segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Capítulo 46 – O piloto sumiu!

Controlei o suor das mãos  e quando chegamos á Reunião eu já aparentava a tranqüilidade de um monge. Lucas me apresentou como seu sócio e amigo  e pessoa de sua total confiança, comentário normalmente dispensável em reuniões, mas entendi que ele queria deixar todos tranqüilos com a presença daquele estranho, no caso eu, numa reunião tão importante. Todos os presentes colocaram seus celulares na mesa  e os desligaram, era uma medida de educação ou de segurança? Guardei a pergunta para mim, faria o comentário com Lucas depois.

Um breve blá blá blá institucional e Lucas foi ao ponto, passou com maestria a apresentação feita por dona Márcia. Para mim era mais um aprendizado. Firmeza, objetividade e tranqüilidade sem deixar de ser empolgante. Lucas apresentava algo em que ele acreditava e muito. Essa sensação estava nos gestos, na voz, no brilho do olhar e principalmente na intimidade que Lucas demonstrava ter com o projeto. Era visível a empolgação dos presentes, todos debruçados sobre a mesa, curvados em direção à Lucas e ao telão onde ele passava os slides. Meu amigo era mesmo um cara merecedor do sucesso alcançado. Naquele momento, eu imaginei que eu estava fazendo tempestade no copo dágua. O projeto seria aceito sem maiores entraves, estavam todos maravilhados e convencidos de que seria um sucesso do ponto de vista comercial, técnico e também de popularidade. Lucas havia desenhado um empreendimento  funcional, de qualidade e de custo razoável.  Nós entraríamos com a construção e o governo com o terreno e o financiamento. Um casamento perfeito! Lucas elaborou tudo  contando que o Governo poderia usar verba do FGTS, que é mesmo destinada a financiamento habitacional. No papel estava tudo simples e fácil.

Todos concordaram que o projeto era muito bom e que seria um sucesso. Nessa hora que Dr Eleutério pegou a palavra e eu comecei a entender como as coisas funcionavam naquele meio. Com a calma e segurança de quem tem certeza de estar acima ou imune a Lei, a velha raposa começou seu discurso. “Pois é  Lucas, muito bom mesmo, mas você conhece como são as coisas no nosso país. Para um projeto bom emplacar, não basta ele ser o melhor, é preciso vontade política, liberações de verbas, desapropriações, pareceres favoráveis, votação de emendas e etc, essas coisas que você está cansado de conhecer,você e todos os presentes! Estamos em ano de eleições, as bases precisam se fortalecer, os partidos querem espaço e sem o consentimento de alguns caciques, seu projeto nunca sairá do papel, você sabe! Pelo valor apresentado, você não separou a verba de esforço político certo?” Lucas concordou com a cabeça e meu espanto maior foi com os percentuais. “Então aumente em 150% essa estimativa de custo! Ano de eleição o mercado fica inflacionado, e não se preocupe com esse ponto. Faça sua parte direitinho. Constitua uma filial em Brasília prepare a papelada toda  e deixe o resto comigo. Agora vamos almoçar que essa conversa toda me abriu o apetite!

Deu uma risada meio mafiosa e saiu para o almoço como se aquela conversa que acabava de terminar fosse algo comum e inocente. Eu sempre ouvia que nesse meio é tudo uma sujeira só, mas não achei que era assim tão às claras. Quando entramos no carro Lucas riu de mim e comentou: “Relaxa amigo, é seu batismo, negócio com governo é assim mesmo. Fazemos a nossa parte, apresentamos um projeto correto e enxuto, o resto é com eles, não é culpa nossa e não há como ser diferente. Caso contrário, ficamos de fora das grande obras. Te trouxe para você ver com seus próprios olhos e ir se adaptando! Agora no almoço vamos falar amenidades, a tarde vamos refazer os cálculos, redistribuir os valores e deixar tudo com eles para aprovação. Nos outros dias, você trata de tudo, dos contratos, da parte legal, dos registros. Assim no fim da semana a documentação da filial estará toda encaminhada!

Eu inocentemente contra argumentei com Lucas, dizendo que seria impossível deixar tudo encaminhado, considerando os prazos das repartições públicas e desfilei minha ingenuidade: “Lucas, precisamos de consulta na prefeitura, registro na junta, Fazenda estadual, federal, CREA e etc! Como vou conseguir tudo em uma semana? Impossível meu amigo, cada órgão desses pede no mínimo uma semana!” Lucas riu de mim pela segunda vez e explicou paternalmente: “Calma meu amigo, vá por mim, você será atendido como rei em todos esses lugares. Com um telefonema o Dr Eleutério fará de você um cidadão Vip, cuidado para não ficar mal acostumado!

Agora foi minha vez de rir. Se Dr Luiz lá na repartição podia me ajudar, mesmo sendo quase um Zé ninguém, imagine um político que pode liberar orçamentos federais? Eu era mesmo bastante ingênuo para essas coisas, Lucas estava certo, se eu viesse sozinho talvez estragasse tudo. Aproveitei o almoço para interagir com Dr. Eleutério e os demais, pois provavelmente lidaria com eles várias vezes esses dias, principalmente depois da partida de Lucas. Todos me trataram muito bem, conversavam animadamente e comiam com muito prazer. Bebiam vinho bacana que só a garrafa custava mais de mil reais. Sem problemas, os operários da nação estavam mesmo pagando tudo aquilo com o seu suor de cada dia pensei eu, morrendo de medo de que ali alguém monitorasse meus pensamentos. Resolvi provar o vinho para ver se valia o preço. Era delicioso, macio, saboroso, perfumado, uma delicia! Será que eu estava sendo fisgado pelo doce veneno do poder? Por via das dúvidas bebi apenas uma taça e parti para a água mineral, uma tal de  Perrier que depois descobri que custava uns vinte reais a garrafa!

Voltamos do almoço para a sala de reuniões e lá permanecemos trabalhando quase sem conversar a tarde toda. Precisávamos deixar tudo pronto, com cálculos refeitos e Lucas precisava assinar a constituição da filial junto comigo. Lá pelas 17 horas estava tudo pronto. Eu e Lucas, os sócios da empresa, passamos a tarde trabalhando como antigamente. Trabalho braçal, que quase não fazíamos mais, deu até aquela nostalgia e fez bem para desenferrujar também. Me senti mais jóvem e tudo, eu era mesmo um romântico, disse Lucas quando comentei meus pensamentos com ele.

Projeto entregue, partimos para o hotel, Lucas voltaria na terça pela manhã, deixava sempre uma margem de segurança para qualquer problema ou imprevisto. Fomos fazer uma caminhada na esteira da academia do hotel, depois uma sauna e um mergulho na piscina indoor. Resolvemos não sair do hotel para comer. Sentamos no bar para um uisque , uns beliscos e colocar o papo em dia. eu pensei em comentar com Lucas sobre meu problema com Lara, mas resolvi não encher a cabeça dele com aquilo. Na verdade, a viagem, a reunião, as surpresas do dia, fizeram com que eu mudasse um pouco minha visão. Para mim, agora aquilo já era um problema menor, algo que eu estava criando e dando mais proporção do que devia. Lara e eu estávamos apaixonados felizes e com certeza minha amada Lara apenas quis me poupar de aborrecimentos. Só isso. Melhor eu ver aquilo como um ato de amor do que como algo ruim. Para viver bem é preciso querer, eu já tinha muitos aborrecimentos e preocupações reais para ficar arrumando outros duvidosos. Encerrei meu pensamento junto com a primeira dose de Blac Label e pensei até em relatar isso para Esther. Na minha cabeça ela ficaria orgulhosa de mim. Ao invés de ligar para Esther, liguei para Lara e minha amada me atendeu daquele jeito: “Boa noite meu querido, tudo bem? Já estou com saudades de você.

Se eu já estava baixando a guarda, acabei de baixar, falei superficialmente sobre o trabalho e mandei beijos ao me despedir, só não saiu naturalmente ainda o  tradicional eu te amo. Lucas também ligou para Júlia. Estava tudo bem com ela e Rafa. Bebemos mais umas duas doses e eu acabei comentando com Lucas o quanto me espantou  a posição do Dr Eleutério. No fundo no fundo eu não sabia se conseguiria digerir aquela canalhice toda, mas como estava no meio de uma missão, iria até o fim, conversaria melhor com Lucas depois. Aquilo mexeu comigo, mas deixei adormecido.

Lucas conversava comigo, ambos ja na quinta ou sexta dose, quando seu olhar se fixou sobre os meus ombros, em um determinado momento Lucas parou de falar, bebeu mais um gole e comentou: "acho que as moças vêm falar conosco, você as conhece?"

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Capítulo 45 – Aventuras no Plano Piloto

A primeira tarefa do dia foi me refazer do efeito que a letra melancólica da dupla Roberto e Erasmo causou em minha mente no despertar, vi que o tempo continuava fechado, chuva fina no maior estilo de São Paulo, ou Londres para os mais viajados e requintados. Minha fonte  extra de energia estava de folga e eu teria que contar apenas com minha própria força interna. Banho rápido, barba feita, uma banana e um copo de iogurte e eu estava no taxi a caminho do Aeroporto. Santos Dumont em dia de chuva é sempre uma fonte de fortes emoções com aquela pista curta e humilde. Para piorar, o taxista ouvia uma irritante rádio brega, dessas que tocam o pior lixo musical do momento. Parece que eles escolhem a dedo o que tem de mais meloso. Uma voz esganiçada gemia algo do tipo: “Eu te amo e você me trocou pelo vizinho rico de carro conversível e eu agora sou um resto humano a chorar pelo resto da vida me afogando em cerveja Belco e cachaça Praianinha...”, Era isso ou algo um pouco pior. Me concentrei no jornal e pedi a Deus que me abençoasse com uma surdez momentânea, sem sucesso.

Ao chegar ao Aeroporto de logo encontrei Lucas, bem vestido, sorridente, de cabelo cortado e tão engomadinho que parecia que ele tinha sido retocado com Photoshop. Esse era o segredo de Lucas. Não tinha momentos de grande euforia e nem de grandes tristezas, Lucas era assim,  equilibrado, ou contido, (vou perguntar a Esther sobre isso também) dizem que pessoas intensas também são instáveis. Amam muito e sofrem muito, ficam muito felizes e intensamente tristes. Será que o equilíbrio é mesmo assim tão difícil de alcançar? Será que Lucas é mesmo tão feliz com a vida que leva?

Pensei em conversar com Lucas sobre essas questões existenciais e também sobre meus fantasmas, mas seu sorriso de bom dia veio seguido da seguinte frase: “Tenho muitas coisas para te explicar antes de nossa primeira reunião em Brasília!”. Estava dado o tom da manhã, trataríamos de negócios, meu sócio-chefe tinha que me atualizar e logo percebi que não seria apenas um vestibular para Anna, mas principalmente para mim.

Para nossa sorte, os vôos estavam no horário e decolamos pontualmente às 07:01. Lucas tinha tudo organizado. Relatórios impecáveis, apresentações prontas, cheias de efeitos especiais, com certeza feitos por dona Márcia pois Lucas não era muito da tecnologia, e principalmente com a idéia na cabeça. Lucas era assim, tinha a idéia sempre na cabeça, mas era extremamente organizado e anotava religiosamente todos os dados e compromissos importantes. Em  20 anos de amizade, nunca vi Lucas esquecer um compromisso.

Depois de duas horas intensas de trabalho, um minuto de pausa para assuntos pessoais. Lucas interrompeu o discurso para um gole na água mineral e foi minha vez de perguntar: “Como estão Julia e minha afilhada Rafaella?” Lucas sorriu diferente nessa hora e respondeu com olhar distante como se estivesse vendo sua mulher nesse momento: “Estão muito bem meu amigo, ótimas!” parou por um segundo mexendo na pasta, retirou um diskman igual ao meu e falou: “Escute essa musica meu amigo. Ouvi outro dia e ela retrata exatamente como me sinto todos os dias ao sair para trabalhar”. Coloquei os fones e ouvi a canção:

O sol ainda não chegou
E o relógio há pouco despertou
Da porta do quarto ainda na penumbra
Eu olho outra vez
Seu corpo adormecido e mal coberto
Quase não me deixa ir
Fecho os olhos, viro as costas
Num esforço eu tenho que sair
A mesma condução, a mesma hora
Os mesmos pensamentos chegam
Meu corpo está comigo mas meu pensamento
Ainda está com ela
Agora eu imagino suas mãos
Buscando em vão minha presença
Em nossa cama
Eu gostaria de saber o que ela pensa
Estou chegando para mais um dia
De trabalho que começa
Enquanto lá em casa ela desperta
Pra rotina do seu dia
Eu quase posso ver a água morna
A deslizar no corpo dela
Em gotas coloridas pela luz
Que vem do vidro da janela
Um jeito nos cabelos
Colocando seu perfume preferido
Diante do espelho aquilo tudo
Ela esconde num vestido
Depois de um café, o olhar distante
Ela se perde pensativa
Acende um cigarro
E olhando a fumaça pára e pensa em mim
O dia vai passando, a tarde vem
E pela noite eu espero
Vou contando as horas que me separam
De tudo aquilo que mais quero
Meu rosto se ilumina num sorriso
No momento de ir embora
Não posso controlar minha vontade
De sair correndo agora
O trânsito me faz perder a calma
E o pensamento continua
Pensando em minha volta muitas vezes
Ela vem olhar a rua
A porta se abre e de repente eu
Me envolvo inteiro nos seus braços
E o nosso amor começa
E só termina quando nasce mais um dia
Um dia de rotina

Confesso que Lucas é o amigo que mais admiro e em quem procuro me espelhar, as vezes me pego pensando que queria ser como ele. Lucas era assim, capaz de ficar duas horas ininterruptas tratando assuntos de trabalho, e em um minuto me surpreender com uma enorme sensibilidade e demonstração de amor por Júlia. Juntos há mais de dez anos e meu amigo era ainda apaixonado por ela. Acho que não é paixão não, isso é mesmo amor, daqueles de pessoas que nasceram um para o outro. Tive que me concentrar muito nesse momento, se eu deixasse meus pensamentos se desviarem para meu delicado momento sentimental eu poderia perder a estabilidade emocional e isso prejudicaria meu desempenho. O desafio era pesado e eu precisava estar focado. Respondi a Lucas com um econômico “Sensacional meu amigo” e enterrei os riscos: "Vamos falar sobre isso à noite, depois das reuniões de hoje!”

Lucas entendeu o recado e voltamos à velha vaca fria empresarial. Toda a parte técnica e financeira estava alinhada,  e eu inocentemente, imaginei que seria simples a negociação. Tínhamos um projeto bem desenhado, moderno e com viabilidade econômica financeira comprovada, eu não entendia  muito bem o motivo de Lucas demonstrar  certa tensão no semblante. Achei um pouco estranho o fato de Lucas alugar um carro no aeroporto, na minha cabeça seria melhor e mais pratico andarmos de Taxi, quando entramos no veículo, um sedã médio e confortável e com aquele cheirinho bom de carro novo,  entendi os motivos de Lucas. Assim que saímos pelo Distrito Federal Lucas  começou: “Agora que estamos só nós dois num lugar seguro para conversar, vou te passar os detalhes que não podemos conversar em público. Esses detalhes são mais importantes do que tudo que já conversamos sobre o projeto até agora. Esse loteamento tem incentivo federal por ser um projeto de casas populares. Isso implica numa série de medidas por parte dos órgão públicos para ser aprovada, portanto, serão feitas algumas exigências e acordos não tão convencionais. O Dr Benevides é o pai do projeto, portanto é a pessoa que agenciará todos os favores necessários. Não se assuste com alguns termos e condições impostos por ele. É um cara poderoso e vaidoso, temos que ter muito tato nessa conversa, por isso fiz questão de vir. Se fosse apenas apresentar o de praxe, deixaria por sua conta, como você é calouro nesse tipo de negociação, fique atento e deixe que hoje eu fico a frente. Vai ser um grande aprendizado para você. Não se assuste com nada e se mantenha calmo agindo como se tudo fosse muito natural e comum. Ok?

A interrogação de Lucas se deu exatamente em frente ao prédio da reunião,. Eu mal havia digerido as informações e minha cabeça estava um tanto quanto confusa. Eu não sabia se terminaria a semana com um contrato nas mãos ou com algemas. Que bom que eu ainda me lembrava como redigir um habeas corpus, dos tempos da faculdade. Entrei no prédio e pensei comigo mesmo: “No que eu estou me metendo meu Deus?!”

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Capitulo 44 – Um domingo pra lá de cinzento

A noite não foi das mais tranquilas, acordei algumas vezes. Dizem que quando estamos muito cansados, o sono é ruim e não recupera cem por cento as energias. Só sei que só dormi pra valer mesmo depois das três da manhã. Levantei as nove e vi que o domingo era cinzento e sem sol. Fico meio macambúzio quando não tem sol, principalmente no fim de semana e no único dia de folga que tenho direito.  Se eu fosse um super herói seria o super homem pois renovo minhas energias com a luz e a força do sol. Me faz bem para a alma e para a mente.

Como não tinha jeito de mudar o tempo, resolvi ir assim mesmo fazer minha caminhada na Lagoa para depois almoçar na casa de Lara, com quem mal havia falado nos dois últimos dias. Venci os 7,5 km com facilidade, mas sem o mesmo prazer de outros dias. Até brinquei um pouco de analisar os passantes, mas não estava muito inspirado e com dificuldade de concentração, pensando na viagem de segunda feira com Lucas. Confesso que sou daqueles que não gosta muito de ficar fora do RJ, muito menos passar a semana em Brasília. A turma que habita o plano piloto não me empolga muito, fico o tempo todo preocupado com minha carteira.

Até me diverti um pouco quando passei pelas amigas cajazeiras que já contei aqui antes. A mais falante e que eu obviamente não me lembrava o nome, logo me reconheceu e sorridente logo puxou assunto. Com um pouco de conversa e esforço o nome surgiu em minha mente, Úrsula!! Eu sabia que agradaria as moças a lembrança de ao menos um dos nomes. Assim que tive oportunidade chamei a líder pelo nome e ela me deu um belo sorriso e logo em seguida reparou em minha aliança e fez o comentário que levantou meu astral: “Ahh, está noivo!! Eu bem que comentei com as meninas, um rapaz tão simpático e bonitão solteiro? Isso não dura muito, logo uma esperta vai laçar ele”, comentou com as amigas, rindo bastante, minha fã sexagenária. Eu sorri também, agradeci pelo elogio e falei um pouco do casamento e prometi que mandaria o convite por e-mail (eu e minhas promessas malucas). Anotei num papel o email de Úrsula, conversei mais alguns minutos e segui meu rumo, para a casa de meus futuros sogros.

Cheguei por volta de onze e pouco suado e com a mochila de roupa para me trocar. Cumprimentei à todos e fui direto tomar um banho. Cheiroso e renovado fui para a sala de estar onde a família Oliveira Telles me aguardava.
Lara estava com uma expressão pouco confortável e isso me deixou intrigado. Não quis perguntar nada ali pois estavam todos na sala e logo Dr Oswaldo me puxou para um papo de negócios. Comentei que estava indo a Brasília tratar de assuntos da construtora e ele muito gentil como sempre, me deu o cartão de uma pessoa e sentenciou: “Não deixe de procurá-lo, será de grande utilidade conversar com ele e se tiver algum problema ele é um ótimo recurso solucionador. Ninguém anda tão bem pela aquela cidade como esse sujeito. Amanhã mesmo, bem cedinho eu avisarei que meu genro irá procurá-lo. Ele é um velho amigo, tratará você muito bem.  Brasília não têm mistério, só armadilhas. Você é esperto, vai aprender muito nesses quatro dias. Escute Lucas,ele não tem nada de bobo, e pelo que estou vendo, está te preparando da mesma forma que foi preparado. Garoto bom esse meu aluno. Não tive filho homem, mas Lucas foi um belo pupilo. Agora você é o da vez. Já aquele merda, prefiro nem citar o nome. Preferiu ficar voando naquela empresa falida e ainda vive criando problemas para minha filha!

Lara olhou com reprovação para o pai na hora que ele fez tal comentário e eu continuei sem entender direito o que estava se passando. Dr. Oswaldo mudou o rumo da conversa assim que Lara lançou sobre ele seu olhar de reprovação e passou a falar de política, economia e coisas afins. Logo o almoço foi servido, um delicioso risoto de fungui de comer gemendo, como dizem na gíria. Lá ninguém gemeu, mas elogiaram repetidas vezes o dom da cozinheira antiga na casa.

Depois do almoço, que foi acompanhado de um delicioso vinho francês, tomamos um cálice de Vinho do Porto e degustamos uma mousse de maracujá de sobremesa. Eu estava realizado, gastronomicamente falando, e fomos tirar o soninho da tarde. Lara estava estranhamente calada, mas a moleza de depois do almoço era tão grande que preferi nem tocar no assunto. Acolhi minha amada em meu peito e dormi por umas duas horas fechado no quarto escuro com o maravilhoso ar condicionado ligado.

Quando acordei, percebi que Lara já estava acordada, na verdade nem posso garantir que ela  tenha dormido. Acariciei seus cabelos e falei: 

- O que você tem meu amor? Tenho notado você tensa e calada há alguns dias. Tá chateada com alguma coisa? Ta aborrecida comigo?

Lara recostou na cama, respirou fundo e começou: 
- Não é com você não meu amor, é apenas uma situação chata. Eu preciso resolver algumas coisas. Você sabe que fui casada não é?

- Sei sim, com o maluco do Gil que está no Dubai não é?. - Respondi eu sem alcançar  ou imaginar que não era tudo tão simples

- “Pois é. Com ele sim, mas deixa eu contar para você entender. Gil não está mais em Dubai. Voltou ao Brasil tem uns dois meses, quando viu nossa foto no jornal ele me ligou para perguntar quem era você e coisa e tal. Eu cortei logo a palhaçada dele, não dei assunto, mas temos um problema. Queremos nos casar e para isso preciso do divórcio. Falei com ele sobre o assunto e ele está querendo dificultar. Cismou que não quer fazer em comum acordo. Mandei o advogado entrar com processo assim mesmo e sexta ele me ligou dizendo que quer conversar comigo sobre isso. Pediu que fosse falar com ele quarta feira e isso me deixa aborrecida.

A narrativa de Lara caiu como uma granada sem pino no meu colo. Eu fiquei alguns minutos sem saber direito o que pensar daquela situação. Lara continuava minha noiva, falando em casamento e etc, mas só de saber que ela ia se encontrar com o ex marido e pior, que havia tratado o assunto pelas minhas costas me deixou muito chateado, incomodado. Lara não tinha motivos para omitir nada de mim. Tínhamos uma relação transparente, tranqüila. Por que motivo ela hesitou tanto para me contar o que estava acontecendo? Fiquei calado por alguns minutos, até que Lara disse que eu não tinha com o que me preocupar, ela havia guardado o assunto para si para não me preocupar e garantiu que esse era o único motivo de não ter me contado.

Passei o resto da tarde com Lara, e fingi não estar muito incomodado. Por dentro eu estava muito incomodado, tão incomodado que saí cedo da casa de Lara com a desculpa de fazer as malas e dormir cedo, pois o vôo era às sete da manhã de segunda. Fui para casa pensando na vida. Eu acabava de ter a primeira decepção com Lara, a mulher a quem depois de longo inverno, eu abria meu coração. Percebi que sentia um mix de ciúmes e medo de perder aquela mulher, sentia também medo de desestruturar tudo que eu estava construindo. Perder Lara agora poderia ser um revés arrasador e deixar feridas difíceis de cicatrizar. Logo agora, que demorei tanto a confiar novamente no amor e em uma mulher, estava de frente para um fantasma que poderia tranquilamente se transformar em carne e osso.

Minha cabeça pensou mil coisas. E se Lara tivesse uma recaída ao encontrá-lo? Ele que a deixou, e ela sentiu muito por isso. Quem sabe reacendesse a paixão dentro dela? Eles eram casados ainda, ao menos no papel! Gil era bonito, e conhecia bem a minha noiva, poderia tentar reconquistá-la, seduzi-la. Minha cabeça viajou tanto que quase errei o caminho de casa.
Cheguei, arrumei a mala em dez minutos, arrumei o despertador e tomei dois comprimidos de Lexotan para tentar dopar os fantasmas que faziam minha cabeça girar.

O despertador tocou cinco horas da manhã. A noite passou em um piscar de olhos. O dia ainda mal amanhecia e eu estava acordando, mas meus pesadelos estavam apenas começando. Maldita rádio que eu escolhi para me despertar...

"Vem,
Você bem sabe que aqui é o seu lugar
E, sem você, consigo apenas compreender
Que sua ausência faz a noite se alongar
Vem,
Há tanta coisa que eu preciso lhe dizer
Quando o desejo que me queima se acalmar
Preciso de você para viver
É noite, amor
E o frio entrou no quarto que foi seu e meu
Pela janela aberta onde eu me debrucei
Na espera inútil e você não apareceu
Você já me esqueceu
E eu não vejo um jeito de fazer você lembrar
De tantas vezes que eu ouvi você dizer
Que eu era tudo pra você"

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Capítulo 43 – Começam as provações – Nem só de flores se faz um jardim

Falei com Lara pelo telefone e fui para casa descansar. Lara me pareceu um pouco tensa, o que me deixou um pouco preocupado. Enquanto eu falava com ela, o celular tocou simultaneamente e tive que desligar sem mais perguntas. Retornei a ligação e era Lucas com uma novidade nada agradável. Teríamos que viajar segunda bem cedo para Brasília. Tínhamos uma negociação importante para dar andamento. Lucas iria comigo na segunda, faria as apresentações e voltaria na terça para o Rio de Janeiro, ficaria à meu cargo seguir com os negócios lá até quinta feira, afinal ninguém trabalha em Brasília numa sexta-feira e isso não era novidade para ninguém. Mudança total de planos! Eu teria que trabalhar sábado para deixar tudo encaminhado para a semana ausente. Liguei para o celular da minha secretária, me desculpei pela hora, expliquei o motivo e o imprevisto e pedi que ela convocasse Anna para trabalhar conosco sábado se fosse possível. Márcia era profissional experiente e vivida,  disse que estaria lá e em alguns minutos me ligou de volta dizendo que Anna também estaria. 

Inconscientemente eu estava fazendo minha escolha. Anna foi a primeira pessoa que pensei em convocar para a missão. Talvez o normal fosse chamar Gilvan, homem é mais desprendido, Anna talvez tivesse compromisso com namorado ou algo assim. Como Lucas me pegou de surpresa, agi rápido sem fazer muitas análises. Estava claro que minha consciência já classificava Anna como mais preparada para a função e para o desafio. Particularmente, costumo dar mais valor às pessoas espontâneas que colocam o coração naquilo que fazem. Anotei num livrinho para perguntar a Esther sobre o assunto.

Liguei novamente para Lara, já de casa. Ela estava com a voz sonolenta de quem está dormindo ou quase. Disse a ela que teria que trabalhar e ela respondeu algo tipo “que bom”, era a senha para demonstrar que estava mesmo dormindo. Lara às vezes fazia isso, falava comigo sem saber direito o que estava falando e isso me deixava meio chateado na hora, mas depois passava. Resolvi dormir também, pois teria um dia cheio e a meia dúzia de chopps estava cobrando a conta me fazendo pesarem as pálpebras.

O sábado me mostrou que eu havia feito a escolha certa. Anna trabalhou dedicadamente, sem reclamar nem um minuto. Passamos o dia no escritório, pedimos ate para entregar o almoço lá, pois era muita coisa e não queríamos perder tempo. Anna correspondia às expectativas, era ágil e aprendia rápido. Tinha iniciativa e ouvia as orientações com especial atenção. As sete da noite estávamos cansados mas realizados por termos sido tão produtivos. 
Dependendo do desempenho de Anna durante minha ausência ela seria promovida puramente por mérito. Pedi a Dona Márcia que supervisionasse tudo e deixei as duas em casa. Primeiro Anna que morava na barra e depois Márcia que morava na Tijuca. Márcia e eu conversamos muito na volta, ela era mais velha que eu e trocamos boas experiências. Falava sobre o casamento do alto de seus quinze anos de experiência. Ficou feliz ao me ver noivo e falou sobre os desafios de um casamento feliz. 

Segundo Márcia, para um casamento dar certo e ser duradouro, os dois têm que ter como objetivo estar casados. Só assim duas pessoas diferentes conseguem superar os desafios e barreiras de viver junto com uma pessoa, dividir intimidades, problemas humores e tudo mais que vem a reboque depois das tradicionais comemorações religiosas e mundanas, onde tudo é alegria; “Depois vêm a Realidade Dr. Herculano. Dormir e acordar junto, manias, chatices que todos temos, gostos e hábitos diferentes, famílias, educações diferentes... eu e Ronald estamos juntos há 18 anos, três de Namoro e quinze de casamento. Enfrentamos muitos obstáculos. Ronald ficou dois anos desempregado. Ficou com a cabeça péssima, se sentia mal, ficou deprimido, chorava, implicava com as crianças. Eu segurei a barra e tudo passou Já tivemos várias brigas mas sempre temos como objetivo comum manter nosso casamento e nossa família. Depois vêem os filhos. No inicio é muito difícil, tivemos gêmeos, estão com doze anos. Agora é mais fácil, mas quando bebês, o homem se sente desprezado, a mulher só tem olhos para os filhos, a libido diminui, nossa auto estima cai, nos achamos feias, ficamos muito cansadas, da depressão. Xiii, é melhor parar por aqui para o senhor não desistir!”. 

Rimos um pouco do assunto e falamos de Anna e de sua dedicação e aparente futuro promissor, até que chegamos á casa de Márcia. Antes dela sair do carro me deu um conselho ou algo parecido: “Vai à Brasilia não é? Não é só Anna que terá seu vestibular. Prepare-se e ouça atentamente os conselhos do Dr. Lucas. Boa noite e bom domingo!"

Liguei para Lara e ela pediu que eu fosse almoçar na casa dela no domingo, já que eu iria passar a semana fora, ela queria tratar alguns assuntos comigo. Na hora não dei muita bola, imaginei que Lara mostraria coisas relativas a festa ou decoração, ou algo referente ao futuro apartamento, coisas corriqueiras e sem maiores importâncias. Depois descobriria que estava enganado. Como estava na Tijuca, acabei passando no bar para rever os amigos e relaxar um pouco. Eu sentia falta do convívio com a turma do Estephanio´s. Turma boa, de bom papo, boas histórias e bons corações. Nada como deixar de ser figurinha fácil. Muitas vezes minha presença era quase imperceptível, agora que eu era quase turista, sempre havia festa com minha chegada. Isso me fazia bem ao ego e eu me sentia ainda melhor na companhia deles. 

Ficamos por lá cantarolando, batucando e tocando violão. Mais algumas tulipas e os amigos me atualizavam sobre as novidades. Os novos casais, os porres, os micos e coisas do tipo. Martha apareceu com Chris e eu percebi que a coisa era mesmo séria. Martha sentou-se ao meu lado e puxou papo. Conversar com Martha nunca era em vão e eu sentia muito mais falta disso do que de nossos encontros amorosos. Martha logo me achou com cara de cansado e eu, em um breve relato, expliquei minha rotina corrida e minha agenda. Martha me fez um cafuné amigo, tentando desembaraçar meu cérebro que estava mesmo meio cansado da batida do sábado e já um pouco tenso com a semana que me aguardava. Martha falou exatamente o que eu precisava ouvir: “Deixa de ansiedade, se Lucas vai contigo e vai te deixar lá é porque sabe que você dá conta, deixa de drama! E vai dormir para amanhã dar atenção aquela Barbie que você vai se casar. Espero que você seja feliz na sua escolha. Escolha sempre o seu coração e não o que esperam que você escolha! Dando certo ou errado, sua amiga está aqui para beber com você, te dar umas broncas ou para você chorar no meu colo. Isso ninguém vai tirar de nós!”. Abracei Martha, e fui me despedindo de todos, ao final falei com Chris e dei meu recado: “Cuide bem dela, é uma pessoa especial, torço por vocês!”.

Fui para casa dormir e dessa vez liguei o som para ouvir uma das minhas preferidas, não sei por que resolvi ouvir essa canção triste e angustiada... composição do genial Geraldo Vandré:

"Já vou embora, mas sei que vou voltar
Amor não chora, se eu volto é pra ficar
Amor não chora, que a hora é de deixar
O amor de agora, pra sempre ele ficar

Eu quis ficar aqui, mas não podia
O meu caminho a ti, não conduzia
Um rei mal coroado,

Não queria

O amor em seu reinado

Pois sabia

Não ia ser amado

Amor não chora, eu volto um dia"

Capítulo 42 - O Primeiro teste

Aquela voz era conhecida! Durante algum tempo aquela voz me tirou o sono e também parte do juízo. Era Lully, passando em direção a Cruzada. O ônibus parou logo no sinal e agi meio sem pensar, dizendo a ela que saltasse para conversarmos. Ela  obedeceu de pronto, desceu do coletivo e ficou na calçada esperando para atravessar. Aqueles poucos segundos foram como uma eternidade para mim. Quando a vi ali, parada, com aquele seu jeitinho menina e seu sorriso misterioso, pensei se havia agido certo. Seria um risco desnecessário ficar ali frente a frente com Lully? Eu estava noivo e até pouco tempo ela balançava muito meu coração. Resolvi que seria um bom teste para minha nova vida e meu novo eu. Me enchi de coragem e esperei Lully ali, de pé na calçada. Ela atravessou a rua, chegou perto de mim e me deu um abraço como quem abraça um velho amigo. Abracei Lully da mesma forma, apertado, com saudade e com respeito. Eu gostava daquela menina e se pudesse conversar com ela como velhos amigos, tudo estaria resolvido.

Dessa vez ela não me chamou de cheiroso, sorriu e perguntou como eu estava e fez piada com minhas fotos nas colunas sociais. Sentamos ali no Barril 1800, velho e conhecido bar no arpoador, que já não apresentava o mesmo glamour da década de 90. Continuava ali, quase o mesmo, com sua varanda de frente para o mar e o salão grande e iluminado. Frequentei muito o Barril quando mais jovem, e há algum tempo não fazia uma visita. Pegamos uma mesa na varanda para usufruirmos da brisa do mar e admirar o anoitecer carioca.

Lully estava leve e tranquila, feliz por me ver e com uma carinha de quem está em paz. Perguntei sobre sua vida, trabalho, seu pai e etc... e ela me contou sobre as novidades. Revelou que ficou um pouco triste ao ver que seria muito difícil ter futuro o nosso romance, ela entendia muito bem tudo que passava na minha cabeça e não queria novamente se envolver em um relacionamento para se decepcionar. Segundo ela, tudo que conversamos nas últimas vezes serviram para que se tomasse consciência de uma série de coisas e em consequência uma série de decisões:

“Herculano, eu quero uma vida melhor para mim, não quero morrer naquela recepção, morar minha vida toda na Cruzada, me envolver com outro Bené e passar o resto da minha vida sonhando com o príncipe encantado que nunca vai chegar. Resolvi que preciso fazer minha vida ser diferente. Me matriculei na Faculdade de Comunicação, retomei os estudos e vou seguir meus sonhos. Quero me formar, ter minha profissão de verdade, crescer, sair dessa caixinha. Quero conhecer o Brasil, e depois o mundo. Frequentar outros ares, ampliar meus conhecimentos e ter filhos lindos com o marido que vai me amar e se orgulhar muito de mim. Não quero deixar meu pai velho e desamparado e para poder dar uma vida melhor para ele, preciso crescer profissionalmente, ter meu espaço. Nossa relação me mostrou que eu tenho potencial e que por ter me acomodado, estava perdendo grandes oportunidades. Uma delas foi você. Quando te conheci, você andava meio ali, sem rumo, sem objetivos. Alguma coisa aconteceu na sua vida que te empurrou para sempre. Não sei se foi sua noiva, se foram seus amigos, se fui eu  ou um estalo que te deu, só sei que você mudou. Acompanhei sua mudança e quando vi, eu havia mudado também. Fiquei muito triste quando nos separamos e muito feliz quando te vi na revista. Vi que você cresceu e evoluiu. Não era mais aquele menino perdido que ia a repartição. Você batalhou, recuperou o brilho (ou o encontrou), e seguiu em frente sem medo. Pensei comigo: Posso fazer isso também, vou em frente! E agradeço muito por seus conselhos e pelos nossos papos. 

Sabe o dia do Theatro Municipal? Pensei muito naquele dia e em tudo que vi lá. Eu gostei de sentir aquele gostinho de coisa boa e sacudi a poeira. Perdi muito tempo, mas nunca é tarde para fazer um futuro diferente meu amigo Herculano! Agora assim, antigamente meu amado, agora meu amigo. Agradeço muito por todos os momentos bons e pelos sofrimentos também. O conjunto da obra me fez mudar e me fez bem, muito bem. Sofrer faz parte da vida. Ninguém morre por isso, só de auto piedade e isso eu não tenho mesmo!"

Eu estava meio espantado com o depoimento que acabava de ouvir. Muito feliz por ver ali aquela menina cheia de vida, de força e de coragem. Feliz também por ter participado do processo de transformação e de crescimento de Lully. Naquele momento me bateu uma grande admiração por ela. Contei um pouco sobre a vida nova, sobre os desafios e a nova rotina de trabalho e pouco falei sobre o noivado. Eu não me sentia muito a vontade para falar de Lara para Lully. Não me parecia uma atitude muito coerente ou apropriada. Ela disse que agora eu era um bom amigo, mas ainda era forte e cedo demais para minha cabeça fazer dela uma confidente sobre assuntos amorosos ou matrimoniais. No fundo eu achava que isso poderia magoá-la e só de pensar nisso eu já ficava incomodado.

De um jeito ou de outro, Lully também foi muito importante no meu processo de mudança e crescimento. Ela me estendeu a mão num momento em que eu estava mesmo sem rumo. Tenho certeza que Lully não tem a menor noção do quanto aquele pequeno empurrão foi importante. Foi o estopim da grande virada. Pensei comigo: “Preciso contar isso para Lully”. Por algum motivo que não sei ao certo, não consegui fazer isso naquele momento. Continuamos a conversar, ouvi seus relatos sobre a faculdade, sobre novas amizades, planos, fofocas da repartição e tudo mais. Depois desse momento só tratamos de amenidades. Quando reparei, já estávamos ali de papo e de chopp há umas duas horas. Era tempo demais. A noite chegou e eu precisava voltar a minha vida. Pedi a conta e fomos andando até o carro. Ofereci carona e Lully aceitou. Essa era outra atitude arriscada, era noite, os dois já haviam bebido um pouco, os ânimos ficam exaltados e a consciência fica leve e permissiva. Quando saímos do grau de 100% de consciência começamos a nos expor aos riscos, de todo tipo. Dirigindo com menos reflexos, ficando próximo demais de um ex amor, ou mesmo falando coisas que em outros momentos nossa vã filosofia não nos permitiria falar.

Lully continuava linda, mas agora eu era um homem comprometido, precisava estar firme da minha decisão, e procurei olhar Lully apenas com olhar fraterno, como se olhasse para uma irmã. Preferi não ligar o rádio do carro para não correr riscos adicionais aos já intrínsecos ao meu ato pouco prudente. Parei na esquina da Cruzada e Lully me deu tchau sem nem ao menos me dar os tradicionais dois beijinhos. Da porta do carro, com o vidro abaixado ela se debruçou e falou com seu habitual jeito menina: ”Ainda não estou 100% confiante de que me curei, sendo assim, vou só te jogar um beijo de boa noite de fora do carro, assim não sinto seu cheiro e evitamos maiores problemas! Fico com a língua solta quando bebo, você sabe!! Beijo meu cheiroso. Tchau.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Capítulo 41 - Esther pra sempre...

Após recitar para Esther parte da música de Roberto e Erasmo, senti as lágrimas correrem incessantemente pelo meu rosto por mais ou menos um minuto e logo em seguida senti uma deliciosa sensação de relaxamento. Segundo Esther, ao me sentar no divã e admitir para ela que tinha ainda dentro de mim medos e incertezas, minha mente pode instantaneamente relaxar e extravasar tudo que ficou guardado dentro de mim. Sim, apesar de muito feliz com os planos de casamento e com os desafios profissionais, havia dentro de mim uma parte que tinha ainda muito medo de tudo aquilo. Agora, já relaxado, fiz a Esther a famosa pergunta: “É normal sentir isso?” Esther, do alto de sua experiência, respondeu com uma breve aula sobre o comportamento humano.

É normal ser humano Herculano. É normal ter dúvidas, medos, receios de tudo que é novo e receios de reviver experiências negativas que causaram dor ou sofrimento no passado. Não é normal o comportamento obsessivo, doentio ou psicopata, mas não é isso que vejo em você. Todos nós lidamos e lidaremos a vida toda com esses sentimentos. Incerteza, medo, dúvida, euforia, alegria, tristeza, realizações e frustrações. Não é normal viver deprimido ou triste, como não é natural aquela pessoa que está 100% do tempo feliz, isso é humanamente impossível. Viver triste é doença, mas ficar triste é do ser humano. Se acontece algo que nos magoa e entristece, devemos viver e respeitar o sentimento, mas como tudo na vida, devemos superar e seguir em frente. Não podemos ser reféns nem escravos de medos, angústias, ansiedades ou sentimentos do gênero, da mesma forma que não podemos nos cobrar ser 100% do tempo seguros, felizes, motivados e confiantes. Nossos sentimentos e sensações precisam ser vividos e equilibrados. É normal você ter momentos para extravasar como esse e um conselho profissional que te dou é: Mantenha o equilíbrio! Trabalhe muito mas não abra mão do lazer e do convívio daqueles que você ama, não deixe de cuidar da sua mente, seu corpo e seu coração. O Equilíbrio é o grande segredo de viver bem e ter sucesso na vida! Lembre-se disso meu paciente impaciente!

O Jogo de palavras usado por Esther no fim de seu pronunciamento me tocou fundo. Na verdade, muitas vezes eu fui um ser impaciente e esse seria o próximo defeito que cuidaria em mim. Ansiedade e impaciência, inimigos íntimos que quando não controlados podem trazer grandes prejuízos.

Conversei mais um pouco com Esther sobre o noivado e o fim de semana em Búzios. Não faltava muito tempo para o fim da consulta e eu queria sair dali mais leve, não adiantava querer tratar tudo de uma vez só, e eu já começava a tratar minha ansiedade nesse momento, controlando minha ansiedade em tratar tudo de uma vez. A sessão em curso já havia apresentado muitos frutos e ensinamentos, era o suficiente, eu agora queria ficar mais tranqüilo. 

Esther me pediu que não ficasse mais tanto tempo sem aparecer, não era bom para a evolução da terapia. Agradeci e nesse dia me despedi de Esther com um abraço agradecido. Pela primeira vez vi Esther quase se emocionar, ou quase demonstrar. Ela me olhou quase maternalmente e aproveitei a dica, saí do consultório, liguei para dona Márcia e pedi para cancelar todos os compromissos da tarde. Liguei para a casa dos meus pais e pedi que minha mãe se arrumasse pois estava indo lá buscá-la para um passeio a tarde.

Passei para buscá-la e ela até estranhou minha atitude: “algum problema meu filho, aconteceu alguma coisa?”. E eu respondi que sim, havia me dado uma crise de saudade e passaríamos à tarde juntos como há tempos não fazíamos. Fomos até o Forte de Copacabana. Lá tem uma filial da Confeitaria Colombo, um visual maravilhoso, e muitas guloseimas deliciosas. Nada de adoçantes ou comidas light.

Passamos à tarde nos deliciando com bolinhos, pães, doces, chás, a bela vista e muitas lembranças do passado. Minha mãe narrou com alegria muitas das minhas artes de bebê e criança. Dizia com olhar doce que eu era uma criança sapeca,  brincava muito, mexia em tudo e que era muito carinhoso. Foi muito bom ficar ali contemplando minha mãe e suas memórias. Ela falou sobre meus avós e experiências nas escolinhas. Eu estava ali de frente para minha biografia viva. Ninguém sabe mais dos filhos do que a Mãe e confesso aqui uma coisa, se Deus fez algo melhor do que Mãe, ele guardou para ele. Tenho em mim até hoje uma definição ímpar de mãe que dividirei com vocês: “Mãe, uma fonte inesgotável de um amor inexplicável e imensurável.” E só, nada mais precisa ser dito.

Deixei minha mãe em casa no final da tarde, pois ela precisava estar em casa para preparar o jantar. Era uma mulher ao estilo antigo, daquelas que preparam café da manhã, almoço e jantar, que cuida das roupas do marido e da casa. Meu pai era um homem de sorte, e eu esperava ser também agora com Lara em minha vida.

Saí de lá e resolvi passar pela praia para caminhar e pensar um pouco na vida. Parei o carro ali no Arpoador e como era horário de verão, pude contemplar o pôr do sol no cartão postal preferido da "turma da marola". Fiquei ali pensando comigo nos motivos que faziam aquela turma de corpo sarado e pele dourada se drogar perante um evento tão espetacular. Na minha cabeça não entrava nenhum motivo capaz de fazer aquele evento ainda mais maravilhoso. Minha consciência queria guardar aquela cena com todos os detalhes de sua plenitude. Enquanto o sol baixava eu repassava o filme de minhas últimas semanas. Tentava ver como encaixar os fatos, como peças de um quebra cabeças. Eu sabia que aquele era um momento fundamental de construção de alicerces. Construir o futuro, a partir daquele ponto, de forma sólida e planejada seria o segredo do sucesso futuro de minha vida, além de ter paciência é claro.

Eu precisava acima de tudo me manter concentrado e focado, ficar disperso acaba cedo ou tarde trazendo problemas. O sol mergulhava no oceano Atlântico, em tons de vermelho, amarelo e laranja. Lindo, inigualável! Minha viagem foi interrompida quando ouvi  uma mãe dizendo pro filho de uns cinco ou seis anos: “Está ouvindo filho? O sol quente entrando na água e fazendo tzzzzzzz? Ele vai apagar hoje e reascender amanhã!” O menino olhava admirado e acreditava nas palavras de sua mãe. Tenho certeza que lá no fundo ele até mesmo podia ouvir o barulho do sol quente se apagando no oceano. Que saudade do tempo em que todas as minhas  verdades vinham das coisas que eu ouvia dos meus pais. Desci da pedra do arpoador e segui em direção ao carro. Quando estava com a chave na mão para abrir a porta ouvi uma voz me chamando de dentro do ônibus que passava: “Oi Meu Lindo! Está famoso, te vi nos jornais!!

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Capítulo 40 - Escolhas e confissões

Acordei cedo na segunda feira. Diferente dos tempos do escritório, eu, na construtora, gostava de chegar cedo, ser o primeiro, ou um dos primeiros. Gostava de chegar com calma,  ligar meu micro e começar a organizar meu dia, e sendo segunda, organizar minha semana. Era preciso tabular e classificar as tarefas e prioridades. Havia muita coisa a se fazer. Uma das minhas tarefas era reestruturar a área. Segundo Lucas, a antiga administração deixou um pouco a desejar no lado do RH. Os departamentos estavam inchados e com muita gente desmotivada e improdutiva. Caberia a mim enxugar a folha de pagamento, remanejar, e identificar os talentos a aproveitar. Essa semana eu investiria nessa tarefa, alem de outras. Escolhi essa como prioridade. Eu, já nas primeiras semanas havia começado a avaliar cada área e principalmente a minha. Tínhamos 10 pessoas no jurídico e eu acreditava que com cinco ou seis bem escolhidos, bem motivados e orientados, faríamos todo o serviço com tranqüilidade. Poderia remunerar melhor e ter mais eficiência.

Cheguei cedo à empresa. Lá estavam a recepcionista e minha secretária, dona Márcia, que me recebeu com seu cordial bom dia. Pedi a ela que entrasse e sentasse. Ela pegou um bloco e perguntou o que eu queria. Respondi que queria conversar com ela sobre a equipe e saber um pouco sobre suas impressões. Ela consentiu com a cabeça e disse que estava ali para ajudar no que fosse possível. Dona Márcia tinha essa boa qualidade, não tinha falsa modéstia nem fazia rodeios. Se estava ali há muitos anos era porque Lucas confiava em sua competência e em seu caráter.

Comecei por uns três que eu sabia serem encostados e incompetentes, ela corroborou de minhas impressões. Chegou a contar a história de um apadrinhamento, coisa do passado. Minha lista tarefa estava avançada e facilitada. Precisava eliminar mais um e escolher quem seria meu braço direito, em quem eu investiria. Eu prestava atenção especial em dois colaboradores, um rapaz e uma moça. Havia saído para almoçar com eles um dia desses, levei os dois juntos para poder analisar suas personalidades. O Rapaz, Gilvan, era um técnico nato. Daqueles que tem o código civil e seus artigos na cabeça. Provavelmente aquele que foi sempre o melhor ou um dos melhores alunos. Eu sabia que era competente e que daria bom resultado. De família de classe média, estudou em colégios e faculdade  particulares, estava ali há 3 anos e era assíduo e comprometido. Era um postulante natural. A moça, Anna, de pouco mais de trinta anos, também me parecia conhecer bem o direito. Não era do tipo que citava artigos com a veemência  de Gilvan, mas me impressionou pela sensibilidade com que tratava cada caso ou cada tarefa. Eu sentia que ela não pegava uma tarefa e sim adotava. Quando pedia algo ela estudava, pesquisava e devolvia  um resultado elaborado com cuidado especial, eu percebia que sempre procurava fazer o melhor. 

Quando almoçamos, procurei saber um pouco mais sobre quem era cada um além da mesa da empresa. Gilvan deu respostas mais técnicas, falou sobre onde estudou, os cursos que fez, experiências profissionais e etc. Anna deu respostas mais pessoais e mais naturais. Falou sobre sua vida, suas aventuras, seus sonhos, desilusões. Anna tinha objetivos de pessoas normais, mas falava deles com uma paixão que me impressionaram. Parecia ser uma pessoa intensa em tudo que fazia. Aquela vibração e aquele ímpeto fizeram com que ela largasse na frente. Era uma moça com certeza muito inteligente, assim como o rapaz. Como eu precisava de um braço direito, alguém para liderar a equipe, resolvi apostar em Anna e queria dividir isso com alguém. 

Dona Márcia era a pessoa mais indicada. Estava ali há bastante tempo e não tinha interesses diretos no assunto. Ela concordou comigo e me revelou algo que eu não sabia. Me falou que Anna escrevia textos , poesias, que ela mesmo já havia lido alguns e gostava muito. Estava decidido, eu daria a oportunidade à Anna, que ficaria mais próxima de mim no dia a dia. Eu a acompanharia mais de perto a partir daquele momento, seria minha experiência como “coach”, mais uma novidade em minha vida.

A semana foi corrida e intensa. Com uma assistente mais próxima eu começava a me ligar mais nas decisões estratégicas e gerenciais e menos nas tarefas do dia a dia. a semana correu bem, Anna dava conta do recado e se demonstrava super empolgada com o desafio e Gilvan, com seu perfil técnico, não demonstrou decepção, continuou apresentando os mesmos resultados.

Aproveitei que a semana me deu oportunidades e me dei o direito de dois luxos: Almoçar quinta com Lara e ir a sessão de análise com Esther na sexta. Para quem chegava no trabalho antes das oito da manhã e saia depois das nove, almoçar com Lara era uma benção! Ela escolheu um tradicional restaurante em Copacabana pois seria fácil o deslocamento para mim, fomos ao Mondego, na Atlântica e comemos uma deliciosa batata roesti com filé mingnon. 

Minha mulher era linda, fina e simples, o que mais eu poderia querer? Passamos o almoço falando sobre detalhes do casamento. Lara tinha belas idéias sobre a festa, sobre a recepção e todos os incontáveis detalhes que envolvem um casamento. Seus olhos brilhavam de empolgação com nossa festa e eu me fascinava em ver como ela ficava ainda mais linda quando estava feliz. Eu concordava com tudo, só queria ver minha amada realizada e Feliz. Se Lara sorrisse eu sorria e sua felicidade era a minha também. Depois do almoço atravessamos a rua para olhar um pouco o mar , admirar a beleza do Pão de Açúcar e tomar um picolé Itália, iguaria típica do Rio de Janeiro.

Andamos de mãos dadas, nos curtimos um pouco e voltamos revigorados para nossos afazeres. Eu para a empresa e Lara para o consultório, sorte das crianças que eram cuidadas por minha amada! A tarde foi super produtiva, eu trabalhava muito melhor quando estava assim, feliz. Anna rendia muito e me acompanhava no serões. Estava também feliz por estar ajudando na formação profissional de uma pessoa e de estar preparando uma nova liderança. Anna equilibrava a técnica e a sensibilidade. Um líder não pode ser só um catedrático, tem que ter um lado sensitivo e humano. Acho que esse é o segredo, saber dosar e equilibrar as duas coisas.

Chegou a sexta feira e tirei a hora do almoço um pouco mais tarde para poder ver Esther. Eu estava com saudades de ir lá. Quando cheguei ao consultório meus olhos se encheram de lágrimas. Imediatamente fiz uma retrospectiva dos últimos anos e acontecimentos de minha vida. De tudo que eu havia passado e vivido, do quanto foi importante passar pelo consultório de Esther para que eu me preparasse para os dias que vivo hoje. Fiquei ali no sofá aguardando uns dez minutos até Esther me chamar. Minha analista era genial e podia até ler meus pensamentos. Ao me ver de olhos marejados e voz um pouco embargada logo comentou: “Está fazendo uma releitura de sua vida Herculano? Não se culpe com isso, é normal acontecer quando você fica assim, um tempo sem aparecer como aconteceu com você! Acompanhei você pelos jornais. Noivo de Lara Oliveira Telles, executivo de uma grande construtora. Você está mesmo evoluindo. Vejo que tem tratado melhor seus traumas. Se está noivo é porque diminuiu ou perdeu seu medo de se envolver de verdade. Fico feliz por isso, apesar de, como sua analista ficar preocupada com a interrupção abrupta do tratamento. Acho que você não devia se ausentar por tanto tempo, mas com tantos afazeres eu te entendo. Entendo mas não passo a mão na sua cabeça, está claro?

Esther era genial! Já começou a sessão me dando um resumo do que já sabia da minha vida, me analisando um pouco e me chamando atenção por ser relapso com a análise. Esther me economizou um bom tempo, e tempo para mim era algo precioso. Eu perderia um tempo com rodeios me justificando e Esther logo encurtou esse caminho. Agora já poderíamos tratar objetivamente dos males e medos que ainda me afligiam. É claro que eu não estava livre de males e de aflições. Algumas delas estavam enterradas, mas outras estavam apenas começando a surgir e a dar as caras.

Recostei no sofá, respirei fundo, enxuguei uma lágrima que teimava em escorrer do canto do olho e procurei lá no fundo a inspiração para assumir para Esther, ali entre quatro paredes os medos que o genro dos Oliveira Telles e principal executivo da STK Construtora,  podia confessar ter, protegido pela ética do sigilo profissional dos psicólogos. Uma sessão não seria suficiente com certeza, mas eu já sabia por onde começar.Mas antes disso recitei uma estrofe para Esther, seria bom para ilustrar minha narrativa.

Eu venho aqui me deito e falo
Pra você que só escuta
Não entende a minha luta
Afinal, de que me queixo
São problemas superados
Mas o meu passado vive
Em tudo que eu faço agora
Ele está no meu presente
Mas eu apenas desabafo
Confusões da minha mente.”


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Capítulo 39 - Revelações

Agradeci pela música tocada pelo grupo e dei algumas explicações sobre o casamento. O clima era de surpresa e de alegria por parte dos meus amigos e até aqueles que eu só conhecia de vista vieram me parabenizar. Ouvia votos de felicidades, piadinhas, pedidos de convite para a festa e etc. Impressionante como o brasileiro é um povo festeiro. Meu noivado virou motivo de mais festa no bar, acabei pagando mais uma rodada, de tantos que foram os pedidos. Já que a maioria não iria ao casamento, pelo menos ganharam dois chopes de graça. É a vida.

O Samba acabou e ainda ficamos na mesa batendo papo mais algum tempo, abracei e beijei cada um dos amigos e fui para casa antes das onze da noite. Liguei para Lara e contei brevemente sobre a passagem do bar. Minha amada riu, me desejou uma boa noite com bons sonhos e terminou a ligação assim: “Que bom que àqueles fantasmas não rondam mais a sua cabeça meu querido. Te amo! Você terá uma bela semana pela frente, descanse agora. Só aceitei seu pedido de casamento porque tenho certeza que você nunca sentirá comigo o que sentiu no seu último relacionamento! Um beijo, Deus te guarde”.

As palavras de Lara foram como um afago em meus cabelos e me levaram a uma reflexão e uma visita ao passado. Escrevi aqui no inicio dessa narrativa, lá nos primeiros capítulos, e repeti algumas vezes que eu, Herculano, era uma pessoa descrente e desiludida com as mulheres e com relacionamentos. Várias vezes repeti algo nesse sentido, até que Lara me fez mudar essa certeza. Como estou aqui contando minha vida e minhas derrotas, vitórias e erros, acertos, medos e frustrações, acho que chegou a hora de revelar o motivo que me levou a ter essa pseudo certeza. Normalmente nossas certezas vêm de duas fontes: uma grande realização ou uma grande frustração. Minha certeza de que relacionamentos afetivos eram coisas que eu não acreditava mais vinham de uma grande frustração. Frustração oriunda de uma grande decepção afetiva. Nada mais frustrante do que o sentimento de injustiça e relatarei aqui exatamente o que ocorreu e o que eu senti.

Eu sempre acreditei no Amor como sentimento maior do ser humano. Era do tipo que sonhava, acreditava, embarcava de cabeça sem medos ou receios até que um dia Deus me colocou em uma situação que hoje vejo com clareza quais seriam seus objetivos.

Conheci uma mulher que me fez viver uma sensação que eu não conhecia. Na época achei que era amor e mergulhei de cabeça. Éramos de mundos diferentes, crenças diferentes, criações diferentes, horizontes diferentes. Poderia dizer, quase que de mundos. Apaixonei-me por aquele sorriso e pelo desafio que aquela relação representaria em minha vida. Até então, sempre tinha sido movido por desafios. Queriam me ver vibrar era só me colocar perante um desafio, daqueles de assustar e dar medo até no Rambo. Eu não tinha medo de nada, ou quase nada.

Foram tempos difíceis. Inicialmente fiquei cego e surdo. Preferi não ver e não ouvir o que era claro para todos aqueles que queriam meu bem. Dediquei um grande tempo da minha vida a quem não merecia e não dava valor. Vi minha dedicação, meu amor e meu esforço serem desperdiçados e tratados com desdém. Me acostumei a viver de migalhas, sobras e conveniências. Nos momentos difíceis eu estava sempre sozinho e nos momentos bons eu estava sempre acompanhado. Impressionante como ficamos tão cegos e tão idiotas durante períodos de nossas vidas.

Foram tempos muito difíceis. Enquanto eu estava cego, não percebia que essa era a realidade e quando passei a enxergar tudo com clareza, eu era como um dependente químico. Sabia que aquele vício, aquela dependência só me fazia mal. Tentava me libertar, mas sofria com crises de abstinência. Tinha recaídas e me afundava novamente, como dependente que acredita que a droga não lhe causará mais males. Sofri, chorei, vi meus amigos desistirem de me aconselhar e me tratarem como um caso perdido. Sofri e chorei muitas vezes por me sentir tão idiota e impotente perante algo que no fundo eu sabia que só me fazia mal.
Eu sabia que só em Deus eu encontraria forças para sair daquele buraco, daquele círculo vicioso no qual me encontrava. Me refugiei em mim mesmo, busquei dentro de mim e na fé, forças para me reestruturar até que consegui dar meu grito de liberdade. Cortei o mal pela raiz. Dei um basta. Me afastei por completo e tirei da minha vida tudo que me lembrasse esse período nefasto.

Tudo na vida têm efeitos colaterais e como eu havia sofrido muito para me libertar, decidi dentro de mim, que nunca mais me entregaria novamente ao amor por completo. Havia um equívoco em meus pensamentos. Um equívoco provocado pela dor e pelo sofrimento e que hoje, deitado aqui em minha cama com o coração em paz, me preparando para dormir, consigo ver com espantosa clareza.

Durante um tempo eu achei que o amor, que o amar, tinha sido o meu grande erro e a causa de meu sofrimento. Ledo engano que cometi e que hoje agradeço por ver a verdade se descortinar em minha frente. Amar jamais será um erro. O erro é amar e se entregar a quem não te merece. Seu amor é o que você tem de melhor dentro de si, então, use com prudência e com inteligência. De seu amor somente aquele que merecer e que fizer jus. Amar a quem merece só traz alegria e felicidade. Eu estava dando meu amor à Lara e isso só estava me fazendo bem. Lara era minha recompensa por vencer meus traumas e medos. Lara era a cura, ou o sintoma de que eu estava curado. Eu era novamente capaz de amar, um amor puro e merecido.

Nesse momento lembrei-me de um poema que para mim retrata muito bem esse momento e que divido aqui com vocês que acompanham a história de Herculano:

“Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade. (...)
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.”

E agora que vocês conhecem um pouco mais sobre Herculano, talvez entendam melhor algumas coisas que contei até aqui. Talvez perdoem alguns erros cometidos e alguns medos revelados.

Me vejo hoje numa fase ainda de desafios, mas de atos e decisões muito mais conscientes e equilibradas. Muitas surpresas ainda me aguardam!

Peço desculpas, mas vou encerrar por aqui, pois minhas pálpebras pesam sobre os olhos e a semana será dura. Lucas deixou uma série de tarefas em minhas mãos antes de sair de Búzios. Não posso decepcionar meu amigo, sócio e irmão. O sono chegou e com ele uma paz de quem, ao revelar e dividir com vocês meu drama do passado, se libertou de vez. Estou pronto para novos amores, justos, leais, merecidos. Obrigado Senhor por ter me feito viver todo o sofrimento que vivi. Hoje sou capaz de reconhecer o valor de um amor verdadeiro e saudável, e principalmente capaz de distinguir o que é doentio do que é saudável.

Fechei os olhos e dormi como uma criança. Sonhei com anjos e querubins...


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Capitulo 38 - Um Brinde!

Chamei Lara para perto e entreguei a ela a caixinha que seu pai havia trazido com ele. Lara abriu e seus olhos brilharam num sorriso. Eram as alianças! Em ouro branco e ouro amarelo, a masculina  simples e a feminina com um brilhante lindo no meio. Era difícil algo tornar Lara ainda mais bela e elegante, mas quando coloquei no seu dedo anular da mão direita e a pedi em casamento, ela ficou ainda mais linda e eu mais apaixonado.

Coloquei o anel em seu dedo e pedi a ela que me desse a oportunidade de passar o resto da minha vida com o objetivo maior de fazer de Lara  a mulher mais amada e respeitada entre todas. Meus olhos brilhavam e as lágrimas corriam pelo meu sorriso de felicidade. Lara olhou para mim, passou as mãos sobre meu pescoço, ficou na ponta dos pés, me beijou com aquele sorriso que só ela sabia fazer e me respondeu: “Estar ao seu lado já me faz a mais feliz. O jeito que você me olha e me cuida me fazem sentir especial e muito amada por você meu querido! Claro que eu quero me casar com você!”

As palavras eram doces como o mel! “meu querido” e “claro que quero casar com você”. Era tudo que eu queria ouvir. Brindamos com champanhe e demos inicio à merecida  comemoração. Fiquei feliz em ver nossos pais conversando animadamente. Era muito importante para mim e para Lara que nossas famílias interagissem bem e isso parecia caminhar tranqüila e naturalmente. 

Sentei ao lado de Lucas para conversar, ele e Júlia seriam nossos padrinhos com toda certeza. Comentei com Lucas sobre como a vida nos reserva surpresas que jamais imaginamos acontecer. Há poucos meses eu era um homem solteiro, desiludido com as mulheres, meio perdido e que não acreditava no amor. Se alguém dissesse que eu me casaria em breve eu chamaria de maluco e mandaria procurar um psiquiatra. Agora, ali estava eu, feliz, apaixonado, leve, com olhar bobo no horizonte. Lara havia me transformado. Confessei para Lucas que antes de conhecê-la melhor, eu até a achava meio esnobe, metida. Como somos idiotas! É típico do ser humano prejulgar, criar estereótipos, idéias pré-concebidas. Como eu tinha sido injusto com meus pensamentos. Depois de conhecer Lara melhor eu mudei muita coisa na minha cabeça. Na verdade, Lara, Lully e Martha, cada uma à seu modo, haviam contribuído muito para a formação do Herculano de hoje. Cada uma delas  havia lapidado e amadurecido um pouco aquele Herculano que agora conversava com Lucas. Meu amigo falou que estava muito feliz com tudo que estava acontecendo na vida de todos. Ele estava muito feliz com a vinda de Rafa, com a nova empresa e agora com a notícia do meu noivado com Lara e para completar com o fato de tudo acontecer em sua casa. 

Ficamos ali conversando como dois irmãos sobre a evolução de nossas vidas, desde o dia que nos conhecemos até hoje. Os apertos, os dias de dureza, as aventuras, os romances, as famílias. Era muito bom ter um “irmão” como Lucas. Comentamos também sobre a simplicidade dos pais de Lara. Eles eram ricos e da alta sociedade, mas nem assim se importaram com a ideia de um noivado simples, improvisado de surpresa, num churrasco na casa de Lucas. São ricos, têm berço mas não são esnobes, isso era uma boa característica em meus sogros. Dr. Oswaldo não era bobo, sabia fazer negócios e usar bem suas armas, mas com a família e principalmente com a filha, ele era um pai inteligente. Sabia que Lara ficaria muito feliz com a ideia que eu e Júlia havíamos planejado. Apoiou de primeira e deixou a escolha das alianças a cargo do bom e refinado gosto de Dona Heloísa. Tudo caminhava bem, estava feliz e agradecido a Deus por tantas bênçãos em minha vida.

Logo depois foi a vez de sentar com meu pai um pouco. Ele também estava muito feliz e sereno. Era do tipo que não se empolgava em excesso, transmitia serenidade. Aproveitou para dar alguns conselhos sobre como aproveitar bem aquela oportunidade. Sempre frisando sobre a importância de não se tirar os pés do chão, ficar atento com o que ele chamava de veneno da vaidade e da soberba. “Quando esses sentimentos dominam o coração de um homem, é o primeiro passo rumo a perdição!”. Ouvi isso várias vezes e no atual momento era realmente muito válido ouvir novamente para não esquecer. A Vida mudava muito rápido e manter minha essência seria de fundamental importância para não me perder nos caminhos tortuosos que a vida oferece. Fizemos alguns brindes junto com Lucas e Dr. Oswaldo. 

A Festa foi muito boa, dança bebida e boa comida. Além do sol e uma bela paisagem. Tudo perfeito para aquele momento. Tiramos várias fotos para guardar e montar o álbum do casal. Ficamos lá até o fim do dia. O motorista levou nosso carro para o RJ e nós voltamos todos de helicóptero. Foi a primeira vez que fiz um vôo de helicóptero. Dr. Oswaldo riu do fato de eu entrar meio desconfiado e falou. “Relaxa meu genro, vais andar muito ainda nesse bicho. A primeira vez é assim mesmo, depois você vicia, é rápido e prático e ajuda muito no mundo dos negócios. Você vai se acostumar!”. Ele estava certo. A viagem foi rápida, segura e tranqüila e nesse dia descobri que havia um heliponto na cobertura do prédio de Dr. Oswaldo. Eu era ainda um calouro naquela vida nova. Havia muito a aprender.

Acabei ficando um pouco na casa de Lara, conversando com ela e com Dona Heloísa. As duas já começavam a planejar o casamento. Disse a Lara que ela podia escolher tudo, que devia fazer o casamento que ela quisesse, eu não tinha exigências e nem restrições. Casamento é a festa da mulher e eu não tinha nenhuma pretensão de me meter. Seria um convidado de honra e faria mesmo tudo para ver minha amada feliz. Ela contava as coisas com empolgação e brilho nos olhos. Eu não tinha idéia da quantidade de coisas que envolvem um casamento. Pelo que Lara e dona Heloisa diziam, seria um evento brilhante do qual eu teria mesmo muito orgulho de participar. Depois de mais ou menos uma hora e meia de papo me despedi e fui para casa. Lara pensou em ir, mas ela tinha consultório cedo, ia à creche também e eu queria que ela descansasse. O fim de semana foi corrido e eu tinha a vida inteira com ela pela frente, não tinha pressa.

Peguei o carro e segui para casa. Passei pela Lagoa e fui pensando na vida, no futuro, no ritmo acelerado que  eu teria de trabalho pela frente, nos planos pro casamento. Teríamos que pensar onde morar, por exemplo. Era muita coisa! Meu pensamento viajou tanto que mal reparei no caminho. Minha mente voltou à infância, me lembrei dos tempos de escola, das brincadeiras, jogos de futebol... Minha vida passou como um filme em minha mente. Há tempos eu não sentia isso. Uma sensação de paz, de plenitude. Só queria chegar em casa, desarrumar minha mala, preparar a roupa para a segunda feira. A semana de trabalho já não causava mais frio na barriga, já não dava mais aquele medo. O sentimento era de desafio, de crescimento. Eu estava firme, decidido e ansioso por dar resultado, por fazer as coisas acontecerem.

O Celular tocou, era um dos amigos da turma do Estephanios, chamando para uma rodada no bar e reclamando do meu sumiço. Realmente eu estava muito sumido dessa turma. Pensei em deixar para outro dia, prometer passar por lá na quinta-feira ou coisa assim, mas logo admiti que eu nunca iria lá numa quinta-feira. Minha semana na empresa consumia quase todo meu tempo e se eu tivesse uma folga iria ver Esther e se tivesse duas, iria ver Lara. Prometi então passar para uma rodada. 

Cheguei um pouco antes do fim da roda. A mesa estava cheia, Jorge e Cláudia foram os primeiros a me receber, com abraços e brindes. Nascimento também estava lá e Martha com Chris! Sentei e logo chegou o meu chopp.  Já cheguei me desculpando pelo sumiço, todos me colocaram aquela pilha normal quando um amigo fica ausente: “Ta casado, dominado, ficou rico, ficou metido, ganhou na loteria” e outras bobeiras do tipo. Comecei a contar um pouco sobre a loucura de trabalho que minha vida havia se tornado, sobre a correria da nova empresa e etc. Quando me preparava para falar de Lara, Martha me interrompeu. Mulher é fogo, repara em tudo, ela viu a aliança em minha mão quando ergui o copo para pedir mais um chopp. “Vai casar Herculano???” Gritou marta em alto e bom som e parece que foi combinado. Martha gritou exatamente na hora que o grupo parou uma música para começar outra.

 O Bar inteiro parou para olhar para mim! Fiquei meio envergonhado, mas como dizia um amigo “fica logo vermelho de uma vez que passa! Não fique refém!” Lembrei do conselho dele, me levantei, peguei o microfone do cantor e comuniquei: "Queridos amigos, informo a todos aqui que meus dias de solteiro terminaram. Vou me casar em breve e como sou antigo estou noivo!!! Uma rodada de chopp por minha conta para todos os presentes para mostrar como estou feliz e casando por livre e espontânea vontade!!  Um brinde ao amor!!!”

Enquanto minha rodada era servida o grupo me brindou com uma homenagem, entoando em ritmo de samba os versos de Caetano Veloso:

"Menina do anel de lua e estrela
Raios de sol no céu da cidade
Brilho da lua oh oh oh, noite é bem tarde
Penso em você, fico com saudade
Manhã chegando
Luzes morrendo, nesse espelho
Que é nossa cidade
Quem é você, oh oh oh qual o seu nome
Conta pra mim, diz como eu te encontro
Mas deixa o destino, deixe ao acaso
Quem sabe eu te encontro
De noite no Baixo
Brilho da lua oh oh oh, noite é bem tarde
Penso em você, fico com saudade"