terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Cidadão de Bem

Chego cedo a um órgão publico para providenciar um documento necessário a qualquer cidadão comum. Como homem prevenido, faço um agendamento e preparo uma mala com a pequena lista de 172 documentos originais acompanhados de suas cópias autenticadas e registradas. Além disso, preencho também o simples formulário de 784 campos de informações pessoais de fundamental importância. Coisas do tipo: Qual o nome do seu melhor amigo quando completou oito anos de idade. Via crucis inicial cumprida, estou eu diante do Sr. Servidor Público. Na primeira triagem, uma gentil senhora com cara de preguiça olha meus documentos, confere meu agendamento e me dá uma senha. Olho para o salão e me espanto com a quantidade de pessoas que já esperam sentadas, e olha que estamos por volta das 8:00 a.m. Faço então a pergunta fatal: “Sra., qual é o prazo estimado de espera?”. Fecho os olhos com medo da resposta que me abate como um soco na boca do estômago! “- entre duas e quatro horas”, me responde a moça! Perplexo e acometido de um pré ataque de síndrome do pânico, penso em perguntar novamente para confirmar, mas me deu um medo tão grande da resposta mudar para algo tipo: sente e espere sem reclamar Sr.! Resolvi resignar-me e caminhar até a combalida cadeira que me esperava no canto do salão.
 
 No caminho para a cadeira, sou abordado por um gentil Sr., que muito comovido com minha perplexidade, se aproxima solidário, comentando o quanto é absurdo o tempo de espera, o tamanho da fila e etc.. O rapaz muito solícito me convida para um café, sob a alegação de que tenho mesmo que fazer algo para matar o tempo. Aceitei o convite e nos encaminhamos a um engordurado balcão de cantina de escola de 1960.

Depois de dez minutos conversando amenidades, o rapaz revela o real motivo de sua abordagem. Olha o pequeno papel em minha mão, com a senha No. 158 e revela seu maquiavélico plano.

“Sr. essa sua senha vai demorar né”? Estão chamando o numero 13 ainda! Aceno com a cabeça, resignado, dou um suspiro de conformismo e ele aproveita para seguir com seu discurso: Eu tenho aqui  no meu bolso a senha nº. QUARENTA, mas posso trocar pela sua. Vai custar apenas R$ 50,00! E O Sr. pode ficar tranquilo que trabalho aqui com isso há mais de dez anos. Todos me conhecem. Pode ir que é quente!!!

Achei aquilo o cumulo do absurdo! Como poderia aquilo estar acontecendo? Imagina se algum cidadão de bem, honesto e honrado aceitaria participar de um esquema desses?

Desrespeitar quem chegou primeiro e furar a fila pagando uma propina de R$ 50,00!!??? Revoltante!!!

Peguei minha cadeira no fundo da sala, abri o notebook e comecei a narrar essa história. De tão indignado que fiquei, resolvi desabafar e avaliar o comportamento social costumeiro no Brasil.

Nosso povo é assim mesmo. Parece que não se enquadra na sociedade. É comum ver um cidadão indignado frente a uma noticia do JN, onde são apreendidos objetos contrabandeados do Paraguai, da China, entrando no país ilegalmente sem recolher impostos. É um absurdo!!

Esse mesmo cidadão, porém, acha correto ir a Miami e voltar com a mala cheia de equipamentos, relógios remédios, eletrônicos, celulares e etc., e passar pela alfândega sem os declarar.

Comum também é acharmos um escárnio quando no mesmo noticiário, ouvimos que são desviados materiais de hospitais públicos, de escolas. Queremos a forca para os envolvidos. Prisão perpétua!!!

O mesmo indignado do parágrafo anterior, acha normal levar para casa uma caneta do trabalho, uma agenda, assim como também acha normal usar o telefone da empresa para ligações particulares.

Indignamo-nos todos quando vemos que estelionatários falsificam documentos, criam empresas fantasmas para praticar golpes e outros delitos. Esses então são marginais! Ladrões safados! Cadeia neles.

O Cidadão fica revoltado ao ver que ruas e casas são inundadas por causa do lixo que entope bueiros e galerias. Depois do almoço ele compra um picolé Chicabom e joga o papel no chão da calçada, dizendo que é para garantir o emprego do gari!

E esse cidadão indignado, assim que acaba de ler a notícia, sai todo perfumado e bem vestido, com sua namorada malhada e vai ao cinema, pagar meia entrada com uma carteirinha falsa da UNE. Ele só tem 40 anos e está cursando o segundo período de filosofia. É profundo conhecedor de Sócrates, aquele camisa oito do Corinthians e da Seleção de 82.

O cidadão se revolta ao saber que na construção dos estádios da copa as obras são superfaturadas. Diz que todos deveriam ir para a cadeira elétrica.

No dia seguinte, pede ao fornecedor de sua empresa privada para dar 10% por fora, se ele fechar a contratação da proposta em questão.

Assim é o brasileiro em sua grande maioria. Acha um absurdo quando vê na TV ou nos jornais casos de corrupção, estelionato, desvio de verba e impunidade. Mas é incapaz de mudar sua própria atitude. É Incapaz de enxergar que cada cidadão é agente da mudança, começando a mudar por si mesmo. Só há solução se cada um de nós mudarmos nossa essência.

Estou indignado, revoltado. Sentado na minha cadeira, esperando minha vez e desabafando aqui nessa crônica revoltosa.

Graças a Deus não sou como esses hipócritas. Não jogo lixo no chão e nem tenho carteira de estudante. Nunca aceitei presentes de fornecedores!! Nunca furei uma fila! Temos que liderar um movimento contra a hipocrisia! Dignidade já!!

Preciso encerrar a crônica e desligar o notebook, acabei de ouvir alguém chamar o número QUARENTA! Minha vez. Como é bom ser um cidadão digno e honesto!


Até breve

 

4 comentários:

Anônimo disse...

É isso aí, Lennon! Infelizmente é a realidade de cada dia.

Unknown disse...

Genial, Lennon!

Anônimo disse...

Oi Lennon, voltei a acessar seu blog. Gostei muito , principalmente o desfecho.Surpreendentemente brasileiro.Vou continuar acompanhando agora.
Ju

Luiz C. Vasco disse...

Honestidade é igual matemática: uma ciência pura. Ou você é 100% honesto, ou será desonesto em menor ou maior grau.