavam admirados e marejados e eu continuei.
“Sabe meu amigo, uma
das grandes idéias que você teve, foi me dar essa casa como parte do pagamento
na minha saída da empresa. Amei esse lugar no dia que estive aqui pela primeira
vez. Sua casa, hoje a pousada Três Amores de Geribá, é um dos grandes prazeres
da minha vida. Deu pouco trabalho transformá-la em pousada. Mais umas suítes,
uma cozinha maior, lavanderia e pronto. Meu trabalho ideal, que me permite
admirar diariamente o nascer e o por do sol. Sou totalmente realizado
profissionalmente!”
Faltou falar do Ágape. Pois é, eu achei que sabia tudo o que
tinha para saber, mas estava enganado. Ágape, o amor que se completa no
próximo, na felicidade do próximo. Em colocar quem amamos em primeiro lugar. Então
meu amigo, posso te dizer que ser padrinho de Rafaella me ensinou a amar alguém
que nem sabe que existimos. Eu já amava Rafaella desde o dia do parto de Julia.
E agora, ali estão, meus dois tesouros, dando seus primeiros passos.
Lucas olhou e viu quem vinha displicentemente em nossa
direção: Rafaella segurando pelas mãos Luiza e Carolina. Isso mesmo, minhas
gêmeas!! Obrigado Deus por ter me dado em dobro a melhor coisa do mundo. Meu coração
se completou nesse dia. Quando minhas gêmeas nasceram. Agora, já com um ano e
meio, andando espertas e me chamando de papai, a palavra mais doce de se ouvir.
Quando ouvi minhas meninas me chamando de papai pela primeira vez, senti uma
sensação indescritível, era como diria um samba antigo, “um porre de felicidade”
só que interminável e sem deixar ressaca. O amor da forma mais pura.
Olhamos mais atrás e vinham as duas conversando. As responsáveis
por Lucas e eu sermos assim, tão realizados. Julia e Lara. Sim, Lara, a mulher
que me resgatou, que me fez sentir amado pelo que eu era. A mulher que não
precisava de mim, mas valorizou o que eu
tinha lá dentro de mim, algo que nem eu mesmo estava enxergando. A mulher que
participou e despertou toda a virada da minha vida.
Lara disse naquele dia que voltei de Brasília que tive a tal
conversa: “Me apaixonei pelo
homem bom e de coração puro que vi no dia fomos à Búzios. Você me olhou de um
jeito que expôs sua alma. Naquele dia eu vi que poderia ser muito feliz com
você. Estou radiante em ouvir de você o que está me propondo agora. Tenho
certeza que você se encontrou, e vou te amar mais a cada dia. Serão sempre os
nossos sonhos e nossas conquistas. Serei muito feliz com você em Búzios ou em
qualquer outro lugar que nos ajude a conservar aquilo que temos de melhor,
nosso amor e nossa cumplicidade. É claro que eu estou nesse sonho com você meu
amor”.
Sentamos os cinco na varanda. Lara com Luiza no colo e eu
com Carolina. Lucas e Julia com Rafaella. Apontamos para o por do sol, e
explicamos para as crianças que aquele era um dos maiores espetáculos da
natureza. Ficamos todos em silencio sorrindo e chorando ao mesmo tempo. Em pensamento
eu agradecia a Deus, por ter me mostrado o caminho da felicidade. Eu tinha ali,
Ágape, Eros e Filia, em perfeita harmonia, e esses eram meus verdadeiros
tesouros.
Fim
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Capítulo 53 – O Retorno e o papo com Esther
Acordei um pouco tonto com a clareza e o conteúdo do sonho que acabara de ter. Normalmente eu não me lembrava dos sonhos, ou sonhava coisas sem muita importância. Aquele sonho porém se tornaria peça fundamental no auto conhecimento e no encontro comigo mesmo. Fiquei ali na cama parado relembrando e revivendo aquela incrível experiência. Era tudo claro demais e vivo demais na minha lembrança. Refleti bastante e cheguei a escrever no bloquinho de cabeceira do hotel os detalhes do sonho para não perder nada. Eu já sabia que esse seria o tema da minha conversa com Esther. Arrumei minhas malas e desci para o café da manhã no hotel.
No restaurante logo encontrei com Anna e a moça foi a primeira pessoa com quem conversei sobre minha experiência extra sensorial. Contei o sonho com todos os detalhes, enquanto degustava as frutas iogurtes e pães. Anna ouvia atentamente o meu relato, olhos arregalados de atenção e espanto. Quando terminei, ouvi o curioso comentário da minha assistente: “Chefe, que coisa sensacional! Parece até que você tomou um ácido antes de dormir! Das duas uma: ou você teve uma experiência muito louca de uma viagem sem pé nem cabeça, ou esse sonho vai te ajudar a esclarecer suas maiores crises existenciais. Com certeza, lá no fundo de sua alma, você sabe o que te aflige e encontrará uma forma de descobrir o que essa mensagem quis te revelar. Não perca essa oportunidade e escute o que seu coração diz para a sua mente, aproveite bem esse momento. Espero um dia viver algo parecido. Deus com certeza te abençoou!”
As palavras de Anna me deixaram ainda mais determinado a decifrar aquela loucura. Fizemos o check out no hotel e seguimos rumo ao aeroporto. Despachamos as malas e seguimos para o embarque. Aeroporto é sempre uma chatice, aproveitei para entrar em uma livraria e escolher um bom livro para me distrair durante as duas horas improdutivas que eu teria pela frente até chegar ao meu amado Rio de Janeiro. Fugi das gôndolas centrais. Ali só encontramos o que eu chamo de “besta sellers”. Um monte de manuais de auto ajuda, que como diria meu antigo professor de filosofia, descrevem os dez passos para tudo que se busca na vida. “Dez passos para ser feliz, dez passos para ser um líder, dez passos para ficar rico e dez passos para tudo o mais que seja possível se listar". Lembro bem quando ele comentou: “alunos queridos, imaginem se existissem mesmo dez passos mágicos para tudo?! Não teríamos nenhum líder, unicamente pela falta de quem liderar...”.
Eu procurava sempre algo que não estivesse nas pilhas de auto ajuda, sempre procurei leituras menos populares e mais edificantes. Nada contra quem curte auto ajuda, só não é aminha praia. Achei num cantinho um livro com o título: “Eros, Filia e Ágape os três nomes do amor”, li rapidamente a orelha do livro e decidi que aquele seria meu companheiro para as próximas duas horas. Para não parecer indelicado, comprei dois exemplares e dei um para Anna se distrair e não ficar puxando assunto interrompendo minha leitura e minhas reflexões.
Foram duas horas enriquecedoras e interessantes. Não vou aqui repetir tudo que li, mas de forma resumida, posso passar o que absorvi lendo. O autor faz uma ligação entre três tipos de amor:
Eros é o amor pelo que desejamos, o amor que aproxima duas pessoas que possuem sede de se conquistar. É o amor que pode ser repleto de paixões inebriantes. Eros é o amor pela casa dos sonhos, pelo carro dos sonhos, pelo brinquedo dos sonhos e assim vai. Eros é o que desejamos alcançar conquistar.
Filia é o amor amigo, companheiro, mas também é o amor pelo que se conquista na vida. Filia complementa o amor Eros. Desejamos uma mulher, e a conquistamos. Para que isso não seja o fim dos relacionamentos nem dos casamentos, temos que aliar o Amor Eros ao Filia. Posso até dizer que o amor filia é amar as conquistas e amar conservá-las.
O terceiro, Ágape, é como o amor de Cristo, o amor que se completa na felicidade de quem amamos. O amor que se alegra em ver a felicidade do próximo, em proporcionar felicidade àquele que queremos bem. Talvez seja esse o amor mais sublime e mais puro, que se completa no próximo. Particularmente esse é o que mais me despertou interesse e que mais mexeu comigo. Encarei como o amor que mais pode realizar uma pessoa, ou que mais pode me realizar. Talvez cada um descubra o amor que mais lhe convém, ou realiza, ou encontre o equilíbrio perfeito entre os três na sua vida.
A viagem passou como um flash, o livro não era muito grande e terminei a leitura enquanto o comandante anunciava nossa aproximação à Baía de Guanabara, cena das mais lindas que carrego na mente. Realmente o Rio é maravilhoso, principalmente visto lá do alto. Saímos do avião e enquanto Anna ia para o escritório eu me dirigi ao consultório de Esther.
Algo me dizia que seria a consulta mais importante da minha vida. Dessa vez eu não dormi ao som de Bach no hipnótico sofá da sala de espera. Ouvia a música e lia uma revista, mas minha mente contava os minutos em que eu seria chamado. Sempre demora mais quando estamos ansiosos, impressionante! Foram os quinze minutos mais longos da minha vida, ou dos últimos anos. Meu rosto se iluminou num sorriso assim que vi Esther abrir a porta para me receber. Dessa vez eu aceitei a água antes de começar a falar, num claro sinal de ansiedade. Antes de começar ela tomou a palavra: “Respire fundo, fique calmo e comece a falar com tranqüilidade, da forma que melhor lhe convier. Não há regras, lembre-se. O Importante é que você se sinta a vontade e que fale com o coração, eu sou toda ouvidos nesses próximos cinqüenta minutos.”
Como bom aluno que sempre gostei de ser, obedeci de imediato. Respirei fundo, bebi mais água e pensei numa música relaxante. Comecei pelo começo, contando sobre a viagem, sobre a conversa de Anna no restaurante, sobre suas indagações e minhas obrigatórias reflexões, depois contei detalhadamente meu sonho. Esther ouviu com atenção, e passamos o resto da sessão num diálogo edificante, quase um orgasmo psicológico. Ao final Esther me levou até a porta e se despediu com a seguinte frase: “Vá Herculano, e só volte aqui no momento combinado."
Saí do consultório cantarolando uma estrofe de Caetano Veloso que adoro e era perfeita para o momento:
“...Cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é (...)
você diz a verdade e a verdade é seu dom de iludir,
cale a boca e não cale na boca notícia ruim...”
você diz a verdade e a verdade é seu dom de iludir,
cale a boca e não cale na boca notícia ruim...”
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Capítulo 52 – E as luzes vão se acendendo
Aquela mistura de conversa com champanhe realmente eletrizou meus neurônios e me fez ligar várias informações, sentimentos, valores perspectivas e fatos da minha vida. Com certeza eu não seria o mesmo depois dessa noite de reflexão não planejada. Dizem que as melhores coisas da vida são as não planejadas. Acredito que algumas coisas não planejadas possam sim ser boas e criar momentos inesquecíveis, mas não acredito que viver sem planejar nada seja uma boa política. De qualquer forma, vida que segue, cada um com seus valores e suas verdades e não serei eu que vou dizer aqui o que é certo ou errado para o mundo, basta que eu saiba o que é certo ou errado para mim.
Dancei mais um pouco com Anna, mantendo uma distância regulamentar, física e psicológica, para que o álcool não criasse um clima que poderia por a perder aquela troca de informações e respeito mútuo que estávamos desenvolvendo. Fim de noite, cada um pro seu quarto, em andares diferentes e para mim uma noite de avaliações profundas. Eu sabia que precisava tomar algumas decisões na minha vida, que deveria tomar com consciência, mas uma conversa com Esther me veio a mente e me deixou um tanto confuso. Certo dia em uma das sessões, falávamos sobre Freud, o pai da psicanálise. Esther me dizia algo sobre o que eu teimava em classificar de decisões conscientes. Minha analista tentava abrir minha mente e me tirar do degrau das certezas absolutas. Vou repetir aqui as palavras de Esther sobre o assunto em questão:
“Meu caro Herculano, depois que Copérnico, no século XVI, acaba com a hipótese geocêntrica e retira o homem do centro do universo, e das revelações de Charles Darwin, no século XIX, filiando a espécie humana numa raiz comum a outras espécies, Freud é conhecido por ter dado o golpe final, já no século XX, na ideia que a humanidade fazia de si mesmo: um ser criado por Deus, com estatuto especial entre os outros seres, e em pleno uso da sua vontade. E isto por uma razão muito simples: além da sua vontade, o homem é movido por razões de que não tem consciência nem controla. Isto quer dizer que por detrás da consciência - as percepções, pensamentos e conhecimentos - existe uma dimensão mais profunda de que não temos consciência, o inconsciente, que interfere silenciosamente na vida de cada um de nós.
Quando somos confrontados com impulsos e desejos que colocariam o nosso equilíbrio em perigo, isto é, quando manifestamos tendências perigosas e consideradas incorretas, há uma espécie de censor que nos diz isso mesmo: 'Atenção, o que aí vem pode ser desastroso'. Como numa boate, o porteiro decide quem está bem vestido e pode entrar e quem não corresponde ao perfil desejável. Nesse momento, uma vez mais como na boate, esses impulsos ficam à porta e acabam por se retirar, neste caso permanecer no inconsciente. A este processo que consiste em mandar para trás os impulsos reprováveis Freud chamou recalcamento, um processo normal de sobrevivência individual e social. Um processo que pode transformar-se num verdadeiro problema, no entanto, quando ocorrem demasiadas e repetidas vezes, sem que cheguemos a libertar a energia acumulada e que acaba por se manifestar contra a nossa vontade em forma de sonho - já pensou de onde vêm as imagens bizarras dos teus sonhos?”
As frases de Esther eram límpidas em minha cabeça, lembro até de ter escrito isso uma vez para não me esquecer. Eu estava ali, lutando para ver com clareza se estava levando minha vida pelo consciente ou pelo inconsciente. Descobrir e equilibrar ambos, seria fundamental para a felicidade que tanto busco. Nesse momento cheguei a temer pelos personagens monstruosos que estavam prestes a me assombrar em sonhos assim que minhas pálpebras pesadas cerrassem, cedendo ao cansaço acumulado, psicológico e físico que àquela altura já dominavam minhas forças. Adormeci e sonhei.
Sonhei de forma límpida e clara e relatarei exatamente como tudo se passou:
Eu estava caminhando por uma estrada deserta num dia de sol e em um certo momento eu deparei-me com uma bifurcação. Olhei para uma estrada e era iluminada, com árvores, flores, frutas. O dia era claro e eu via tudo com clarividência. A Outra estrada estava toda escura, eu não conseguia ver nada. Nesse momento meu corpo se dividiu em dois, e cada um dos meus eu's seguiu por uma estrada.
Na estrada clara, o meu eu podia ver as flores, mas não conseguia sentir seu perfume, podia comer as frutas, que eram lindas e vistosas, mas por mais que eu variasse a escolha, não conseguia sentir o sabor, eu bebia a água do córrego, que era límpida, mas não saciava minha sede, as árvores balançavam com o vento, mas eu não sentia o vento refrescar a minha pele.
Na estrada escura, meu outro eu caminhou e não conseguia distinguir claramente o que via. Era tudo meio escuro e nebuloso, porém, enquanto caminhava, podia sentir o perfume das flores, mesmo não as vendo, podia sentir o gosto doce das frutas, mesmo sem poder tocá-las, sentia água fresca saciar minha sede, mas não via o córrego e sentia uma leve brisa que me refrescava a pele e me afagava os cabelos.
Depois de algum tempo, meus dois eu's foram sugados para o inicio da bifurcação, se tornaram novamente um só, e uma voz me disse a seguinte frase: “Vá agora Herculano! Escolha o caminho que melhor lhe convier, você pôde vivenciar duas experiências que tem cada uma um significado, agora siga seu caminho e agradeça a Deus, pois poucas pessoas podem receber uma mensagem tão enriquecedora como essa.”
A voz calou e o despertador tocou. Era dia de voltar para casa. Do hotel mesmo liguei para Esther dizendo que precisava ir hoje ao seu consultório de qualquer jeito.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Capítulo 51 – “e eu me senti, nascendo outra vez...”
Anna começou a discursar em minha frente como se estivesse com alguém com quem te muita intimidade, as idéias fluíam como água rio abaixo, eu admirava a fluência e a forma clara daquela moça se expressar. Talvez fosse um talento desperdiçado. Num tribunal ela provavelmente teria grande sucesso. Fala bem, expõe as idéias de maneira clara e objetiva e fala com emoção e empolgação. Vou relatar aqui apenas a parte mais importante do seu inflamado discurso: “chefe, estou muito feliz com a oportunidade que o Sr. Está me dando na empresa. Quis estudar direito para trabalhar assim em empresa. Nunca pensei em advogar. Acho que isso é um dom que eu não tenho. Estou com 23 anos e tenho certeza que conseguirei alcançar todos os meus objetivos. Quero me estabelecer profissionalmente, crescer, aprender, e ter um emprego que além de me remunerar bem, também me de muito prazer em sair de casa diariamente. Sabe chefe, acho que o dinheiro é importante, mas o mais importante é estar feliz com aquilo que se faz. Uma vez ouvi de um amigo uma frase muito bacana. Dizia mais ou menos assim: “somos escravos de nossos deuses, se meu Deus for o dinheiro, serei escrava dele e não alguém que tirará dele frutos.” Concordo plenamente com ele. Dinheiro é um meio, uma conseqüência de fazer aquilo que se gosta.
Eu já estava impressionado e ela prosseguiu me dando mais algumas lições de vida: “Depois disso, ou em paralelo, quero me apaixonar!! Me apaixonar muito e de verdade. Aquela paixão que faz a gente perder o chão, ficar sem ar, suspirar, respirar fundo. Paixão que faz fechar os olhos apertados de saudade, que faz o coração bater mais forte, que enche nosso sangue de adrenalina. Quero amar alguém com quem eu tenha a sensação de que nasceu para mim e que eu nasci para ele. Não importa de onde venha, qual seja sua profissão ou religião. Basta que seja de bom caráter, honesto e que corresponda minhas expectativas e meus sentimentos. Quero alguém com quem possa ficar vendo filme no sofá, ou colocar a cabeça no colo e fazer cafuné, e que isso seja a coisa mais gostosa do mundo. Amar para mim é admirar, respeitar, desejar e manter. Meu professor de filosofia me ensinou numa palestra que existem três tipos de amor, Eros, Filía e Ágape. Eros é amar o que se deseja, o que queremos conquistar. Filía é amar o que temos o que conquistamos e Ágape é o amor maior, aquele que nos alegra em fazer feliz a pessoa amada. De forma resumida, ser feliz é combinar os três amores. É isso que eu procuro para a vida pessoal. Ser feliz com o amor pleno.”
As palavras de Anna entravam como faca em meu peito. Aquela menina parecia um clone jovem de Esther. Quanta paixão e quanta clarividência dentro de um corpo tão jovem! Apenas vinte e três anos e tão bem resolvida. Quem me dera ter essa cabeça há dez anos, pensei eu. Anna deu uma pausa no discurso e me perguntou por que um cara aparentemente bacana e bem resolvido estava solteiro até hoje. Pensei em dar uma resposta evasiva ou impessoal do tipo “não apareceu ninguém”, mas ela estava tão empolgada e tão envolvente que me senti obrigado a falar a verdade: Resumidamente Anna, me envolvi com as pessoas erradas algumas vezes e as feridas precisavam cicatrizar. Acho que agora estou com todas bem cuidadas, pronto para outra”. Anna olhou minha aliança e perguntou como criança pequena que não se preocupa com a profundidade do o que se pergunta: “ Está noivo chefe? Sua noiva é do tipo que te tira o chão e te faz perder o ar?”
Respirei fundo pensando se devia responder ou dar a Anna demissão por justa causa por deixar o chefe em uma situação tão constrangedora como aquela. Tomei a taça de champanhe de um gole só, como quem ganha tempo para pensar em como responder à pergunta atrevida de minha pupila.
Do alto de minha supremacia de chefe e sócio diretor da empresa, respondi politicamente: “ Com a minha idade, você verá que há muito mais do que isso no amor verdadeiro.”
Menti, menti para Anna, mas não podia mentir para mim mesmo. A Pergunta de Anna foi quase um nocaute. Anna não se deu por satisfeita, viu que eu estava sentindo o golpe e desferiu o golpe de misericórdia: “Espero nunca descobrir isso chefe, me desculpe, mas espero mesmo!” e com a soberania e altivez dos vitoriosos, sorriu vitoriosa e bebeu triunfante o champanhe da vitória. Anna tinha dado uma lição de vida no seu chefe e acionista da empresa. A mim coube reconhecer a derrota com hombridade e convidar Anna para dançar na pista que acabava de ser aberta pelo Dj da casa. Isso mesmo, o tal espaço que havia no meio do restaurante era a pista de dança. A casa se transformava numa casa dançante às 23 horas. Coisas que acontecem e parece até conspiração do universo. Era noite da MPB e da Bossa nova e o DJ começou exatamente com a belíssima letra de Vinicius de Moraes, meu poeta maior:
“Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão”
A música era perfeita para o momento. Anna deve ter sentido meu certo desconforto e tratou de mudar de assunto. Não sei se reparou na lágrima que teimou em correr pelo meu rosto enquanto eu ouvia e mal conseguia cantarolar as estrofes do poeta. Busquei concentração e forças dentro de mim para continuar firme e aproveitar a magia do momento. Com certeza aquela noite seria lembrada por muito tempo. Quando se conversa amenidades esquecemos, quando falamos sério e sobre coisas importantes, nunca mais nos esquecemos. Dançamos mais umas duas músicas e retornamos a mesa pare encher as taças. Nesse momento, por ser mais velho e mais experiente, senti me na obrigação de dar meu depoimento verdadeiro: “ Anna, nesse assunto eu estou errado e você está certa. Nunca deixe de buscar a falta de ar, o suspiro e o chão sumir debaixo dos seus pés. A vida as vezes nos maltrata e nos escondemos para não sofres desilusões. Se esconder é não viver, viver é correr riscos. Nunca deixe de ser quem você é! Esse é o segredo! Seja autentica, transparente, verdadeira. Não há nada melhor do que a verdade sempre. Quem vive a verdade nunca se aprisiona. Apenas mais uma coisa. Uma vez perguntei a um amigo se ele estava com raiva de uma pessoa que o tinha magoado e ele respondeu que não. Depois completou com uma frase que acabei de lembrar agora. Algo assim: amigo, não guardo raiva no coração, se eu fizer isso, sobra menos espaço para o amor , para a amizade e para a paixão. Encha seu coração com coisas boas, você será o maior beneficiado!”
Anna sorriu me deu um abraço apertado e um beijo estalado no rosto, em seguida sentenciou: “Isso aí chefe, você está pegando o espírito da coisa!!!” Sorriu novamente e me levou novamente para a pista de dança. Fui e dancei a noite toda e naquele dia eu senti que tinha definitivamente superado todos os meus fantasmas e correntes. Estava livre, definitivamente eu era novamente o Herculano que eu amava ser!
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Capítulo 50 - Interagindo com a geração Y
Terceiro
dia no Plano Piloto e já acordei totalmente sufocado. Por um momento pensei que
fosse pelo papo tenso que tive com Martha e pelas suas indagações veementes me
remetendo a uma auto-análise que eu não pretendia naquele momento. Estava
precisando me concentrar em uma super missão para a empresa e Martha
praticamente me obrigou a revisitar minhas escolhas e os caminhos que estava
seguindo. Na verdade estava sufocado com o ar extremamente seco da região e
quando me dei conta agradeci a Deus pela Luz.
Cheguei
ao Café e Anna já estava lá, toda arrumada devorando o café da manhã com um
invejável apetite. Frutas, iogurte, mel, pães, ovos mexidos, queijos e tudo
mais que tinha direito. Que disposição! Se trabalhar com a vontade que come,
vai acabar presidente da república e não apenas da empresa, pensei comigo
mesmo.
“Bom
dia chefe! Acordei com muita disposição para trabalhar. Vamos resolver tudo
hoje. Será um dia muito produtivo, tenho certeza!”.
A animação e otimismo de Anna me fizeram muito bem. O Bom de estar em dupla,
tanto no trabalho quanto na vida, é isso, ter alguém para nos ajudar,
estimular, não permitir que venhamos a fraquejar. Todos nós temos momentos de
fraqueza e de dúvida. O ser humano não foi feito para viver sozinho, somos
seres sociais, aprendi isso na escola, ou com Esther? Não faz diferença, o
importante é que aprendi e que volta e meia a vida me lembrava dessa sabia
lição.
Dividi
as tarefas com Anna e fui para as repartições. Na rua meu dia passaria mais
rápido e eu não ficaria as voltas com minha lição de casa, analisar minhas
decisões. Dito e feito. O dia passou mesmo bem rápido. Eu estava impressionado
com duas coisas. Primeiro com a influência de um padrinho político. Estávamos
praticamente com a filial aberta em três dias apenas, um milagre para os
padrões brasileiros. Segundo, estava pensando na conta que Dr. Eleutério iria
cobrar e no quanto isso afetaria minha consciência. Confesso que se Lucas não
tivesse capitaneado o projeto isso nunca teria acontecido. Quando penso nos
riscos, penso que eu nunca teria entrado nessa por iniciativa própria. De
qualquer forma, eu era minoritário e não podia questionar nada àquela altura.
Talvez para os próximos, mas nesse caso “Inês era morta”. Já era, vida que
segue.
Cheguei
ao hotel no fim da tarde na mesma hora que Anna, tremenda coincidência.
Perguntei como foi o dia e ela estava vibrante. Havia resolvido tudo e ainda
tocado algumas pendências da Matriz no tempo que sobrou. A menina era mesmo um
trator trabalhando, por um momento fiquei orgulhoso de minha escolha. Anna
daria muito retorno ao investimento que a empresa estava fazendo nela. Passamos
os assuntos do dia ali mesmo no bar do hotel. Tudo resolvido! Perguntei o que
ela queria fazer para comemorarmos o dia de sucesso e combinamos de sair
para comer algo fora do hotel. Combinamos às oito horas na recepção. Subi,
troquei de roupa e desci para correr um pouco na esteira. Para minha surpresa
dei de cara com Anna fazendo a mesma coisa. Como a menina estava diferente. Sem
o terninho sisudo, de roupa de academia, dava para ver que era ainda uma
menina, com seus vinte e poucos anos, cheia de vitalidade e juventude. Essas
roupas de academia deixam realmente as meninas muito sedutoras. Peguei-me
distraído olhando minha funcionária e logo tomei juízo e me concentrei no
gráfico do treino. Faltavam ainda quase 30 minutos e não devia perder a
concentração nem o ritmo.
Corremos
e conversamos um pouco sobre amenidades. Em seguida fui dar aquele mergulho
restaurador e Anna me acompanhou. Se tem uma cena que eu não vou me esquecer
foi a que vi agora. Anna de biquíni vindo em direção a piscina. Bendita
juventude, bendita academia! Mal sabia ela que se me pedisse um aumento ou uma
promoção eu concederia imediatamente. Saí da piscina rapidamente para não ficar
com aquela imagem gravada na memória para o resto da vida e subi até o quarto
rindo dos pensamentos bobos que tive na última hora da minha vida.
Falei
com minha noiva, me arrumei e desci às 8 horas como combinado. Eu estava super
relaxado e me prometi que não mais pensaria na cena da piscina. Aquilo não
faria bem à minha mente já perturbada por Martha no dia anterior. Esperei uns
dez minutinhos, atraso básico feminino, e meu queixo quase caiu quando
Anna chegou. Eu provavelmente estaria enrolado se alguém me visse ao lado
daquela menina. Sempre achei que ela tivesse uns 28 ou 29 anos, depois da
academia fiquei na dúvida e agora, que Anna apareceu com um vestido soltinho,
de alça, pouco acima do joelho e estampado, tive certeza do erro de meu
julgamento. Como as roupas enganam!
Resolvi
que tomaria um ar professoral para não me envolver em encrencas desnecessárias.
Perguntei ao recepcionista onde tinha um bom restaurante e fui interrompido por
Anna que disse já ter as dicas boas da “night” de Brasília. Me pegou pela mão e
fomos buscar o sedan no estacionamento. Anna estava animadíssima, conversando
muito e contando mil coisas. Eu agora tinha quase certeza de que Anna não tinha
nem 25 anos.
Ela me
deu o endereço e fomos em direção ao tal point. Um restaurante bacana, bem
transado, com uma decoração moderna e um estranho espaço no meio das
mesas. Passei sem dar muita importância e nos sentamos em uma mesa no canto.
Anna tinha o mesmo gosto de Martha e de cara me perguntou se podíamos beber
champanhe. Como não estávamos trabalhando consenti e brindamos aos bons
negócios realizados no dia.
Anna
demonstrava uma empolgação ímpar nas suas palavras. Estava visivelmente
empolgada com as oportunidades que a empresa lhe concedera. Ela era mesmo
vibrante e isso a ajudava muito. Séria e compenetrada nas obrigações e vibrante
no jeito de ser. Uma boa combinação, com toda certeza. Tomamos a primeira
garrafa ligeiramente rápido, movidos pelo clima e pela conversa animada. Pedimos
a segunda e também uma tábua de queijos e frios para acompanhar. Anna
ergueu a taça, fez um brinde e perguntou: “Chefe, posso falar do meu
momento?”, Respondi que sim e me preparei para ouvir um interessante relato
daquela bela moça.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
Capítulo - 49 - Justificar Jamais
As perguntas de Martha bateram na minha cabeça como um soco de um peso pesado. Tentei absorver o golpe e não responder nada por impulso, mas confesso que não foi nada fácil. Nesse momento passou um filme na minha cabeça, estaria eu me iludindo e iludindo Lara? Será que meu encanto era superficial? Estaria eu buscando uma perigosa zona de conforto, onde poderia estacionar e seguir uma vida aparentemente sem riscos? Sem riscos significa sem amor ou sem emoção? Onde eu poderia encontrar uma resposta objetiva para dar a Martha? Esther estava a Kilômetros de distância e não poderia me socorrer de imediato. Foram tantos os questionamentos que eu tomei de um gole só todo o precioso liquido da taça e respondi com autoridade: “Martha, quer me ferrar? Me beija antes poxa!!!”. Em seguida caímos os dois na gargalhada. O objetivo dela estava alcançado. Martha queria me fazer refletir, e minha resposta pseudo engraçadinha era um "preciso pensar" disfarçado. Ela se deu por satisfeita quando sacramentou o assunto: “Voltarei a te perguntar isso dentro de algum tempo, mas sinceramente, acredito que você me procurará com uma resposta menos cara-de-pau do que essa antes que eu te procure!”
Martha não era boba e sabia que eu não tinha uma resposta de bate pronto. Se tivesse ela não acreditaria mesmo. O objetivo da socióloga era me fazer pensar, analisar e agir com sabedoria. Martha sabia o quanto seria desastroso para mim um novo relacionamento frustrado e não queria ver o amigo no buraco. Depois disso, ficamos ali ainda conversando e Martha resolveu tocar em outro assunto sensível. Perguntou da moreninha recepcionista de quem eu falei algumas vezes. Seguiu dizendo que via um brilho diferente em meu olhar quando eu falava dela, disse que era algo que ela não sabia explicar. Na visão de Martha, podia vir do mistério, do desafio ou mesmo do medo de perder o controle e me meter numa grande enrascada emocional! Minha amiga estava mesmo querendo me castigar e fazer o meu cérebro pirar.
Li uma vez um artigo que dizia que no lado direito predominam a intuição, a criatividade, a sinergia, a síntese e a visão global; no lado esquerdo, que é mais racional, predominam o senso analítico, conceitual. Os dois estavam se embaraçando com essa situação, principalmente porque ambos estavam um tanto quanto afetados pelo champanhe. Nesse momento a pianista tocava clássico de Chico Buarque, clássico e sugestivo vejam algumas estrofes:
Li uma vez um artigo que dizia que no lado direito predominam a intuição, a criatividade, a sinergia, a síntese e a visão global; no lado esquerdo, que é mais racional, predominam o senso analítico, conceitual. Os dois estavam se embaraçando com essa situação, principalmente porque ambos estavam um tanto quanto afetados pelo champanhe. Nesse momento a pianista tocava clássico de Chico Buarque, clássico e sugestivo vejam algumas estrofes:
"- Quem é você?
- Adivinha, se gosta de mim!
Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:
- Quem é você, diga logo...
- Que eu quero saber o seu jogo...
- Que eu quero morrer no seu bloco...
- Que eu quero me arder no seu fogo."
Tirei Martha para dançar. Pensei que exercitando também meu corpo, meus pensamentos ficariam mais organizados e durante a dança comecei a responder tecnicamente a pergunta de Martha, afinal ela estava querendo saber quem eu era naquele momento da vida:
“Martha querida, vou ser muito franco com você: Depois daquela malfadada experiência, passei anos difíceis e amargos. Trabalhava sem interesse pelo que fazia. Sem prazer e sem perspectivas. No lado emocional, fiquei descrente e superficial. Vivi anos sem graça na minha vida. Cheguei a pensar que a vida era um mar de tédio e mesmice, salpicada de alguns momentos interessantes de emoções passageiras ou fúteis. Passei muito tempo amargo e perdido. Confesso que o início da mudança na minha vida se deu quando conheci Lully. Ela me deu um empurrão no lado profissional, que agarrei com unhas e dentes. Ali minha vida começou a mudar. Confesso também que aquela mocinha humilde e de sorriso carismático muitas vezes me fez ter palpitações quando falava baixinho ao meu ouvido. Mas que futuro teria aquele relacionamento? Esse relacionamento daria futuro ou apenas mais uma frustração para minha coleção?”
Martha me olhava como que pedisse para eu continuar e não me fiz de rogado:
“Aí, meu melhor amigo me convida para Búzios, uma mulher linda, inteligente, bem nascida e solteira começa a se interessar por mim. Minha vida começa num grande ascendente. Tudo começa a melhorar, mil portas se abrem. Minha auto estima se oxigena, passo a ter prazer profissional, objetivos, oportunidades, desafios pela frente, expectativas, sonhos. Lara se torna minha noiva, a família dela me recebe de braços abertos, nossas famílias interagem bem, estou de casamento marcado, sócio de uma empresa de futuro, cheio de responsabilidades e resultados. Fico sócio de Lucas, padrinho de Rafa, noivo de Lara, uma das mulheres mais belas e inteligentes que conheci, e que me trata como se eu fosse o homem mais importante e querido do mundo! Vou fazer o que? Reclamar da vida? Alimentar fantasmas? Confesso que não preciso de tempo para te responder. Seria um perfeito idiota se tivesse alguma dúvida ainda do que quero para meu futuro. Lara será a mulher, amante e mãe perfeita, com quem eu sempre sonhei, e Deus colocou de presente na minha vida. Então, só posso dizer uma coisa: obrigado Senhor por todas as coisas maravilhosas com que tens me agraciado. Respondida sua pergunta?”
Martha era do tipo osso duro de roer, aparentemente não ouviu nada do que eu disse, e se ouviu, não deu a menor importância. Deu de ombros, elogiou meu desempenho na dança e teve o desplante de dizer: “Seu discurso emocionado e certinho não quer dizer nada. Continuo esperando uma resposta amadurecida. Você não precisa se justificar para mim, justifique-se para você!”
Morri de raiva da reposta de Martha, mas resolvi aliviar o clima. Não adiantaria nada alimentar aquela discussão. Mulheres são assim, determinadas. Eu conhecia Martha e nada do que eu dissesse mudaria sua opinião. Resolvi voltar para a mesa e pedir o jantar, aquele papo já tinha feito minha adrenalina subir e meu teor alcoólico baixar. Além disso eu tinha um dia inteiro pela frente, teria que dividir tarefas com Anna e monitorá-la. Lucas quis me ajudar mandando Anna, mas eu nem sei se foi uma boa ideia. Fiquei com pena da menina ter sido acordada no meio da madrugada para se despencar para Brasilia.
Pedi Lagosta ao Thermidor. Já que eu estava ali ralando e sendo pressionado pela chefe santa inquisição (Martha é claro), resolvi que ia comer bem e dormir profundamente. Pensei em provocar Martha um pouco, para que ela visse como era bom cutucar quem está tranqüilo. Podia ter cutucado sua paz, sugerindo que sua nova opção seria uma fuga das frustrações com os namorados do passado, principalmente do musico idiota. Martha tão segura e inteligente, foi se envolver com um idiota de cabeça vazia e bolso cheio de erva. Tal pensamento não vingou. Não era típico da minha personalidade cutucar e provocar apenas para me vingar. Eu era um conciliador, e não queria ver minha amiga triste. Ela estava ótima namorando Chris, que seguisse assim. Não me cabe ser sua consciência.
Jantamos e fomos dormir conversando amenidades. Cada um no seu quarto é claro, para que não pairem dúvidas.
Capítulo 48 - E agora Herculano?
Acordei cedo um pouco incomodado com o ar exageradamente seco do Plano Piloto, fui tomar café no hotel e havia uma correspondência em meu nome. Um bilhete de DR. Eleutério e um cartão dele com a anotação no verso, “Atender o Sr Herculano como se atendesse a mim”. o Bilhete dizia que eu deveria ir à todas as repartições necessárias para legalização da filial e apresentar o cartão dele. Seus assessores deixariam todos avisados, mas era bom ter o cartão, caso houvesse algum imprevisto. Tomei meu café com calma, li os jornais e atualizei emails pelo notebook, essa manhã ainda seria de trabalhos burocráticos, e eu teria que me policiar para render tudo que precisava. Lucas chegou logo depois, já com a mala pronta para ir direto para o aeroporto.
Meu amigo nem parecia ter tomado todas no dia anterior. Chegou de cara boa e quando eu pensei que ele ia tomar café, ele me surpreendeu avisando que já tinha comido e feito o check out no hotel e já chegou com novidades: “Herculano, vi hoje cedo que precisamos de documentos originais que ficaram no RJ. Já liguei para Marcia e a orientei a resolver tudo com máxima urgência. Você vai precisar de ajuda, já providenciei tudo. Seja firme e trate tudo até quinta feira. Você pode usar a sala de reuniões de ontem como posto de trabalho. Os documentos devem chegar para você até o meio dia”. Olhei no relógio para conferir se eu estava meio tonto. Não, eu não estava, eram apenas sete horas da manhã e Lucas estava naquele pique todo. “Será que esse maluco trabalhou de madrugada ainda bêbado?” pensei eu com meus botões. Lucas se despediu e eu voltei ao meu café e aos jornais. Quando estava quase saindo vi Martha e Chris chegando ao restaurante. Passei para cumprimentá-las e Martha falou comigo num tom quase inquisidor: “Jantamos juntos hoje às oito horas, ok? Chris vai a um evento e vamos aproveitar para conversar melhor. Não se atrase!”. Como eu sou bem mandado, consenti com a cabeça e segui rumo ao trabalho.
Estava na sala preparando os últimos detalhes dos documentos quando a secretária do local que nos emprestaram trouxe alguém a sala: “Sr Herculano, tem uma pessoa te procurando”, falou a moça. Fui pego de surpresa, cheguei a imaginar que fosse engano, mas como aqui nessa terra tudo é possível, respondi com naturalidade e certo desdém: “Pode mandar entrar”. Para minha surpresa Anna adentrou à sala, chiquérrima de terninho azul marinho, mala de rodinhas e notebook a tira colo, além da tradicional pastinha. Refeito do susto, perguntei o que ela estava fazendo ali, e ela com seu jeito espontâneo me respondeu com a franqueza dos inocentes: “Dona Márcia me acordou as 6 da manhã dizendo que o Sr. e Lucas precisavam de mim aqui, para trazer alguns documentos e dar apoio à abertura de uma filial em Brasilia que eu nem sabia que existiria. Tomei um banho, fiz uma mala ultra rápido e fui para o aeroporto onde havia uma passagem me esperando. Não sabia que esse meu emprego seria assim de emoções tão fortes!.”
Dei um sorriso, expliquei a ela todo o contexto, peguei os documentos e passei a ela parte das tarefas. O Primeiro dia de trabalho foi bastante produtivo e também pude conversar um pouco com minha pupila, e aprender com a convivência. Anna era esperta e determinada. Foi pega de surpresa pelo louco do Lucas, estava em Brasilia como se estivesse em Botafogo. Trabalhando com tranqüilidade e paixão. “Acho que um dia ela vai ser dona da empresa”, pensei eu em algum momento do dia.
Chegamos no hotel e Anna disse que comeria no quarto, estava morta e dormiria cedo para render bem no dia seguinte. Eu me dirigi ao meu quarto, para trocar de roupa e fazer uma sauna e dar um mergulho na piscina antes do jantar para o qual Martha me convocou, ou intimou, sei lá. Do quarto liguei para Lara, o celular deu caixa postal e deixei um recadinho fofo na secretária. Algo do tipo “estou com saudades meu amor, me ligue quando puder” e fui para minha sessão relaxamento. Amo sauna combinada com piscina. Só faltou uma dose de uísque, mas preferi dar folga ao fígado.
Voltei para o quarto para me arrumar e tinha recado de Lara. Linda demais minha noiva. Ouvi o recado no qual ela dizia me amar muito estar triste de saudades e me esperando com muitos abraços e beijos. Não resisti e liguei imediatamente para ouvir sua voz doce e carinhosa. Não deu outra, ela atendeu de primeira, perguntou do meu dia e botou uma música para eu ouvir no telefone:
“como vai você?
Eu preciso saber da sua vida,
peça a alguém para me contar sobre o seu dia,
anoiteceu e eu preciso só saber... como vai você...”
Eu preciso saber da sua vida,
peça a alguém para me contar sobre o seu dia,
anoiteceu e eu preciso só saber... como vai você...”
Lara era mesmo um amor. O que um homem poderia querer a mais de um relacionamento? Como não ser feliz com Lara, isso seria possível? Me senti meio idiota com o ciúme do contato do ex marido dela. Eu poderia ter jogado tudo fora com um ciúme sem fundamentos. Seria mesmo sem fundamentos? E se ela soubesse do meu chopp com Lully? Tambem não iria gostar. Estava eu sendo egoísta? Essa avalanche de pensamentos passou pela minha cabeça assim que desligamos o telefone, e na verdade só parou porque o telefone do quarto tocou. Era Martha avisando que estava me esperando no saguão do hotel. Desci bem rápido pois não queria levar bronca de minha querida amiga.
Lá estava ela, me deu um sorriso e um longo abraço, sentamos à mesa e meus planos de abstinência foram por água abaixo em menos de um minuto. Martha me convidou a dividir um Champanhe, e eu como bom cavalheiro, não diria não nem faria desfeita com a minha amiga. Uma garrafa de Champanhe e um couvert especial, pães frescos, pão italiano, paté de foie, queijo brie, presunto de Parma e pasta de berinjela, além dos ovos de codorna e da tradicional manteiga. Começamos a conversar ali, brindando com aquela bebida deliciosa e nos deliciando com o couvert de primeira qualidade. Uma senhora desfilava um doce repertório no piano de cauda do restaurante do hotel. My Way, London London, Yesterday, Let it Be, Somerhing, Love of my life, foram as primeiras, ou as que eu identifiquei o nome. O primeiro set foi dedicado à musica internacional e deu o tom de nossa conversa, falamos de nossas vidas, mas na parte mais superficial. Trabalho, planos, histórias vividas e etc...
Quanto mais a garrafa esvaziava, melhor ficava o papo e mais profundos os assuntos. Na metade da segunda garrafa a pergunta que Martha estava guardando e criando coragem para fazer, pelo jeito há algum tempo: “Meu querido amigo Herculano,você está certo da sua decisão quanto ao casamento? Você ama mesmo a loirinha a ponto de casar e viver uma vida com ela? Já perguntou ao seu coração se você realmente ama a mulher que ela é , ou se está encantado com o que ela pode representar na sua vida? Já se perguntou isso?"
Lá estava ela, me deu um sorriso e um longo abraço, sentamos à mesa e meus planos de abstinência foram por água abaixo em menos de um minuto. Martha me convidou a dividir um Champanhe, e eu como bom cavalheiro, não diria não nem faria desfeita com a minha amiga. Uma garrafa de Champanhe e um couvert especial, pães frescos, pão italiano, paté de foie, queijo brie, presunto de Parma e pasta de berinjela, além dos ovos de codorna e da tradicional manteiga. Começamos a conversar ali, brindando com aquela bebida deliciosa e nos deliciando com o couvert de primeira qualidade. Uma senhora desfilava um doce repertório no piano de cauda do restaurante do hotel. My Way, London London, Yesterday, Let it Be, Somerhing, Love of my life, foram as primeiras, ou as que eu identifiquei o nome. O primeiro set foi dedicado à musica internacional e deu o tom de nossa conversa, falamos de nossas vidas, mas na parte mais superficial. Trabalho, planos, histórias vividas e etc...
Quanto mais a garrafa esvaziava, melhor ficava o papo e mais profundos os assuntos. Na metade da segunda garrafa a pergunta que Martha estava guardando e criando coragem para fazer, pelo jeito há algum tempo: “Meu querido amigo Herculano,você está certo da sua decisão quanto ao casamento? Você ama mesmo a loirinha a ponto de casar e viver uma vida com ela? Já perguntou ao seu coração se você realmente ama a mulher que ela é , ou se está encantado com o que ela pode representar na sua vida? Já se perguntou isso?"
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Capitulo 47 - No centro de um planalto...
Qual não foi minha surpresa ao olhar para trás e dar de cara com Martha e Chris vindo sorridentes em nossa direção. As duas estavam hospedadas no nosso hotel. Após minha expressão de surpresa, Martha explicou que estavam ali para um congresso na UNB. Martha havia sido convidada para ser uma das palestrantes e ficariam em Brasília até quinta feira. Fiz as devidas apresentações e as duas se juntaram a nós no balcão do bar do hotel. Lucas logo começou um animado papo com Chris, enquanto eu e Martha nos envolvemos num gostoso papo de amigos que sentem saudades e aquela felicidade boa em encontrar assim, por acaso, de surpresa e tão distante de nossas casas.
Martha compartilhava comigo do amor ao Rio de Janeiro. Ambos ficávamos maravilhados com as belezas naturais da cidade maravilhosa, e várias vezes passamos horas juntos conversando na mureta da Urca, no Arpoador, na Prainha e no Grumari. Contemplar a natureza, acompanhados de uma latinha de cerveja ou de um chopp super gelado eram nossos programas preferidos. Nada como um belo dia de sol no Rio de Janeiro. Dividíamos a mesma opinião: dias nublados deixam os cariocas macambúzios, a cidade fica triste!. O Rio de Janeiro nasceu para viver ao sol, quando chove é um desperdício! Martha estava feliz, com um olhar leve, tranqüilo. O relacionamento com Chris devia mesmo estar lhe fazendo muito bem.
Reparei que Lucas conversava com Chris bastante empolgado e fiquei ali com um pensamento que me fez dar uma risada. Lucas raramente saia sem Júlia, e era marido bem fiel, poucas vezes presenciei meu amigo em atitude suspeita. Se bem me lembro, uma vez, há uns cinco anos, ele deu uma escorregada muito discreta em uma festa só dos meninos. Hoje ele estava ali admirando a bela Chris, com seu charme peculiar. “Será que ele esta se engraçando?”, pensei eu comigo mesmo. “Vai ter uma decepção daquelas e eu vou rir e sacanear meu amigo para o resto da vida quando estivermos em locais seguros”. Pensei eu já meio que movido pelo efeito do Jhonnie Walker.
A convite das meninas, nos dirigimos a boate do hotel, que funcionava todos os dias e para minha surpresa estava até movimentada para uma segunda feira. Conversamos e dançamos um pouco, os quatro, até que as meninas se retiraram para ir ao banheiro. Nesse momento Lucas chegou perto e soltou a celebre frase: “Bacana essa amiga da Martha! Sabe se ela tem namorado? Uma aventura fugas aqui no plano piloto não me tornará um criminoso não é amigo?” Sóbrio eu provavelmente daria outra resposta, mas como estava já bem longe do nível de consciência 100%, dei uma risada e respondi sarcasticamente: “Se você se tornará um criminoso ou não eu não sei, mas com certeza o crime não será cometido com Chris, ela namora sim e me parece que você não é o tipo dela, mas tenta a sorte, quem sabe não é o seu dia?”. Cheguei a ficar com um peso na consciência, vendo aquele diabinho de desenho animado falando no meu ouvido, por brincar assim com meu amigo.
Quase não deu tempo de amadurecer a ideia, logo as duas voltaram do banheiro e voltamos para a pista. Fui dançar com Martha e deixei Lucas cair na própria armadilha. Seria bom para ele aprender a não pensar besteira com a mulher grávida em casa! Dancei uma música com Martha e fomos para o bar. Encostamos e eu contei para Martha sobre a pilha de Lucas. Ficamos ali, os dois olhando e esperando o desfecho da brincadeira, Martha já estava rindo da decepção que meu amigo teria, quando após mais umas duas músicas Lucas veio em minha direção com olhar fuzilante e disparou: “Herculano, você é um amigo muito fdp! como me deixou pagar esse mico?” “É para você criar juízo e lembrar que Julia está em casa com Rafaella te esperando Seu prego!” Respondi entre gargalhadas minhas e de Martha. Chris se aproximou também sorrindo da situação e comentou: “Acontece mais vezes do que vocês pensam, somos femininas, nos vestimos assim e fugimos do estereótipo. Levamos sempre com bom humor”. Lucas se desculpou e assumiu: “O álcool me tira um pouco o juízo!”
Quase não deu tempo de amadurecer a ideia, logo as duas voltaram do banheiro e voltamos para a pista. Fui dançar com Martha e deixei Lucas cair na própria armadilha. Seria bom para ele aprender a não pensar besteira com a mulher grávida em casa! Dancei uma música com Martha e fomos para o bar. Encostamos e eu contei para Martha sobre a pilha de Lucas. Ficamos ali, os dois olhando e esperando o desfecho da brincadeira, Martha já estava rindo da decepção que meu amigo teria, quando após mais umas duas músicas Lucas veio em minha direção com olhar fuzilante e disparou: “Herculano, você é um amigo muito fdp! como me deixou pagar esse mico?” “É para você criar juízo e lembrar que Julia está em casa com Rafaella te esperando Seu prego!” Respondi entre gargalhadas minhas e de Martha. Chris se aproximou também sorrindo da situação e comentou: “Acontece mais vezes do que vocês pensam, somos femininas, nos vestimos assim e fugimos do estereótipo. Levamos sempre com bom humor”. Lucas se desculpou e assumiu: “O álcool me tira um pouco o juízo!”
Eu não era a pessoa mais comportada do mundo como vocês já leram aqui em capítulos anteriores, porém, quando aprontava minhas confusões e aventuras, estava sempre sozinho, sem compromisso assumido com ninguém. Para ser sincero, acho que não me casei até hoje e evitei tantas vezes assumir compromisso, por acreditar que quando estamos com alguém que amamos de verdade, devemos resistir às tentações que a vida nos coloca. Sei que não é fácil e que somos humanos sujeitos à falhas, mas se puder evitar melhor. Hoje Lucas foi salvo pela orientação sexual de Chris, ou será que foi salvo por que Martha estava presente? Esse pensamento viajante me deixou meio confuso. Chris se deixaria levar por uma aventura de uma noite e ainda por cima com um homem? Esse pensamento me fez achar que eu também já havia bebido demais. Muita viagem da minha cabeça ou uma situação completamente possível de acontecer? Pensei em dividir meu pensamento com Martha, mas logo isso saiu da minha cabeça. Não me pareceu uma boa ideia. Conversamos mais alguns minutos ali no bar, pagamos a conta e levei meu amigo aos seus aposentos para que voltasse para o RJ recuperado no dia seguinte.
Como estava sem sono, ainda fiquei com Martha na varanda do quarto apreciando o Plano Piloto. O hotel era em frente ao Lago Paranoá e a noite limpa, de lua cheia e céu estrelado, nos brindava com um belo reflexo no espelho d’água. Martha aproveitou para me perguntar sobre o casamento, se eu estava mesmo decidido, firme e acima de tudo se eu estava feliz com a decisão. Conversei com ela sobre os últimos acontecimentos e sobre algumas inseguranças que até então não havia assumido para ninguém. Martha me acariciou a cabeça daquele jeito que ela fazia, carinhosa como uma irmã mais velha ou como alguém que te ama sem esperar nada em troca e sentenciou: “Amigo, encontre as respostas no seu coração, sem máscaras e sem subterfúgios. Nunca minta para si mesmo, esse é o maior erro que podemos cometer. Seja sincero com o mundo, mas acima de tudo com você mesmo.” Martha me deu um longo e demorado abraço, beijou-me a testa e se despediu, prometendo um jantar para o dia seguinte, se os horários combinassem.
Deitei para dormir e uma imagem passou rapidamente pela minha cabeça: Martha e Chris indo dormir juntas. Achei melhor pensar nos compromissos do dia seguinte, fechei os olhos e cantei em pensamento as estrofes do menestrel:
"No centro de um planalto vazio
Como se fosse em qualquer lugar
Como se a vida fosse um perigo
Como se houvesse faca no ar
Como se fosse urgente e preciso
Como é preciso desabafar
Qualquer maneira de amar varia
E Léo e Bia souberam amar
Como se não fosse tão longe
Brasília de Belém do Pará
Como castelos nascem dos sonhos
Pra no real, achar seu lugar
Como se faz com todo cuidado
A pipa que precisa voar
Cuidar de amor exige mestria
E Léo e Bia souberam amar..."
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Capítulo 46 – O piloto sumiu!
Controlei o suor das mãos e quando chegamos á Reunião eu já aparentava a tranqüilidade de um monge. Lucas me apresentou como seu sócio e amigo e pessoa de sua total confiança, comentário normalmente dispensável em reuniões, mas entendi que ele queria deixar todos tranqüilos com a presença daquele estranho, no caso eu, numa reunião tão importante. Todos os presentes colocaram seus celulares na mesa e os desligaram, era uma medida de educação ou de segurança? Guardei a pergunta para mim, faria o comentário com Lucas depois.
Um breve blá blá blá institucional e Lucas foi ao ponto, passou com maestria a apresentação feita por dona Márcia. Para mim era mais um aprendizado. Firmeza, objetividade e tranqüilidade sem deixar de ser empolgante. Lucas apresentava algo em que ele acreditava e muito. Essa sensação estava nos gestos, na voz, no brilho do olhar e principalmente na intimidade que Lucas demonstrava ter com o projeto. Era visível a empolgação dos presentes, todos debruçados sobre a mesa, curvados em direção à Lucas e ao telão onde ele passava os slides. Meu amigo era mesmo um cara merecedor do sucesso alcançado. Naquele momento, eu imaginei que eu estava fazendo tempestade no copo dágua. O projeto seria aceito sem maiores entraves, estavam todos maravilhados e convencidos de que seria um sucesso do ponto de vista comercial, técnico e também de popularidade. Lucas havia desenhado um empreendimento funcional, de qualidade e de custo razoável. Nós entraríamos com a construção e o governo com o terreno e o financiamento. Um casamento perfeito! Lucas elaborou tudo contando que o Governo poderia usar verba do FGTS, que é mesmo destinada a financiamento habitacional. No papel estava tudo simples e fácil.
Todos concordaram que o projeto era muito bom e que seria um sucesso. Nessa hora que Dr Eleutério pegou a palavra e eu comecei a entender como as coisas funcionavam naquele meio. Com a calma e segurança de quem tem certeza de estar acima ou imune a Lei, a velha raposa começou seu discurso. “Pois é Lucas, muito bom mesmo, mas você conhece como são as coisas no nosso país. Para um projeto bom emplacar, não basta ele ser o melhor, é preciso vontade política, liberações de verbas, desapropriações, pareceres favoráveis, votação de emendas e etc, essas coisas que você está cansado de conhecer,você e todos os presentes! Estamos em ano de eleições, as bases precisam se fortalecer, os partidos querem espaço e sem o consentimento de alguns caciques, seu projeto nunca sairá do papel, você sabe! Pelo valor apresentado, você não separou a verba de esforço político certo?” Lucas concordou com a cabeça e meu espanto maior foi com os percentuais. “Então aumente em 150% essa estimativa de custo! Ano de eleição o mercado fica inflacionado, e não se preocupe com esse ponto. Faça sua parte direitinho. Constitua uma filial em Brasília prepare a papelada toda e deixe o resto comigo. Agora vamos almoçar que essa conversa toda me abriu o apetite!”
Deu uma risada meio mafiosa e saiu para o almoço como se aquela conversa que acabava de terminar fosse algo comum e inocente. Eu sempre ouvia que nesse meio é tudo uma sujeira só, mas não achei que era assim tão às claras. Quando entramos no carro Lucas riu de mim e comentou: “Relaxa amigo, é seu batismo, negócio com governo é assim mesmo. Fazemos a nossa parte, apresentamos um projeto correto e enxuto, o resto é com eles, não é culpa nossa e não há como ser diferente. Caso contrário, ficamos de fora das grande obras. Te trouxe para você ver com seus próprios olhos e ir se adaptando! Agora no almoço vamos falar amenidades, a tarde vamos refazer os cálculos, redistribuir os valores e deixar tudo com eles para aprovação. Nos outros dias, você trata de tudo, dos contratos, da parte legal, dos registros. Assim no fim da semana a documentação da filial estará toda encaminhada!”
Eu inocentemente contra argumentei com Lucas, dizendo que seria impossível deixar tudo encaminhado, considerando os prazos das repartições públicas e desfilei minha ingenuidade: “Lucas, precisamos de consulta na prefeitura, registro na junta, Fazenda estadual, federal, CREA e etc! Como vou conseguir tudo em uma semana? Impossível meu amigo, cada órgão desses pede no mínimo uma semana!” Lucas riu de mim pela segunda vez e explicou paternalmente: “Calma meu amigo, vá por mim, você será atendido como rei em todos esses lugares. Com um telefonema o Dr Eleutério fará de você um cidadão Vip, cuidado para não ficar mal acostumado!”
Agora foi minha vez de rir. Se Dr Luiz lá na repartição podia me ajudar, mesmo sendo quase um Zé ninguém, imagine um político que pode liberar orçamentos federais? Eu era mesmo bastante ingênuo para essas coisas, Lucas estava certo, se eu viesse sozinho talvez estragasse tudo. Aproveitei o almoço para interagir com Dr. Eleutério e os demais, pois provavelmente lidaria com eles várias vezes esses dias, principalmente depois da partida de Lucas. Todos me trataram muito bem, conversavam animadamente e comiam com muito prazer. Bebiam vinho bacana que só a garrafa custava mais de mil reais. Sem problemas, os operários da nação estavam mesmo pagando tudo aquilo com o seu suor de cada dia pensei eu, morrendo de medo de que ali alguém monitorasse meus pensamentos. Resolvi provar o vinho para ver se valia o preço. Era delicioso, macio, saboroso, perfumado, uma delicia! Será que eu estava sendo fisgado pelo doce veneno do poder? Por via das dúvidas bebi apenas uma taça e parti para a água mineral, uma tal de Perrier que depois descobri que custava uns vinte reais a garrafa!
Voltamos do almoço para a sala de reuniões e lá permanecemos trabalhando quase sem conversar a tarde toda. Precisávamos deixar tudo pronto, com cálculos refeitos e Lucas precisava assinar a constituição da filial junto comigo. Lá pelas 17 horas estava tudo pronto. Eu e Lucas, os sócios da empresa, passamos a tarde trabalhando como antigamente. Trabalho braçal, que quase não fazíamos mais, deu até aquela nostalgia e fez bem para desenferrujar também. Me senti mais jóvem e tudo, eu era mesmo um romântico, disse Lucas quando comentei meus pensamentos com ele.
Projeto entregue, partimos para o hotel, Lucas voltaria na terça pela manhã, deixava sempre uma margem de segurança para qualquer problema ou imprevisto. Fomos fazer uma caminhada na esteira da academia do hotel, depois uma sauna e um mergulho na piscina indoor. Resolvemos não sair do hotel para comer. Sentamos no bar para um uisque , uns beliscos e colocar o papo em dia. eu pensei em comentar com Lucas sobre meu problema com Lara, mas resolvi não encher a cabeça dele com aquilo. Na verdade, a viagem, a reunião, as surpresas do dia, fizeram com que eu mudasse um pouco minha visão. Para mim, agora aquilo já era um problema menor, algo que eu estava criando e dando mais proporção do que devia. Lara e eu estávamos apaixonados felizes e com certeza minha amada Lara apenas quis me poupar de aborrecimentos. Só isso. Melhor eu ver aquilo como um ato de amor do que como algo ruim. Para viver bem é preciso querer, eu já tinha muitos aborrecimentos e preocupações reais para ficar arrumando outros duvidosos. Encerrei meu pensamento junto com a primeira dose de Blac Label e pensei até em relatar isso para Esther. Na minha cabeça ela ficaria orgulhosa de mim. Ao invés de ligar para Esther, liguei para Lara e minha amada me atendeu daquele jeito: “Boa noite meu querido, tudo bem? Já estou com saudades de você.”
Se eu já estava baixando a guarda, acabei de baixar, falei superficialmente sobre o trabalho e mandei beijos ao me despedir, só não saiu naturalmente ainda o tradicional eu te amo. Lucas também ligou para Júlia. Estava tudo bem com ela e Rafa. Bebemos mais umas duas doses e eu acabei comentando com Lucas o quanto me espantou a posição do Dr Eleutério. No fundo no fundo eu não sabia se conseguiria digerir aquela canalhice toda, mas como estava no meio de uma missão, iria até o fim, conversaria melhor com Lucas depois. Aquilo mexeu comigo, mas deixei adormecido.
Lucas conversava comigo, ambos ja na quinta ou sexta dose, quando seu olhar se fixou sobre os meus ombros, em um determinado momento Lucas parou de falar, bebeu mais um gole e comentou: "acho que as moças vêm falar conosco, você as conhece?"
Assinar:
Postagens (Atom)