Há 365 dias, eu comprava pela ultima vez sua flor preferida. Orquídeas roseadas, embrulhadas para presente,
foram a minha escolha para 07 de abril de 2013. Não era original, era até
repetitivo, mas era tiro certo. Pelos vinte e poucos anos que tive recursos próprios
para escolher como presenteá-la nesse dia, oscilei entre Joias, Nhá Bentas e as
Orquídeas. Era sucesso garantido. Qualquer uma das três, lhes traziam ao rosto
um belo sorriso, um esfuziante “Obrigaaaado meu filho!!!”, seguido de um forte
e apertado abraço e um longo e estalado beijo nas bochechas. Em seguida vinham
as fotos, as quais ela usualmente pedia para tirar os óculos, que
carinhosamente chamava pela alcunha de “ajudantes”.
Assim é a vida. A cada dia perdemos um pouco daquilo que amamos. Perdemos
nossa inocência, juventude, saúde, entes queridos, amigos e um pouco do brilho
no olhar.
Viver é acumular perdas. Sobreviver é aprender a conviver com elas.
Não há como mudar isso.
Ainda bem que temos a memória, para lá guardarmos tudo de bom que
recebemos da vida. Só assim é possível seguir em frente.
Parabéns e até sempre.
Estávamos sempre lado a lado nas fotos, sempre abraçados, sempre
sorrindo. Dizia costumeira e orgulhosamente que éramos muito parecidos. Tínhamos
em comum o habito de dizer o que vinha a cabeça, destilar um humor ácido,
exigir sempre o melhor. Defender a família e os amigos com unhas e dentes. Eu brincava
com ela dizendo que amigo dela não tinha defeito e inimigo ela logo arrumava
uma lista. Ríamos de tais frases.
Muitas vezes eu levei broncas homéricas, minutos depois eu chegava
perto, dava-lhe um abraço e um beijo. Ela sorria e se entregava. Não tinha como
ficarmos de mal.
De minha mãe recebi os maiores e mais frequentes puxões de orelha,
mas ouvi infinitas palavras de estimulo. Orgulhava-se de dizer que como ela eu
era bom em matemática, dizia que eu era inteligente como ela. Elogiava meus verdes
olhos, “herança de minha mãe” dizia ela com orgulho, mesmo tendo convivido com
ela apenas até aos oito anos de idade. Ficou órfã cedo, não se intimidou e
cuidou da casa, dos quatro irmãos e do pai até o dia de sua morte.
Dedicou a vida ao marido e aos filhos. Abriu mão de trabalhar. Ensinou
o certo e errado, fez deveres da escola. Preparou-nos para a vida.
Minha mãe era uma visionária. Eu era pequeno e ela já me ensinava
a me cuidar sozinho. Ensinou-me a cuidar da minha roupa, lavar e passar.
Ensinou a arte culinária, a qual ela dominava com louvor.
Graças a ela aprendi a ser um homem independente, a não passar
aperto, ser
independente.
O tempo passou. Há vinte e poucos anos, num grave acidente, tive a
oportunidade de cuidar dela. Visitar diariamente no hospital e a ser o primeiro
a vê-la quando acordou do coma.
Nossa guerreira venceu aquela batalha, quando os médicos davam
apenas vinte por cento de chances de recuperação.
Deus nos deu mais vinte e dois anos de convivência.
Tive o prazer de dividir com ela quase todos os grandes momentos.
Jamais perdoarei o médico que a impediu de ir ao lançamento do meu
livro. Infelizmente não a tive nesse tão especial momento. Sei que ela muito se
orgulharia. Não perdoo, mas não me preocupo com isso. A vida e o destino se
encarregam de colocar os pingos nos “is”. Não é tarefa minha, não me cabe. Eu vi
em seus olhos tristes, carregar o remorso até os últimos dias, quando
covardemente se ausentou do hospital onde ela passou os últimos 34 dias de
vida. Uma hora os homens se distinguem
dos meninos. Eu sei meu pai, que você não concorda com minha opinião. Não peço
adesão nem apoio, apenas meu democrático direito de tê-la.
Hoje é a primeira vez que não compro um presente, que não há um
almoço ou jantar especial. Passei casualmente por Nhá Bentas, Joias e Orquídeas.
Nenhuma delas me disse nada. Não há mais charme, nem brilho, nem sabor. São coisas
comuns.
As lagrimas de hoje não são de dor como as do dia 23 de junho de 2013
e dos dias que se seguiram. São de saudade, do cheiro, do beijo, da voz, do
calor, do abraço, do olhar que tudo dizia sem uma palavra proferir.
Obrigado Deus pela mãe maravilhosa que hoje completaria 66 anos e
a quem só posso dizer obrigado por tudo que fez por mim.
Obrigado pelo ultimo sorriso que me deste na ultima visita que te
encontrei com consciência. Nesse dia cheguei cedo, conversamos muito a sós. Eu com
palavras e você com o olhar. Fiz minhas costumeiras palhaçadas. Na despedida
ganhei sorrisos e um beijo de despedida. Jamais esquecerei!
Obrigado por tudo e me desculpe se as vezes ainda derramo
lágrimas. É difícil não te ter aqui para te contar sobre os meus dias. Não receber
aquelas ligações durante o trabalho me perguntando sobre o nome de uma musica
do Roberto Carlos. Faz falta aquele telefonema, no dia do especial de fim de
ano, apenas para me dizer que o show estava lindo. Mais uma paixão dentre as
muitas que dividimos.
O orgulho que você tinha de mim, eu tinha em dobro de você, a
melhor mãe do mundo!
O que está dentro do coração jamais deixa de existir.
Um beijo do filho que te ama!