sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Capítulo 45 – Aventuras no Plano Piloto

A primeira tarefa do dia foi me refazer do efeito que a letra melancólica da dupla Roberto e Erasmo causou em minha mente no despertar, vi que o tempo continuava fechado, chuva fina no maior estilo de São Paulo, ou Londres para os mais viajados e requintados. Minha fonte  extra de energia estava de folga e eu teria que contar apenas com minha própria força interna. Banho rápido, barba feita, uma banana e um copo de iogurte e eu estava no taxi a caminho do Aeroporto. Santos Dumont em dia de chuva é sempre uma fonte de fortes emoções com aquela pista curta e humilde. Para piorar, o taxista ouvia uma irritante rádio brega, dessas que tocam o pior lixo musical do momento. Parece que eles escolhem a dedo o que tem de mais meloso. Uma voz esganiçada gemia algo do tipo: “Eu te amo e você me trocou pelo vizinho rico de carro conversível e eu agora sou um resto humano a chorar pelo resto da vida me afogando em cerveja Belco e cachaça Praianinha...”, Era isso ou algo um pouco pior. Me concentrei no jornal e pedi a Deus que me abençoasse com uma surdez momentânea, sem sucesso.

Ao chegar ao Aeroporto de logo encontrei Lucas, bem vestido, sorridente, de cabelo cortado e tão engomadinho que parecia que ele tinha sido retocado com Photoshop. Esse era o segredo de Lucas. Não tinha momentos de grande euforia e nem de grandes tristezas, Lucas era assim,  equilibrado, ou contido, (vou perguntar a Esther sobre isso também) dizem que pessoas intensas também são instáveis. Amam muito e sofrem muito, ficam muito felizes e intensamente tristes. Será que o equilíbrio é mesmo assim tão difícil de alcançar? Será que Lucas é mesmo tão feliz com a vida que leva?

Pensei em conversar com Lucas sobre essas questões existenciais e também sobre meus fantasmas, mas seu sorriso de bom dia veio seguido da seguinte frase: “Tenho muitas coisas para te explicar antes de nossa primeira reunião em Brasília!”. Estava dado o tom da manhã, trataríamos de negócios, meu sócio-chefe tinha que me atualizar e logo percebi que não seria apenas um vestibular para Anna, mas principalmente para mim.

Para nossa sorte, os vôos estavam no horário e decolamos pontualmente às 07:01. Lucas tinha tudo organizado. Relatórios impecáveis, apresentações prontas, cheias de efeitos especiais, com certeza feitos por dona Márcia pois Lucas não era muito da tecnologia, e principalmente com a idéia na cabeça. Lucas era assim, tinha a idéia sempre na cabeça, mas era extremamente organizado e anotava religiosamente todos os dados e compromissos importantes. Em  20 anos de amizade, nunca vi Lucas esquecer um compromisso.

Depois de duas horas intensas de trabalho, um minuto de pausa para assuntos pessoais. Lucas interrompeu o discurso para um gole na água mineral e foi minha vez de perguntar: “Como estão Julia e minha afilhada Rafaella?” Lucas sorriu diferente nessa hora e respondeu com olhar distante como se estivesse vendo sua mulher nesse momento: “Estão muito bem meu amigo, ótimas!” parou por um segundo mexendo na pasta, retirou um diskman igual ao meu e falou: “Escute essa musica meu amigo. Ouvi outro dia e ela retrata exatamente como me sinto todos os dias ao sair para trabalhar”. Coloquei os fones e ouvi a canção:

O sol ainda não chegou
E o relógio há pouco despertou
Da porta do quarto ainda na penumbra
Eu olho outra vez
Seu corpo adormecido e mal coberto
Quase não me deixa ir
Fecho os olhos, viro as costas
Num esforço eu tenho que sair
A mesma condução, a mesma hora
Os mesmos pensamentos chegam
Meu corpo está comigo mas meu pensamento
Ainda está com ela
Agora eu imagino suas mãos
Buscando em vão minha presença
Em nossa cama
Eu gostaria de saber o que ela pensa
Estou chegando para mais um dia
De trabalho que começa
Enquanto lá em casa ela desperta
Pra rotina do seu dia
Eu quase posso ver a água morna
A deslizar no corpo dela
Em gotas coloridas pela luz
Que vem do vidro da janela
Um jeito nos cabelos
Colocando seu perfume preferido
Diante do espelho aquilo tudo
Ela esconde num vestido
Depois de um café, o olhar distante
Ela se perde pensativa
Acende um cigarro
E olhando a fumaça pára e pensa em mim
O dia vai passando, a tarde vem
E pela noite eu espero
Vou contando as horas que me separam
De tudo aquilo que mais quero
Meu rosto se ilumina num sorriso
No momento de ir embora
Não posso controlar minha vontade
De sair correndo agora
O trânsito me faz perder a calma
E o pensamento continua
Pensando em minha volta muitas vezes
Ela vem olhar a rua
A porta se abre e de repente eu
Me envolvo inteiro nos seus braços
E o nosso amor começa
E só termina quando nasce mais um dia
Um dia de rotina

Confesso que Lucas é o amigo que mais admiro e em quem procuro me espelhar, as vezes me pego pensando que queria ser como ele. Lucas era assim, capaz de ficar duas horas ininterruptas tratando assuntos de trabalho, e em um minuto me surpreender com uma enorme sensibilidade e demonstração de amor por Júlia. Juntos há mais de dez anos e meu amigo era ainda apaixonado por ela. Acho que não é paixão não, isso é mesmo amor, daqueles de pessoas que nasceram um para o outro. Tive que me concentrar muito nesse momento, se eu deixasse meus pensamentos se desviarem para meu delicado momento sentimental eu poderia perder a estabilidade emocional e isso prejudicaria meu desempenho. O desafio era pesado e eu precisava estar focado. Respondi a Lucas com um econômico “Sensacional meu amigo” e enterrei os riscos: "Vamos falar sobre isso à noite, depois das reuniões de hoje!”

Lucas entendeu o recado e voltamos à velha vaca fria empresarial. Toda a parte técnica e financeira estava alinhada,  e eu inocentemente, imaginei que seria simples a negociação. Tínhamos um projeto bem desenhado, moderno e com viabilidade econômica financeira comprovada, eu não entendia  muito bem o motivo de Lucas demonstrar  certa tensão no semblante. Achei um pouco estranho o fato de Lucas alugar um carro no aeroporto, na minha cabeça seria melhor e mais pratico andarmos de Taxi, quando entramos no veículo, um sedã médio e confortável e com aquele cheirinho bom de carro novo,  entendi os motivos de Lucas. Assim que saímos pelo Distrito Federal Lucas  começou: “Agora que estamos só nós dois num lugar seguro para conversar, vou te passar os detalhes que não podemos conversar em público. Esses detalhes são mais importantes do que tudo que já conversamos sobre o projeto até agora. Esse loteamento tem incentivo federal por ser um projeto de casas populares. Isso implica numa série de medidas por parte dos órgão públicos para ser aprovada, portanto, serão feitas algumas exigências e acordos não tão convencionais. O Dr Benevides é o pai do projeto, portanto é a pessoa que agenciará todos os favores necessários. Não se assuste com alguns termos e condições impostos por ele. É um cara poderoso e vaidoso, temos que ter muito tato nessa conversa, por isso fiz questão de vir. Se fosse apenas apresentar o de praxe, deixaria por sua conta, como você é calouro nesse tipo de negociação, fique atento e deixe que hoje eu fico a frente. Vai ser um grande aprendizado para você. Não se assuste com nada e se mantenha calmo agindo como se tudo fosse muito natural e comum. Ok?

A interrogação de Lucas se deu exatamente em frente ao prédio da reunião,. Eu mal havia digerido as informações e minha cabeça estava um tanto quanto confusa. Eu não sabia se terminaria a semana com um contrato nas mãos ou com algemas. Que bom que eu ainda me lembrava como redigir um habeas corpus, dos tempos da faculdade. Entrei no prédio e pensei comigo mesmo: “No que eu estou me metendo meu Deus?!”

4 comentários:

Cláudia Otoni disse...

Será que Lucas não é assim, tudo isso que você pensa Herculano? rsrsr

Fiquei curiosa, Sr autor, pra ver o que você vai aprontar com Lucas.

Lerei de lá e pode ficar tranquilo que a minha viagem não vai atrapalhar o nosso trabalho.

Se cuide!
Beijo

Angélica disse...

Quero mais...cadê?

Lennon Pereira disse...

Oi claudia, lucas vai ter lá suas histórinhas... aguarde. Beijo e obrigado

Lennon Pereira disse...

Pronto Angélica, está lá! ja estamos no 47!beijo