quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Capitulo 33 – Um novo amanhecer

Acordei no quarto de Lara, numa bela manhã de domingo. Lara era mesmo uma mulher ímpar. Sempre pensando em tudo, sempre dedicada e zelosa. Ficamos ali namorando um pouco e curtindo um a companhia do outro pela manhã, quando eu disse a ela que precisaria ir embora, pois não tina nem roupa apropriada para uma manhã de sol. Nessa hora Lara revelou mais uma de suas especialidades, pensar em tudo. Tirou do armário algumas caixas com presentes; duas camisetas, uma bermuda, chinelo, um tênis, sunga, meias... Lara era quase irreal. O que eu teria feito para merecer uma mulher assim? Tomamos um belo banho e fomos para a sala saborear o café da manhã. Dr. Oswaldo já havia lido os jornais e deixou uma matéria sobre a mesa:

Os Oliveira Telles abrem sua cobertura para apresentar Herculano Marins, futuro genro e empresário do ramo de construção civil à sociedade.

Em um discreto e elegante jantar, o casal apresenta o rapaz de sorte que conquistou o coração da bela Lara a maior jóia da família.” 

O texto acompanhava uma das diversas fotos feitas durante o jantar. Lá estávamos eu, Lara e meus sogros. Dei um sorriso meio surpreso e logo meu amor me abraçou e me acariciando a cabeça sentenciou: “acostume-se meu amor, volta e meia sai algo sobre papai e mamãe. É comum. Ficamos lindos não é mesmo?” Realmente a vida seria outra. Antes e depois de Lara.

Tomamos um belo café da manhã e fui brindado por meu futuro sogro com sábias palavras sobre negócios e economia. Dr. Oswaldo era mesmo um homem muito inteligente, eu ouvia com especial atenção todas as suas palavras, como quem quer absorver ao máximo os conhecimentos ali passados gratuitamente. Meu telefone tocou diversas vezes. Meus pais, alguns parentes e os amigos. Vários deles me parabenizando ou apenas comentando que me viram no jornal. Os mais íntimos brincando e fazendo piada por eu ter aparecido numa coluna social. Logo eu, que tinha sido um menino tímido da zona norte. Coisas da vida!

Fui com Lara dar uma caminhada em torno da Lagoa. Eu amava aquele cartão postal e acordando ali, praticamente às margens, não poderia resistir. Eu e Lara caminhávamos felizes. Mãos dadas, mil sorrisos um para o outro, alguns beijinhos e um astral que contagiava a qualquer um que passasse por nós. Olhávamos os demais casais com seus filhos e já pensávamos em que nomes daríamos às nossas futuras crianças. Eu sempre quis filhos e Lara trabalhava com crianças. Seria uma mãe maravilhosa. Durante boa parte, conversamos sobre como nos conhecemos e como nosso amor surgiu de forma inesperada e pouco provável.

Uma revelação de Lara me deixou surpreso e comovido. Ela me contou que quando viajamos para o churrasco de Búzios, Júlia comentou que eu também iria. Perguntou se ela lembrava de mim e em seguida disse que eu era um grande amigo deles, meio perdido ainda, mas de ótimo coração. Nunca imaginei que Júlia faria esse tipo de comentário a meu respeito. As mulheres sempre nos surpreendem. Lara confessou que o depoimento de Júlia fez com que ela fosse para a viagem um tanto quanto curiosa em me conhecer um pouco mais e em desvendar minha personalidade. Lara contou que o fato de eu ter me retirado da roda de violão e ido para a cama foi o que despertou nela algo diferente. Como era de se esperar, Lara ficou surpresa por eu não ter me aproveitado do seu momento de fraqueza.

Meu amor! E eu estava ali, indefesa e vulnerável, era uma presa fácil. O que você demonstrou por mim naquele momento foi algo importantíssimo para qualquer mulher: Respeito! Você me respeitou, e o respeito é ingrediente fundamental para o amor existir”.Abracei apertado minha namorada e a olhei no fundo dos olhos antes de beijá-la. Após o beijo disse pela primeira vez: “Eu te amo!”. Um “eu te amo” que parecia vir do fundo do meu coração. Meus olhos brilhavam e meu coração saltava dentro do peito. Tudo que eu queria era ter aquela mulher ao meu lado para o resto da vida. Na verdade eu queria muito mais do que tê-la comigo para o resto da vida, eu queria, com todas as minhas forças, fazê-la feliz, muito feliz. Não sabia direito como fazer mais feliz aquela mulher que tinha tudo na vida, mas eu estava disposto a descobrir. Eu seria um novo e determinado homem.

Daquele dia em diante eu sentia que havia nascido em mim um novo homem. Um homem que eu me orgulhava em conhecer. Cada descoberta era uma conquista. Eu queria ser uma pessoa melhor. Queria ser admirado por Lara e deixá-la orgulhosa de mim. Podemos fazer grandes mudanças em nossas vidas e obter várias conquistas. O que diferencia as pessoas são os motivos que nos levam a isso. Muitos podem ser movidos por ambições, por afirmação, por orgulho, vaidade, vingança. Eu seria movido pelo mais nobre dos sentimentos, o amor. Eu me sentia um homem melhor porque sentia que o amor circulava em minhas veias, me rejuvenescia e me enchia e forças coragem e determinação.

Lara sorriu ao ouvir minha declaração e com seu semblante sempre lindo e sorridente me respondeu: “Achei que esse dia nunca chegaria! Meu amor é seu meu querido, meu amor!” Não sei bem o motivo, mas me apaixonei pela forma nova com que Lara me chamou.”Meu querido”. Achei singelo e sincero. Sorri feliz e abracei Lara para sempre. Um abraço interminável e apaixonado. 

Paramos ali mesmo para uma água de coco. Olhávamos o Cristo Redentor abençoando a cidade maravilhosa. Muitas coisas se passaram em minha mente, mas só uma ficava, Lara...

Estávamos ali perto do Monte Líbano e decidimos ir até a praia dar um mergulho. O dia estava lindo demais e quente, muito quente. Caminhamos até a praia, lá encontramos alguns amigos com quem ficamos um bom tempo de papo. Todas as meninas haviam visto nossa foto e brincavam com Lara sobre ela ser chique e etc. Os meninos estavam mais preocupados em falar de futebol e sobre as belas mulheres que desfilam por Ipanema e Leblon. Era bom demais viver aquele ambiente de praia, sol, bom papo, bom astral. Dizem que uma coisa puxa outra. Quando estamos perto de pessoas derrotadas ou derrotistas ficamos mal, quando estamos com pessoas do bem com a vida, de bom astral, tudo melhora. Eu começava a sentir aquilo na pele. Cercado de gente bonita, inteligente, bem resolvida, meus problemas começavam e perder tamanho e minha mente se enchia de otimismo e de perspectivas. Eu deixava para trás o Herculano pesado, carregado, que hesitava, tinha medos e incertezas, para ser um Herculano mais ousado e corajoso. Ficamos na praia até umas 14 horas, quando resolvemos sair para almoçar com meus pais. 

Ao voltar para o apartamento de Lara, passamos pelo Jardim de Alá e, quase chegando na Lagoa novamente, eu avistei Lully do outro lado da rua.

Capitulo 32 - O Jantar

Um soninho gostoso no final da tarde de sábado e eu estava novinho em folha e animadíssimo para o jantar em família na casa de Lara. Um belo banho, barba feita, cabelo cortado e bem penteado. Quase pronto e recebo uma ligação de Lara, carinhosa como sempre. Disse que estava me esperando ansiosa e me deu umas dicas sobre como me vestir para o jantar. Achei aquilo um tanto quanto curioso, mas Lara era tão linda e doce que qualquer pedido seu era atendido por mim de ótimo grado. Coloquei então uma calça de tecido, uma camisa e um blazer. Me olhei no espelho e fiquei até impressionado. Não é que eu estava mesmo bacana? Ri de mim mesmo e de meus pensamentos. Acho que quando o coração está apaixonado, tudo na vida fica mais leve, mais divertido. Peguei o carro e segui em direção a casa de Lara.

Cheguei uns dez minutos antes do horário combinado. Eu sempre gostei de chegar um pouco antes do horário - sempre odiei atrasos - sendo assim, não gostava também de fazer os outros esperarem. Na porta do edifício, um movimento diferente do normal, alguns fotógrafos e algum movimento de imprensa. Estacionei meu carro um pouco a frente e entrei a pé, procurando ser discreto no passar. Pensei comigo: “Deve morar algum artista aqui nesse prédio, deve ser algum global, ou algum político. Melhor passar de lado para não incomodar esse pessoal”. Nunca fui do tipo curioso que para em frente às aglomerações nem daqueles que gostam de acompanhar as celebridades. Sempre achei bom ser discreto e até me acho um pouco tímido. Entrei pela porta lateral, o porteiro sorriu e, sem tocar o interfone, me disse um cordial “pode subir Dr. Herculano.” Dr. eu? Acho que deve ser ordem do síndico chamar as visitas de Dr. Entrei no belo e espelhado elevador. Impossível não se ajeitar frente a um espelho. Subi até o andar de Lara e aí começaram as surpresas da noite. 

Toquei a campainha e a porta não foi aberta pela governanta e nem por Lara. Um senhor de fraque e luvas brancas abriu a porta educadamente e orientou: “Por aqui Sr., a família o aguarda na sala de estar”. Comecei a achar que aquilo não seria um simples jantar de família. Lara me viu e logo veio ao meu encontro. Me deu um leve beijo nos lábios e um elogio sincero: “Você está muito elegante meu amor!” Lara estava linda. Um vestido verde escuro, na altura do joelho, de alças e decote comportado. Belos brincos e colar fazendo conjunto, e sua arma mortal: os loiros e lindos cabelos lisos e soltos. Lara estava tão encantadora que demorei a perceber no exagerado número de convidados na sala para um jantar de família.

Olhei por sobre os ombros de Lara e percebi garçons, bandejas, fotógrafos e umas vinte e cinco ou trinta pessoas pela sala de estar e pela bela varanda de frente para a lagoa Rodrigo de Freitas. Lara, com seu charme, falou baixinho ao meu ouvido: “Hoje você será mais de papai do que meu. Boa sorte meu amor, seja natural e tudo correrá bem.” Dr. Oswaldo veio em minha direção e percebi que Lucas e Júia já estavam na festa. Sim, aquilo era uma festa e não um jantar de família.

Bem vindo meu genro, essa pequena reunião é para apresentá-lo oficialmente como novo empresário promissor da sociedade carioca.” Dr. Oswaldo havia mesmo preparado uma bela surpresa. A partir daquele dia eu comecei a aprender e entender como aquele extrato da sociedade se comportava. Para entrar, era preciso ser convidado, apresentado oficialmente. No jantar de Dr. Oswaldo estavam empresários, membros da alta sociedade, alguns políticos e banqueiros. Fui apresentado por Dr. Oswaldo a cada um deles. Dr. Oswaldo parava, me apresentava como genro e empresário, fazia para mim uma breve apresentação de cada um de seus convidados: "Dr Fulano, Deputado Federal, Sr. Sicrano, Empresário, Dr. Beltrano, juiz Federal" e assim foi. Um a um, com intimidade e naturalidade. Agora eu entendia o movimento estranho na portaria do prédio.

Lucas veio conversar comigo logo após essa maratona. Disse que Dr. Oswaldo pediu pessoalmente que não revelasse a mim antecipadamente o teor e objetivo do jantar, queria ver como seria minha reação ao ser surpreendido. Lucas disse que fui bem e que aparentei naturalidade. Realmente eu não era do tipo que perdia o rebolado frente as surpresas da vida. Martha tinha me treinado para surpresas com a história da gravidez e do namoro com Crhis. Lucas me contou que depois do evento promovido por Dr. Oswaldo, muitas portas se abririam para nosso novo empreendimento e ele estava mesmo certo, como vocês verão em novas narrativas.

Dez minutos depois  eu já estava mesmo à vontade. Dr Oswaldo ia me apresentando e eu ia puxando assunto, elogiando sempre a competência dos homens e a beleza e juventude das mulheres. Aprendi com meu avô: “conquiste o coração das mulheres e sua vida será mais fácil, terá importantes aliados”. Ele estava certo, homens gostam de ser bem sucedidos, suas mulheres de serem jovens e belas. Eu estava indo bem no meu vestibular. A festa era uma beleza! Música suave, champanhe , uísque 18 anos e canapés deliciosos. O jantar , dos deuses. Chique e delicioso. Porcelana inglesa, talheres de prata, cristais, muitos cristais.

Ao final da festa apenas a família estava na sala e Dr. Oswaldo sentou-se ao meu lado e sentenciou: “Bem vindo meu genro. Hoje você foi apresentado a pessoas que podem ajudar muito no seu novo caminho. Agora depende de você. Um homem precisa saber enfrentar com habilidade as surpresas que a vida nos reserva, por isso fiz questão de não te preparar para o evento. Você passou no teste, teve sangue frio e demonstrou firmeza e segurança ao ser surpreendido. Um homem de negócios não 'assina recibo', absorve os golpes, administra e digere. Com certeza tens ainda muito a aprender, mas tens potencial. É um prazer recebê-lo em nossa família. Minha filha parece que finalmente fez uma boa escolha, você me parece bem diferente do bunda mole do ex-marido.

Estava claro para mim que Dr. Oswaldo seria um ótimo aliado e um terrível adversário. Lara me convidou para dormir em sua casa. Em seu quarto, um belo pijama de seda, segundo ela, um presente para seu futuro marido. As coisas pareciam estar ficando mesmo sérias, mas aquilo tudo me fascinava ao invés de me assustar. Uma overdose de serotonina foi despejada em minha corrente sanguínea. Eu estava vivendo um inesquecível e inesperado momento em minha vida. Vesti meu pijama e antes de me deitar agradeci a Deus por todas as bênçãos alcançadas até aquele dia.

Amei Lara como nunca amei mulher nenhuma em minha vida. Naquela noite ela adormeceu em meu peito e eu ainda fiquei uma meia hora fazendo carinho em sua cabeça , tentando fazer com que ela sentisse o quanto eu estava feliz e agradecido a ela por me escolher, me amar e me fazer tão feliz. Naquele momento meu mundo era de Lara. Recitei baixinho para Lara e para mim:

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Prá te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Mensagem do autor

Como todos vocês meus amigos e leitores sabem, ainda não é Natal na História de Herculano que se passa em 2002. Peço licença a vocês para fazer uma breve reflexão e dividi-la.
Essa é a época do ano em que a grande maioria, cristãos ou não, se reúne com seus familiares de sangue e ou com os amigos, que são a família com a qual a vida nos presenteou.
Há 2011 anos, comemoramos o nascimento de Jesus. Esse fato representa a esperança de um mundo melhor, de mais amor no coração das pessoas e do amor maior de Deus pela humanidade. Jesus representa o maior ato de amor de Deus para conosco.
Um homem que nasceu numa manjedoura, em um estábulo. O Nascimento de Jesus como narrado nos leva a várias constatações.
Jesus não nasceu em uma casa de luxo e nem de nobres pais. Nasceu filho de pessoas do povo, humildes e simples. Jesus é para o povo!
Ao nascer, foi visitado por pastores de ovelhas e por reis magos do oriente. Isso mesmo, reis magos do oriente, árabes e pastores de ovelhas, judeus. Jesus não veio para dividir, veio para unir.
Jesus pregou a tolerância, o respeito o amor e a união.
“ Ama o teu próximo como a ti mesmo”
“Novo mandamento vos dou: de a outra face”
 O mundo nos leva a sermos intolerantes, impacientes, e críticos demais. Pensamos primeiro no “eu” e não no “nós”
Que mundo estamos construindo para nossos filhos e netos?
Jesus nos ensinou a perdoar e a amar. Só nós podemos fazer um mundo melhor, começando cada um a dar o bom exemplo.
Amigos e leitores, aproveitem esse momento especial para se reconciliar com aquele parente, ou aquele amigo com quem estamos tristes ou magoados. Vamos encher nossos corações de amor ao próximo e de perdão. Quando perdoamos  nós alimentamos e rejuvenescemos nossos espíritos. A Vida já é muito difícil por si só, não precisamos carregar em nossos corações mais mágoas e tristezas.
Aproveito esse momento e esse espaço para pedir perdão a todos àqueles que em algum momento eu causei tristezas ou mágoas. Do fundo do meu coração eu peço que perdoem minhas falhas e meus erros. A todos aqueles que um dia fiquei magoado ou aborrecido eu dou aqui em publico meu perdão também. Reconcilio meu espírito  com vocês e com Deus.
Obrigado Senhor pelo grande presente que o Senhor deu a todos nós. Cristo seu filho, para encher nossos corações de amor fé e esperança.
Desejo à todos um Feliz Natal. Que seus corações se encham de amor e alegria. Que sejam muito felizes e tenham muita paz e saúde.
Aos meus Leitores, conhecidos e desconhecidos, Muito obrigado por de uma forma ou de outra fazerem parte da minha vida.

À minha família e meus amigos, meu muito obrigado por fazerem minha vida tão agradável.
Jesus é a certeza de que um dia estaremos juntos para sempre daqueles que amamos e que tem cristo no coração!
Um beijo para vocês

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Capítulo 31 – O dia de Sábado.


Dormi um sono tranqüilo e leve. Nada como estar com a consciência tranqüila por estar fazendo a coisa certa. Dormir cedo, descansar e no dia seguinte, me preparar para o Jantar na casa dos Oliveira Telles. Tomei meu habitual café na padaria perto de casa. Um breve papo com os freqüentadores de fim de semana e também com os garçons. Era um belo sábado de sol na cidade maravilhosa. Passei a vista no jornal que trazia notícias animadas sobre futebol. O Brasil tinha se sagrado penta campeão mundial com grandes atuações dos craques da época: Rivaldo e Ronaldo, esse apelidado de Fenômeno pelos belos gols realizados durante uma carreira de sucesso marcada por graves contusões. Ronaldo se tornaria um dos maiores ídolos do futebol brasileiro e mundial e um belo case de Marketing bem feito. Éramos novamente os maiores e melhores do mundo. 

Nada como vitórias futebolísticas para encher o povo brasileiro de orgulho da pátria. Esquecemos a miséria, a corrupção, os desmandos, a impunidade, o caos na educação e na saúde e todas as mazelas e vamos todos para as ruas com as cores da bandeira comemorar. É isso aí, já dizia um velho sábio, pão e circo e vamos em frente! Pra frente Brasil! Terminei o jornal e deixei com Seu Juca, um aposentado que sempre esperava eu terminar para ficar com a “cola”. Ele agradeceu minha generosidade com um sorriso e um bordão criado pelo genial Chico Anysio: “Queria ter um filho assim!”. Eu sempre sorria e seguia meu caminho. 

Estava indo para casa quando o celular vibrou. Era uma mensagem de Lara: “Meu lindo, você ficará muito bem de blazer hoje à noite. Estarei linda para você. Hoje será uma noite especial, você vai tirar de letra! Beijos da sua Lara.” Fiquei pensando comigo mesmo quando eu iria de blazer num jantar na casa de meus pais. Acho que nunca. Posteriormente eu descobriria que não dei a devida importância ao convite de Dr. Oswaldo e ao torpedo de Lara. Felizmente eu gostava muito de estar bem vestido e depois da sugestão de Lara resolvi também ir ao shopping.

Aproveitei a manhã de sol para fazer um passeio pela praia. Liguei para Martha e fiz o convite. Martha agora não oferecia mais nenhum perigo a minha nova vida e, como amiga, ela era das melhores companhias que uma pessoa pode ter. Além de tudo estudou filosofia e sociologia. Seus conselhos seriam de grande valia. Caminhamos do posto 12 até o Arpoador. Chegando lá, fomos até as pedras e sentamos para apreciar a vista e conversar. A vista das pedras do arpoador é mesmo de encantar qualquer pessoa, Deus caprichou na arte quando desenhou São Sebastião do Rio de Janeiro. 

Para minha alegria, Martha estava muito bem. Feliz e bem resolvida com o atual momento de vida. Curioso como traçamos estereótipos que nada tem a ver com a realidade. Martha e Christine eram mulheres doces, femininas e bonitas, diferente do que costumamos imaginar quando pensamos em um casal de mulheres. Martha me explicou como se sentia e falou um pouco sobre como era namorar Chris. Ela disse que descobriu que pode amar qualquer ser humano e que para elas o fato desse ser humano ser homem ou mulher não era primordial. Christine também já havia namorado homens e Martha era sua segunda experiência. Para Martha tudo era novidade. Segundo ela, uma mulher está mais preparada para entender o que a outra sente e pensa, e simplificou bastante as coisas para o meu entendimento. “Herculano, se não pintar atração física, se tornam amigas, se pintar, se tornam namoradas, simples assim!”. Eu ouvia toda aquela explicação com certo espanto. Não por preconceito ou algo do tipo, mas por ser algo inusitado para mim. Eu nunca havia conversado com alguém assumidamente homossexual, então era tudo muito esquisito. A forma com que Martha tratava o assunto me fazia admirá-la ainda mais e aprender a respeitar que as pessoas são diferentes, tem todo direito de ser diferentes, sem que isso as torne melhores ou piores. Respeitar as diferenças, uma lição que eu levaria para sempre como um dos alicerces da minha personalidade.

Martha se disse muito feliz com tudo que contei a ela sobre minhas diretrizes atuais. Sempre torceu muito por minha felicidade, mas me achava um pouco perdido, sem saber exatamente onde queria chegar e como faria isso. Seguindo Martha, o que fez ela se aproximar de mim e ter esse carinho especial foi o meu jeito meio perdido. Talvez eu estimulasse o instinto materno que toda mulher tem naturalmente dentro de si. Ela disse que começou a se aproximar de mim lá no bar porque me via sempre com um olhar meio no horizonte. Disse que eu parecia sempre um sonhador e que eu tinha uma coisa de menino na forma de tratar as pessoas. Sempre aberto a ouvir conselhos, sempre interessado nas histórias pessoais de cada um.

Bacana ouvir essas coisas de Martha. Eu aprendi a ser sempre um bom ouvinte. Sempre gostei mais de ouvir as pessoas do que falar. Alguns me achavam fechado ou introspectivo por causa disso. Lembrei que Lully se aproximou de mim porque ela e suas amigas de repartição me achavam tímido e misterioso. Será que eu passava uma imagem assim de forma inconsciente? Será que as pessoas não estão acostumadas com pessoas que ouvem mais do que falam? Continuei a ouvir Martha. Eu achava mesmo Martha muito inteligente e culta. Estava ali novamente tendo uma aula com minha querida amiga, uma aula sobre a vida e sobre o comportamento humano. Depois desse dia, nossa amizade ficou ainda mais forte. Nos tornamos como irmãos que vida uniu. Prometi a Martha convidá-la para ser minha madrinha de casamento e fiz uma piadinha: “só não sei se a Chris poderá ser o par!”. Ela riu e me deu um tapa do tipo deixa de ser bobo garoto! Rimos um pouco, nos abraçamos como dois amigos que se amam podem se abraçar. Mais uma vantagem de Martha, podíamos andar de mãos dadas sem que isso se configurasse um risco de deslize! 

Combinamos de ir juntos ao shopping e Martha me ajudou a selecionar o visual do meu jantar. Saímos do shopping e fomos almoçar. Como forma de gratidão, levei Martha em um dos mais tradicionais restaurantes do Rio de Janeiro, o Nova Capela na Lapa. Inaugurado em 1923 com o nome de Capela e reformado em 1969, serve culinária variada e exótica. Frequentado por um público alternativo que vai de intelectuais e artistas à jovens depois da noitada, o restaurante só fecha após o último cliente pedir a conta. Sua decoração é excêntrica, onde em meio aos tradicionais azulejos portugueses encontram-se cartazes de teatros e filmes antigos. Os garçons são eficientes e simpáticos. A casa tem como entrada um delicioso bolinho de bacalhau. O meu prato preferido é o cabrito com arroz de brócolis, ambos insuperáveis e sempre acompanhados de um chopp cremoso e geladíssimo, super bem tirado.

Falamos sobre o charme do lugar e do prato escolhido. Bebemos alguns chopps e fomos para a casa, já no meio da tarde. Eu precisava dormir um pouco para me arrumar e Martha tinha seus compromissos com Christine. Um dia de sábado delicioso, preliminar de uma noite de muitas emoções.

Durante o sono da tarde eu sonhei com Lara, um sonho com trilha sonora e tudo, e na voz do grupo Roupa Nova:

Linda
Só você me fascina
Te desejo
Muito além do prazer
Vista
Meu futuro em teu corpo
E me ama
Como eu amo você
Vem
Fazer diferente
Que mais ninguém faz
Faz parte de mim
Me inventa outra vez...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Capítulo 30 – De volta ao divã


Acordei com o leve toque de Esther em meu ombro e um leve sorriso de quem se sente gratificada pelo fato dos pacientes geralmente cochilarem na sala de espera. Ela me disse uma vez que um paciente relaxado dá muito mais resultado nas sessões. A mente leve facilita na organização das idéias, deixa as idéias mais claras e o paciente mais aberto ao tratamento. Sendo verdade eu estava super bem preparado para a sessão do dia.

Na última sessão Esther havia me dado uma baita bronca e me mandado viver a vida. Fazer acontecer e não ficar hesitando ou esperando a vida passar. Ela não tinha noção de como levei os conselhos ao pé da letra e nem tinha noção da quantidade de novidades que eu estava trazendo no colo para despejar em sua confortável poltrona de couro. Esther sorriu. Pela minha expressão ela já imaginava que eu tinha muito a falar e eu não fiz a menor cerimônia: “Segui a risca seu conselho. Minha vida deu uma guinada. Muitas coisas aconteceram e posso te adiantar que me sinto vivo como nunca imaginei antes”. Contei detalhadamente sobre a proposta de Lucas, a revelação de Martha, o fim de semana romântico com Lully e sobre a surpreendente conversa que tivemos no Tio Sam. Por último contei sobre o retorno de Lara ao Brasil e sobre a conversa com Dr. Oswaldo. Gastei quase todos os 50 minutos de sessão falando ininterruptamente. Esther acenava com a cabeça consentindo e dando sinal para que eu prosseguisse. Eu estava empolgado e narrei com emoção as minhas aventuras. 

Esther, ao final, tomou a palavra para que a sessão não fosse um incrível monólogo: “Muito bem Herculano! Mais importante do que a quantidade de fatos que aconteceram nesse pequeno espaço de tempo, me impressiona a forma como você reagiu a eles e a forma empolgada como me narrou. Percebi que em nenhum momento você encarou os fatos como obstáculos. É isso mesmo, as intempéries da vida devem ser consideradas e superadas. O segredo para o crescimento é não se apequenar nem se amedrontar. Auto confiança e determinação são fundamentais. Todos nós ainda vamos enfrentar muitas intempéries na vida, mas só não há saída para a morte, que é o fim de todos nós. Tirando isso, tudo tem alternativa. Fico feliz com seu aparente amadurecimento. De uma coisa você está certo. Quanto mais oportunidades a vida te dá, mais ela cobrará de você. Saiba encará-las com maturidade e sabedoria. Aprender sempre é um dos grandes segredos das pessoas bem sucedidas. Meus melhores professores morreram aprendendo, sempre a cada dia. Aquele que sabe tudo, não está apto a aprender mais nada e esse é o primeiro passo para o “emburrecimento” do ser humano. Lully também me deu um grande exemplo de maturidade. Nem eu nem você esperávamos dela uma visão tão analítica e realista da vida. Se é realidade ou apenas uma fuga por medo de sofrer, nós saberemos com o passar do tempo. Acho que você deve seguir aquilo em que você acredita. Por hoje é o suficiente, você quase não me deixou tempo, mas semana que vem nos aprofundaremos mais em alguns tópicos importantes, e não se esqueça, viva a vida com coragem e responsabilidade. Boa sorte e bom fim de semana, estou feliz por você”.

Fim de sexta feira, fim de semana começando. Eu sentia como se tivesse vivido um ano em uma semana. Muitas coisas, muitas emoções e muitas novidades. Saí leve do consultório de Esther. Peguei o carro e resolvi passar pela orla do Rio de Janeiro. Nada mais lindo do que a orla numa tarde de sol. Pessoas correndo pela ciclovia, pedalando, caminhando no calçadão, uns jogando futevôlei na areia, outros apenas pegando sol e bebendo uma cerveja gelada. Parei o carro e resolvi apreciar mais de perto aquela cena maravilhosa. Parei num dos quiosques da praia e pedi uma água de coco, isso mesmo, nada do tradicional chopp, eu queria algo mais saudável naquele momento. Queria apreciar aquela maravilha de pôr do sol. É por isso que as pessoas param para aplaudir. É de deixar qualquer um de boca aberta.

Fiquei ali no quiosque bebendo minha água de coco e apreciando a vista. Alguns minutos se passaram e vejam vocês, Su e seu namorado Japa estavam ali passando pelo mesmo calçadão onde eu estava parado. Os dois sentaram comigo e ficamos ali quase uma hora jogando conversa fora. Su perguntou sobre meu encontro e eu contei como foi e também qual era a situação atual. Os dois riram , me acharam meio contador de histórias. Su comentou que tem histórias que só acontecem comigo. Eu ri e aceitei o estigma, não me fazia mal ser um pouco folclórico. Daniel, o namorado Japa de Su, era engenheiro civil, trabalhava em uma grande companhia e foi muito bom conversar com ele sobre o mercado, sobre as particularidades do negócio. Eu era calouro no ramo e sabia que tinha muito a aprender. Daniel deu boas dicas e bons conselhos. Minha querida amiga Su sabia escolher as companhias. Poucas vezes a vi acompanhada de gente mala. Sempre têm um chato ou outro, mas eram raros. Os dois ainda me convidaram para um aniversário a noite em uma boate carioca, mas eu declinei do convite, queria dormir cedo e descansar para o jantar de sábado. Acabei dando uma carona ao casal, eles estavam caminhando e quando paramos na casa de Su, subimos para tocar um violão e comer alguma coisa. 

Su preparou uns petiscos e abriu um prosseco. Bebida de gente fina como Su. Aliás, Lara se daria muito bem com ela, eu pensei. Mais alguns amigos chegaram para a pré-night, como eles chamavam o aquecimento para o programa noturno. Chegaram mais duas amigas e dois casais. Revezei o violão com um deles que era bem desinibido e animado. Para mim, ficaram as canções mais românticas, o que despertou sorrisos nas meninas. Mal sabiam elas que eu estava fora de combate. Lá pelas 22h30 o pessoal estava pronto para sair. Ainda insistiram um pouco para que eu fosse na certeza de que algumas doses de prosseco me fariam mudar de idéia. Agradeci gentilmente e declinei. Entrei no carro e pensei comigo mesmo: “ É Herculano, há alguns dias você jamais recusaria um convite para uma noite com amigos e duas belas moças solteiras. Quem te viu e quem te vê! Será que você está mesmo tomando juízo?”. Perguntei a mim mesmo em pensamento.

Tomei o rumo de casa, uma chuvinha fina caia na noite carioca. Liguei o rádio do carro e selecionei uma faixa em especial de um CD que eu amava. Eu queria ouvir algo que me fizesse pensar em Lara, queria curtir aquela saudade gostosa de quem sabe que está perto de encontrar a pessoa que ocupa o nosso coração. Um clássico de Toquinho, um de meus preferidos:

Lá fora está chovendo
Mas assim mesmo eu vou correndo
Só pra ver o meu amor
Ela vem toda de branco
Toda molhada e despenteada
Que maravilha
Que coisa linda é o meu amor...

Lara despenteada? Coisa rara de acontecer. A licença poética deve servir para esses casos. Fui para casa cantarolando e pensando na “coisa linda que é o meu amor, meu amoooorrr...”

domingo, 18 de dezembro de 2011

Capítulo 29 - O retorno de Lara

Vesti uma roupa bacana para buscar Lara no aeroporto. Além de matar a saudade e a ansiedade pelo reencontro, eu seria apresentado oficialmente aos pais de Lara como seu namorado. Como já comentei, o pai de Lara é um respeitado e bem sucedido empresário e meu novo desafio me deixava mais seguro e confiante no processo de aceitação por parte da família dela.

Cheguei ao aeroporto Tom Jobim uma hora antes da chegada do vôo de  Lara e fiquei a sua espera. Muitas reflexões passaram pela minha mente durante longos sessenta minutos. Eu estava prestes a dar mais um passo importante. Esperar no aeroporto, conhecer a família, oficializar o relacionamento.  A partir de agora, a vida cobraria muito mais de mim. Até poucas semanas atrás, eu pouco devia a vida e ela me colocou diante de grandes oportunidades. Oportunidades aparecem e devemos estar prontos para aproveitar. Uma vez li um livro que falava sobre a diferença entre sorte e boa sorte. Sorte era algo como achar uma nota de R$ 50,00 no chão e boa sorte era se preparar  para que as boas oportunidades sejam coisas naturais na sua vida. Percebi durante minha reflexão que quase  de forma inconsciente eu havia criado situações para que a “boa sorte” aparecesse para mim. Maior dedicação ao trabalho, decisões inteligentes, boas amizades,  estar no lugar certo na hora certa e não ter medo de encarar meus medos. Ouvi um grande empresário durante sua palestra comentar que tinha muito medo de altura e em seguida contou que, durante férias na Nova Zelândia, saltou de um dos maiores bung jumps do mundo. Um dos presentes perguntou por que ele havia feito isso e veio a resposta. “Tenho que encarar e vencer os meus medos, se não fizer isso, serei eternamente refém deles”. Guardei isso em minha mente e começava sentir na pele o que isso significava.
O avião de Lara estava no solo e meu coração passou a bater acelerado. Aquela taquicardia gostosa, e um gostoso frio na barriga. Deve ser a tal adrenalina sendo lançada no meu organismo. Uma olhadinha básica no espelho, um jeito nos cabelos a lá fui eu esperar minha querida Lara.

As portas se abriram e lá estava ela. Nem parecia ter encarado uma longa e cansativa viagem Londres-Rio. Lara estava linda e talvez essa seja a frase mais repetida por mim até hoje. “Lara estava linda”, essa frase tem a construção errada, o correto seria dizer: “Lara é linda!”. Linda e iluminada. Sempre que vejo Lara tenho a impressão que há um foco de luz sobre seu rosto, seu sorriso. Deve ser seu brilho natural, o segredo de seu charme e seu encanto. Lara saiu seguida pelos pais. Dona Heloísa e Dr. Oswaldo. A beleza de Lara era herança materna com certeza.  Lara veio em minha direção e nossos rostos se iluminaram num sorriso cúmplice. Nos abraçamos. Eu sentia os batimentos do coração de Lara acelerados, assim como os meus. Lara me segurou pela nuca, me olhou nos olhos e me beijou com o coração, mas de forma elegante como era de se esperar na frente de seus pais. Beijou-me e falou baixinho ao meu ouvido: “Morrendo de saudades, amei te ver aqui!” . Em seguida, Lara me apresentou oficialmente aos seus pais: “Esse é meu namorado Herculano, melhor amigo e sócio de Lucas, marido da Júlia. Seremos padrinhos do bebê de Julia e Lucas”. Julia havia descoberto o sexo na última ultra-sonografia. Lara era muito habilidosa, me apresentou anunciando as credenciais que impressionariam seus pais. Ser amigo e sócio do bem sucedido marido da melhor amiga de Lara era realmente um ótimo cartão de visitas. Dona Heloísa me cumprimentou com dois beijinhos e um sorriso quase que maternal e Dr. Oswaldo com um firme aperto de mãos seguido de um tradicional, “muito prazer" e emendou "minha filha falou muito bem de você, meus parabéns pelo desempenho na missão com Sylvia Albuquerque. Aquela senhora é muito exigente. Você foi muito inteligente”. Agradeci disfarçando a surpresa com o comentário do pai de Lara. Foi o anúncio de que Lara havia falado bastante sobre nosso breve relacionamento durante sua estadia com os pais em Londres.

Fomos para o estacionamento pegar o carro. Durante o caminho, conversamos descontraidamente sobre os encantos de Londres, sobre o serviço da primeira classe do avião e sobre a saudade que todos têm quando estão fora de seu país. Dr. Oswaldo, rico e bem sucedido, falava sem nenhuma vergonha sobre o fato do Brasil ser o melhor lugar do mundo para se viver. Eu perguntei humildemente o porque de seu pensamento, para ouvir os motivos de um homem rico e que pode viver em qualquer lugar do mundo, escolher o Brasil e amar viver aqui. A resposta dele foi algo que só um homem muito inteligente - e que dispensa clichês - poderia dar e a conversa foi engrandecedora a partir da minha pergunta. “Não há lugar como a casa da gente Herculano. Mesmo com todo o dinheiro do mundo, fora da sua terra você é sempre um estranho. Se for um estranho pobre, será ignorado. Se for um estranho rico, será tolerado. Na Europa,como nos Estados unidos e Canadá, somos sempre olhados como seres inferiores. Se tivermos algo a oferecer, eles nos aceitam, nos engolem. Por mais que eles gostem de passear no Brasil e aproveitar nossas belezas naturais, na essência eles se sentem superiores. Guarde esse conselho meu filho. Um país se faz com um povo que tenha, acima de tudo, orgulho da pátria, orgulho da nação e da nacionalidade. O Brasil ainda vai se livrar do complexo de vira latas. Nosso povo é essencialmente bom de coração, mas ainda é pouco politizado e tem pouco estudo. Só com uma revolução na educação básica desse país seremos uma grande potência. Temos que ter consciência e massa pensante. Infelizmente o Brasil ainda é o país das farmácias, enquanto a Europa é o continente das livrarias. Quanto mais estudo de qualidade, mais senso crítico nosso povo terá. Massa cinzenta meu filho, capaz de ler uma manchete de jornal ou de televisão e criticá-la e não apenas absorvê-la. É fundamental ter capacidade analítica e raciocínio independente. Existe entre nosso povo um enorme medo de pensar diferente do senso comum. Os grandes homens da história mundial sempre foram marcados por pensar diferente. Veja Galileu, por exemplo. Enquanto todos diziam que a terra era plana, o genial físico do século XVI ousou dizer que a mesma era redonda. Quem estava certo? Galileu ou todo o resto? Não precisamos ir muito longe. Oswaldo Cruz, que comandou  a campanha pela vacinação obrigatória contra a então epidêmica febre amarela foi execrado e perseguido pela população e pelos políticos demagogos. Pensou diferente, não teve medo de seguir suas convicções e hoje é considerado um dos grandes cientistas brasileiros. Então meu filho, voltando a sua pergunta, nossa casa é melhor do que qualquer hotel e a nossa pátria é o melhor lugar para se viver. Eu tenho sim, muito orgulho de ser brasileiro. E ai de quem falar mal do meu país perto de mim, tanto aqui como no exterior. Uma vez em um jantar de negócios, um gringo começou a falar mal do Brasil, a dizer que o povo é corrupto, preguiçoso, que não gosta de trabalhar e etc. Interrompi seu discurso e sem a menor cerimônia respondi em tom firme sem ser agressivo: É por isso que você está aqui, porque no seu país não tem espaço para pessoas de caráter duvidoso como você. Se há um corrompido é porque há o corruptor como você! ”.

Alguns minutos na companhia de Dr. Oswaldo e eu já estava encantado pela sua personalidade. Lara caminhava firme para ser um dos maiores presentes que a vida havia me dado. Chegamos ao seu apartamento na Lagoa. Os porteiros logo vieram carregar as malas. Nos despedimos e Dr. Oswaldo novamente tomou a palavra. “Amanhã faremos um jantar. Esperamos você às oito horas. Lara fica responsável por convidar Júlia e o marido.”

Lara ficou por último e pude me despedir com o beijo apaixonado e cheio de saudade que estava preso em meu peito. Lara disse que iria descansar da viagem e dormir cedo para se recuperar do fuso horário. Saí de lá leve e muito bem impressionado com a família que estava abrindo suas portas para mim. Já estava quase na hora de minha consulta com Esther. Eu já estava me sentindo muito bem, e uma pequena espera na aconchegante e relaxante sala de espera de Esther era o lugar perfeito para coroar minha tarde de sexta feira. Adormeci no sofá de Esther quase em transe ao som da nona sinfonia de Beethoven.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Capitulo 28 – O destino ajudando?

Mesinhas de mármore e cadeiras de madeira. Na varanda, um deck de madeira. O Tio Sam era um dos mais simples e agradáveis bares do Leblon. Daqueles que você pode ir de chinelo, bermuda e camiseta. Ninguém lá está preocupado com as suas roupas. Todos que vão lá querem beber um chopp gelado, comer um bom e honesto petisco, jogar conversa fora e encontrar amigos. A turma que freqüenta o Tio Sam é uma grande família. Quase todos se conhecem há muitos anos. Quem não se conhece acaba chegando por um ou outro amigo antigo. É daqueles bares sem frescuras.  Não se vai lá para desfilar modas ou grifes e sim para beber e conversar. Lugar de figuras tipicamente cariocas. Futuramente comentarei sobre alguns bem caricatos e divertidos. Se fosse falar de cada um, detalhadamente, teria que escrever outro livro, só com esses personagens. Têm os falantes, os simpáticos, os tímidos, os cantores, os poetas, os sóbrios(será?), as cocótas, os intelectuais, os falidos, os cínicos, os debochados, os atletas, os ricos, os bobos, os alternativos. Tem até os anti-sociais, mas são raros e isolados. Em comum entre a grande maioria eu destaco o bom humor, a alegria e o amor pela cidade maravilhosa. Lá se cultua o melhor do Rio de Janeiro. Futebol, carnaval, samba, boêmia, Cantoria e a principal característica carioca, a alegria!

Quando cheguei ao Tio Sam, Lully já estava a minha espera.
Passei por alguns tipos conhecidos e cheguei até Lully. Dessa vez ela tinha um olhar um pouco triste, diferente da alegria peculiar. Minha cabeça passou o caminho pensando em como eu iria tratar o assunto com Lully. Eu não teria coragem de dizer a ela que estava louco a espera de Lara. Como dizer a Lully, depois do nosso maravilhoso fim de semana, que eu estava decidido a ficar com Lara, a minha namorada que estava em Londres. Como dizer isso sem destruir o coração da moça e sem me sentir o último dos homens e o pior dos cafajestes? Deixei que Lully tomasse a palavra. Mulheres são astutas e hoje ela me daria a maior prova de sua sabedoria. Lully pediu desculpas pelo sumiço e contou que domingo foi um dia difícil. Quando ela chegou, Bené logo a chamou para conversar. Lully contou que Bené se apresentou arrependido, que veio se desculpar. Disse a ela que estava regenerado, que jamais voltaria a ter aquelas recaídas com a vizinha transexual. Disse a Lully que ela era sua salvação e que,com ela, ele teria uma nova vida. Segundo Lully, Bené estava mesmo muito mal. Implorou perdão e uma nova chance, falou dos anos e anos que passaram juntos e etc. Eu logo perguntei se ela havia amolecido, seria para mim o caminho mais curto, mas Lully disse que não. Que ficou triste de vê-lo assim deprimido e arrasado, mas que ela sabia que Bené nunca mais seria o mesmo para ela. Lully ficou tão triste com a situação que chegou a ter febre segunda e terça, motivo de seu silêncio. Ao terminar de contar sobre seus dias, Lully me passou a palavra, eu respirei fundo e comecei a contar do telefonema de Lucas.

Lully comentou logo algo do tipo: “Aquele seu amigo que você e a melhor amiga da esposa serão padrinhos do filho?” Respondi que sim, um pouco impressionado com sua memória e o seu comentário.
Detalhei para Lully o que representava na minha vida a oportunidade oferecida por Lucas, e que não havia como recusar.
Lully ouviu tudo atentamente. Prestava especial atenção a cada detalhe que eu lhe relatava. Ela parecia estar lendo meus pensamentos e decifrando meus enigmas. Expliquei que, até para mim, era tudo muito novo e um pouco assustador. O comentário de Lully, ao final da minha explicação, me deixou surpreso e intrigado com a tão falada astúcia e perspicácia feminina. Novamente relatarei exatamente as palavras de Lully para que antes de lerem as minhas conclusões, vocês mesmos possam tirar as suas. “Que bom meu lindo, fico muito feliz por tudo que está acontecendo na sua vida. Nosso fim de semana e nosso relacionamento também é algo muito novo para mim. Você na minha vida é mais ou menos como seu novo trabalho na sua. Tudo novo, tudo desconhecido. Você faz parte de um mundo diferente do meu. Estar com você também significa vencer desafios, aprender, crescer, me arriscar a rir ou chorar no futuro. Você é de outro mundo, outra estrutura familiar, outros hábitos, outra cultura, outro núcleo familiar, outros horizontes. Você cresceu e vive cercado de pessoas diferentes das que me cercam. Somos praticamente de universos diferentes. Quando comecei a conversar com você,e a te conhecer, foi como se abrisse uma janela para que eu pudesse olhar um mundo até então desconhecido. Eu menina pobre e órfã, de colégio publico e pai biscateiro. Tudo que consegui até hoje foi graças aos meus “padrinhos” e meus esforços pessoais. Vivi com Bené até outro dia, um mundo onde eu controlava tudo. Com você mergulhei num mar durante a noite. Mal sabia onde estava. Confesso que ainda tenho muito medo e receio. Sábado foi ótimo, nunca vou me esquecer. Você me fez viver um sonho, lindo, mas te confesso que voltei para casa com os pés muito no chão. Por melhor que tivesse sido, por mais mágico, uma pontinha de consciência me dizia para manter os pés no chão e o coração sob controle. Algo me dizia para ter cuidado com o dia de amanhã e a enxergar a vida como ela é, cheia de realidade. Por mais lindo que fosse nossa vida não é um conto de fadas, então, pés no chão não faz mal a ninguém. Eu estava certa. Continuo achando mágico estar com você mas vejo agora, depois de tudo que você me contou, que aparentemente nossos mundos estão prestes a se tornar ainda mais distantes. Uma opção sua em apostar numa vida comigo, te levará a muitas reflexões. Já imaginou você um empresário bem sucedido, com um sogro vendedor de mate e limão? Não precisa me responder nada agora meu querido. Quero apenas que você leve a realidade e essas reflexões para casa, que pense nelas com carinho. Eu também precisarei fazer minhas reflexões. Vamos fazer nossos deveres de casa. Sem fantasmas, sem firulas e sem medo da realidade”.

Lully acabava de me deixar tão surpreso que eu já não sabia quem era o menino e quem era o adulto na mesa. A leitura que Lully fez da situação foi tão perfeita, tão clara que eu chegava a desconfiar de tudo que estava ouvindo. De onde vinha toda aquela maturidade? De onde vinha toda aquela coragem? Da infância sofrida? Dos obstáculos da vida? Quem será que dava conselhos à Lully? Aquela interpretação cruel e rodriguiana da realidade,  me deixava boquiaberto e admirado com minha linda e doce Lully. Eu ali, preocupado em como seria minha vida se eu tivesse que dizer a Lully que não poderia ficar com ela, e a menina me vêm com essa.
Antecipou-se e me passou a bola. Deixou claro que eu havia de pensar se realmente estava preparado para o desafio de assumir um relacionamento com a menina pobre. A decisão devia seguir um longo caminho. Passar pelo meu coração e pela minha mente. Apenas uma decisão em que os dois fossem consultados poderia realmente ser a decisão que me faria um homem realizado.

Lully acabava de marcar muitos pontos com aquela conversa madura e inteligente.  Seria isso uma fuga por parte dela para não correr os riscos? Ou seria uma cartada de mestre para me mostrar o quanto Lully poderia me surpreender positivamente? Rita Lee tinha razão...
“Nas duas faces de Eva
A bela e a fera
Um certo sorriso
De quem nada quer...
Sexo frágil
Não foge à luta
E nem só de cama
Vive a mulher...

Mulher é bicho esquisito
Todo o mês sangra
Um sexto sentido
Maior que a razão
Gata borralheira
Você é princesa
Dondoca é uma espécie
Em extinção...”

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Capítulo 27- A Despedida


Passei pelo Estephanios e o bar estava meio vazio. Lá encontrei apenas com Augusto e mais uns amigos de ocasião. Augusto era a pessoa perfeita para o tipo de papo que eu procurava. Com trinta e poucos anos, augusto nunca havia trabalhado. Estudava para ser diplomata ou coisa do tipo. Seu pai, aposentado do BNDES, bancava seus estudos e suas noites no boteco.
Augusto falava Frances, Alemão, Inglês, Espanhol e Italiano. Era formado em três faculdades e um ótimo papo sobre o comportamento humano. Augusto via o ser humano sem romantismo e sem maquiagens. Olhava, analisava e dizia o que passava na mente.
Comentei com ele sobre a conversa com Martha e par aminha surpresa ele só comentou que já imaginava que isso pudesse acontecer. Segundo a teoria de Augusto, mulher desiludida com homem é meio passo para se tornar, ou ter uma experiência homossexual. O assunto ainda era tratado com reservas pelas pessoas, mas Augusto tratava com extrema naturalidade. Segundo ele, se ela for tratada com carinho e respeito por Christine, talvez fique para sempre com essa opção. Ainda bateu nas minhas costas e falou entre sorrisos: “A vida mudou meu amigo. Você ainda é muito romântico. Hoje é assim. Não deu certo com homem, elas tentam com mulher. É normal, é a segunda fase da revolução que começou queimando os sutiãs. A competição está se acirrando, em breve tudo isso será chamado de grande mundo globalizado. Anote aí o que estou te dizendo!”
Meu amigo era filósofo e visionário. É bom ressaltar que tais fatos já ocorreram há quase dez anos, e ele estava mesmo certo, não estava?
Voltando ao bar, Augusto também me deu alguns conselhos sobre o novo rumo profissional que eu escolhera. Dentre elas, uma que me lembrava ter ouvido de um velho sábio: “Ninguém fica rico com a própria força de trabalho. O outro era: Não olhe para a carreira que ficou para trás. Enterre esse passado e vá como se não tivesse volta. É o que tenho para te dizer meu amigo Herculano! Como prova de amizade vou te pagar essa rodada de chopp de hoje! Quando ficar rico lembre se de mim!” Eu sorri e respondi de imediato: “E você de mim quando for Presidente da República!!”
Algumas risadas, mais alguns belos papos sobre bossa nova e MPB e ainda tocamos algumas músicas acompanhadas do violão. Eu acordaria cansado para meu último dia de trabalho. Não estava preocupado, era passado e Alves já tinha todas as coordenadas.
Cheguei quase onze da manhã. Minha ausência já não era mais impactante no dia a dia da empresa. Fomos todos almoçar na Choperia Carioca. Tradicional  restaurante do centro. Mesas com toalhas, Garçons, Pratos como: Goulash, Vaca Atolada, Língua Defumada, Fígado e outros que hoje em dia são praticamente “ET’s” nos cardápios modernos.
Dr. Monteiro abriu o almoço dando o bom exemplo, pediu logo um chop na caneca de vidro. Uma delícia e todos nós seguimos seu exemplo. Antes mesmo dos pratos chegarem já estávamos na 3ª. Rodada. Até a Mala da Biranilce estava lá e bebendo. Acho que foi seu primeiro pecado em público. No meio de um papo sobre turismo a pseudo intelectual disparou. “Meu sonho é conhecer Fernando de Bolonha, um paraíso fisiológico  no interior do Oceano Atlântico!” fiquei imaginando o que poderia ser aquilo que Bira estava descrevendo e fui interrompido por Dr. Monteiro que bradou em alto e bom som um famoso bordão da época: “Cala a Boca Magda!” Todos caíram na gargalhada e esse foi o tom do almoço. Depois desse momento, Bira se encolheu um pouco e deixou a mesa conversar sem ter que ouvir suas asneiras, que alívio.
Muito papo, chopp, risos e piadas. Dr. Monteiro, aquele homem sisudo estava ali se revelando uma pessoa que quase ninguém conhecia. Bem humorado, transgressor, piadista e bem humorado. Dr monteiro já depois do 5º. Chopp levantou e decretou: “Hoje ninguém precisa voltar ao trabalho. Vamos beber e comemorar a despedida de nosso amigo que alçará novos vôos. Um brinde ao nosso amigo Herculano, que seja muito feliz  nesse novo caminho!” Todos brindamos com ele. Ficamos na choperia de 13:00 até às 16:00.
Alguns amigos vieram desejar boa sorte, outros pediram emprego e outros apenas beberam.
Eu tinha planos de ir até a repartição conversar com Lully e me despedir também de Dr. Luiz, mas com aquele clima e cheiro de cerveja, não seria uma boa idéia. Resolvi sair dali e ir para casa descansar, pensar na vida e me preparar para o reencontro com Lara. Me bateu uma saudade gostosa dela. Saudade do seu sorriso, do seu astral, daquele olhar que fascina. Lara era uma mulher e tanto. Uma mulher que deixa qualquer homem mais forte, mais determinado, confiante.
Coloquei minha coleção de Cds para tocar, resolvi que aquele fim de dia seria dedicado às musicas românticas e a preparar meu espírito para receber minha amada. Lara era a mulher perfeita e ideal para o novo Herculano que estava para nascer. Empresário, homem dedicado ao trabalho, sócio de um grande executivo de finanças! Lucas já havia dado entrevistas para Exame, Você S/A e para a hoje extinta, mas famosa na época, Gazeta Mercantil. Ele era um desses executivos queridos da mídia. Homem de origem de classe média, nada excêntrico, acadêmico, estudioso, regrado, casado, família e avesso a badalações da mídia. O exemplo de bom moço. Se eu queria ser seu sócio, precisava cuidar também da minha imagem e me preparar para  a nova vida que eu estava prestes a abraçar.
Estava deitado curtindo meus cds, relaxando e descansando depois do meu almoço de despedida. Tinha selecionado pérolas dos anos 60 e 70. Estava me distraindo e curtindo as letras profundas que a MPB é capaz de nos brindar e me detive especialmente em uma pouco conhecida de Antonio Carlos Belchior, que faz a mea culpa da geração pseudo revolucionária.
Onde anda o tipo afoito
Que em 1-9-6-8
Queria tomar o poder?
Hoje, rei da vaselina,
Correu de carrão pra China,
Só toma mesmo aspirina
E já não quer nem saber.”

Confesso que fiquei um tempo pensando principalmente nessa estrofe. Vejo muitos amigos, revolucionários e que bradam por um mundo mais justo, com menos desigualdades. Se dizem comunistas, mas só bebem uísque 12 anos, andam de carrões, Celulares, Notebooks,viajam para os estados unidos todo ano e só usam Lacoste, Polo , Hugo Boss...
Realmente assim é moleza ser comunista revolucionário. As vezes acho que isso é apenas para aliviar a própria consciência.
Estava lá eu perdido em meus devaneios sobre o inconsciente coletivo quando o telefone me trouxe de volta a realidade. Era Lully  e vou repetir fielmente suas palavras:
“Oi Herculano, você saiu do seu emprego e nem falou comigo? Liguei para lá te procurando e a secretária me deu a noticia! O que houve? Por que você fez isso assim repentinamente e nem me falou nada? É uma forma de fugir de mim? Está chateado por que eu fiquei uns dias sem dar noticias?”
As mulheres são assim. Somem do nada  e quando aparecem, estão sempre cheia de perguntas.
 Lully derramou essa avalanche de perguntas e eu mal sabia por qual começar. Pensei em responder uma a uma, mas acho que não era assunto para tratar por telefone. Disse que era uma história meio surpreendente, que foi tudo meio repentino, que mal tive tempo de me adaptar. Não estava mentindo  a nova realidade havia caído do céu. Afirmei  que eu iria conversar com ela e com Dr. Luiz,  explicar tudo, mas que queria fazer isso pessoalmente. Perguntei se podíamos conversar e ela após hesitar um pouco disse que sim, e fui encontrar Lully no Tio Sam do Leblon, o bar do boa praça Chico, que apoiou o pai de Lully quando o mesmo foi abandonado pela mulher.
Acabava de Ir pelos ares minha noite de descanso e música, ao menos era cedo ainda. Eu não queria ter olheiras no aeroporto, mas também não podia deixar de conversar com Lully. Eu também estava curioso com seu sumiço. Tomei um banho e segui  para o Leblon.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Capítulo 26 - Novidades de Martha

Nada como uma longa e tranquila noite de sono. Acordei bem e o momento de transição e passagem dos serviços do escritório tornavam minha manhã muito leve. Eu não tinha pressa nem ansiedade em chegar ao escritório. Tomei um café com calma, ouvindo as notícias no rádio. Nada demais. Notícias de corrupção, escândalos e desvios de verbas públicas pelos nossos políticos. Nenhuma novidade, o Brasil é mesmo o paraíso da impunidade. A cada dia que passava eu era mais desiludido e descrente com a política. Não acredito em nenhum deles e acho sinceramente que todos estão lá para atingir objetivos próprios e pessoais. Quando eu tinha lá meus quatorze ou quinze anos, li um livro que contava a história de um país onde a política se tornou algo tão degradado que a população fez uma revolução e tomou o poder pela força. Meus professores de história diziam que essa era a única forma de se mudar realmente a casta podre que domina um país. Lembro sempre do livro e de meus professores quando ouço esse tipo de notícia. Logo em seguida me vêm à mente uma frase do nosso belo hino nacional:”...deitado ETERNAMENTE em berço esplêndido...”, talvez seja isso... Deixemos de lado esse assunto baixo astral e vamos em frente.

O dia foi sem sobressaltos, Alves era inteligente e empenhado. Ou entendia tudo rápido ou mentia para mim. Comecei a estranhar o silêncio de Lully e durante o dia mandei um email perguntando por ela e dizendo que tinha novidades. Estar com Alves como minha sombra me deixava sem tempo para telefonemas particulares. Ao final do dia a resposta: “Tudo bem meu cheiroso, ando um pouco enrolada. Quero saber das novidades sim. Saudades e beijos Lully, sua Flor”.

Cheguei ao bar Ao Vivo pontualmente, às 18h. Martha mandou um sms dizendo que se atrasaria uns quinze minutos. Wagner ao me ver, veio perguntar se queria o de sempre. Acenei com a cabeça dizendo que os tempos estavam mudando. Estava aposentando o antigo e honesto Teatchers e pedi um Red Label. Escocês, mais caro e muito mais saboroso.  O espirituoso e já íntimo Wagner riu e perguntou se eu havia ganhado na megasena. “Não meu amigo, mas sente aqui  cinco minutos que tenho novidades. Emprego novo, novos desafios, vou me dar de presente um novo uísque, mais bacana”. Wagner sorriu e ficamos ali, de papo, alguns minutos. Era o início de mais uma longa amizade, que dura até hoje, eu e o Red, o cachorro engarrafado como diria meu mestre Vinícius de Moraes.

Martha chegou com um sorriso sério no rosto. Dois beijinhos e sentou-se na minha frente. Sacou um cigarro e pediu chopp. A atitude de Martha me fez perguntar imediatamente se ela tinha certeza que iria fumar e beber. Martha pousou as mãos com cigarro e isqueiro no colo, suspirou e desistiu de acendê-lo. Deu-me aquele frio na barriga. Isso seria um sinal de que o exame havia dado positivo? Martha com seu jeito típico me pediu para ouvi-la até o fim sem interrupções e começou com um olhar sereno e uma voz firme, a fazer um discurso que parecia ter ensaiado em casa. “Herculano meu amigo, eu confesso que esses dias foram para mim de muita reflexão. Quando vi você com Lara, tive uma sensação estranha, de ciúmes, posse, sei lá o que. Achei aquilo esquisito e resolvi analisar nossa história. Achei que você só estava com ela porque nosso lance nunca foi pra valer. Resolvi então dar uma sacudida em tudo. Sempre te achei um cara família e que faria muito feliz a mulher que escolhesse para montar uma família. Pensei então em testar meu sentimento por você e o seu por mim. Imaginei que eu estando grávida de você, seria o estalo que você precisava para saber o que realmente sentia por mim. Eu precisava tirar isso a prova. Minha estratégia foi te contar da possível gravidez, mesmo sem a certeza dela, para ver como você reagiria. Imaginei que você ficaria empolgado e que ficaríamos muito próximos até sabermos o resultado do exame. Para minha surpresa você não mudou seu comportamento. Ficou na sua e não me procurou até outro dia. Sua postura me fez pensar em várias coisas. Uma das coisas que descobri é que nossa relação era mesmo de amizade colorida. Eu amo você como um amigo carinhoso e acredito que você também me ame como sua amiga. Para uma vida a dois, é necessário muito mais do que isso. O “mané” do meu ex- namorado me fez muito mal, e decidi que ele não fará mais nenhum, chega, traumas e passado enterrados.”
Interrompi Martha, mesmo sabendo que isso poderia despertar sua ira e disse que ela estava certa em várias coisas. Ela era sim uma pessoa muito especial para mim, era ótimo estar com ela, mas nunca foi amor do tipo que vira namoro e casamento. Éramos melhores amigos que sentiam atração um pelo outro. Disse a Martha que, além de tudo, eu tinha um tesão intelectual pela sua inteligência e personalidade. Afirmei que estava certa também com relação ao ex. devia enterrar de vez o passado. Martha sorriu e prosseguiu, dizendo que não havia terminado suas reflexões.
“Pois é amigo, acho que as pessoas têm que buscar seus caminhos. Eu descobri que abri de vez minha mente e meus horizontes. Dia desses, saindo da UERJ meio triste, fui com Christine, uma colega de trabalho, professora de Cálculo III, num daqueles bares de vila Izabel tomar um chopp e espairecer. Conversamos muito e eu bebi todas. Chris me consolou, me ouviu, me aconselhou, e me emprestou seu ombro. Descobrimos que temos muito mais coisas em comum do que imaginávamos. Chris acabou me levando para casa e passamos a noite juntas. Então, essas são as notícias que tenho para você:
1 – Não estou grávida, então já posso acender esse maldito cigarro;
2 – Quero ser sua amiga para sempre e espero que você seja muito feliz com sua loirinha de porcelana;
3 – Resolvi experimentar novas formas de amor. Eu e Christine estamos saindo e ficando para ver no que vai dar!”

Eu sempre fui um cara de cabeça aberta, mas a franqueza e a confissão de Martha foram tão surpreendentes que nem dei muita bola par ao fato dela não estar grávida. Era estranho saber que uma mulher com quem estive intimamente várias vezes agora estava namorando uma mulher. Tomei mais uma dose e disse para Martha que minha amizade por ela em nada mudava e que se desse certo queria ser padrinho. Ela sorriu e mandou eu deixar de ser bobo. Martha parecia feliz e aliviada em desabafar. Contei para ela sobre meu novo trabalho, meus medos e anseios e acabei contando também sobre minha vida amorosa. Martha sorriu, me abraçou e parafraseou Deus falando com Abraão: “Vá aonde seu coração te levar meu amigo”. Era tudo que eu precisava ouvir e tudo que eu estava fazendo. Seguindo meu coração e meus instintos. Estava feliz e leve.
O celular de Martha tocou e era Chris, convidando para ouvir o Tremendão no Rival, ali pertinho de onde estávamos. Martha respondeu: “Só se puder levar meu amigo Herculano”. Christine era vizinha do dono do Teatro Rival e segundo Martha, conseguia convites com freqüência. Eu nem vacilei em aceitar o convite. Fomos os três para o Rival. Era a primeira vez que eu saía com um casal  do mesmo sexo. Estava vivendo novas experiências.  O show foi cantante e dançante. O Tremendão com uma roupa de couro de roqueiro, brancos e escassos cabelos, muita animação e uma banda super animada. Bebemos e dançamos muito. Martha e Chris dançaram e se olharam de forma cúmplice durante os versos imortalizados pelo Tremendão e por Marina Lima que fez participação especial:
“Com a força do meu canto
Esquento o seu quarto pra secar seu pranto
Aumenta o rádio me dê a mão
Filosofia é poesia é o que dizia a minha vó
Antes mal acompanhada do que só
Você precisa de um homem pra chamar de seu
Mesmo que esse homem seja eu.”

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Capítulo 25 – As primeiras providências e conseqüências.

Acordei segunda feira com estranhas sensações. A primeira de não ter nenhuma pressa de chegar ao trabalho. Sabia que nada mais me prendia lá. Nunca tive carteira assinada. O que me prendia lá era o salário e o meu compromisso moral com Dr. Monteiro. O salário já não me preocupava mais e, no fundo, eu sabia que ele não criaria problemas para minha saída. A outra sensação era de que essa nova empreitada profissional afetaria diretamente minhas demais escolhas de vida. Resolvi deixar para pensar nisso mais tarde. Decidi cuidar primeiro do que era mais urgente. Não sei bem o motivo mas coloquei meu terno e a gravata de sempre e fui para o escritório. A vida é curiosa mesmo. A primeira pessoa que vi naquela manhã foi Biranilce, a “mala” maior. Deus é mesmo bondoso e generoso! No caminho eu cheguei a ter certa dúvida, movida por uma nostalgia talvez. O escritório era um lugar conhecido e Dr. Monteiro vinha me estimulando e me incentivando. Cheguei a pensar se queria mesmo mudar de vida, o novo e desconhecido sempre me assusta um pouco! Biranilce foi minha certeza. Nunca imaginei que teria algo a agradecê-la!
“Perdeu a hora Herculano? Só porque ficou uma semana no lugar do chefe acha que pode tudo? Aprenda comigo que em anos de escritório nunca faltei nem fui chamada a atenção!”.
Aprender com Bira? Só poderia desaprender! Dei um sorriso, abracei Bira sorridente e respondi: “Acredite Bira, isso nunca mais ocorrerá. Prometo que jamais me verás chegar atrasado novamente!”. Bira sorriu triunfante, cheia de moral e disparou: “Tudo bem Herculano, hoje está desculpado. Quer que eu te ajudo com alguma coisa? Acordei muito genérica hoje, faço tudo bem rápido! detesto  perca de tempo”.
A avalanche de asneiras de Bira me dava a certeza que eu precisava. Respondi lacônico: “Biranilce querida, jamais saberás na exata medida o bem que acaba de me fazer! Serei eternamente grato por tudo! Dá aqui um abraço!” Bira na sua santa ignorância, me abraçou e saiu toda cheia de orgulho. Eu também acabava de fazer um bem a ela, massagear seu ego.

Fui até a minha mesa aguardar a chegada de Dr. Monteiro. Enquanto esperava, limpava e arrumava as gavetas e minha caixa de emails. Nas gavetas apenas papéis velhos, canetas e alguns CDs. Anos em uma empresa e nada nas gavetas que valesse o esforço de levar para casa. Uma foto em família no porta-retrato, pesos de papel, pequenos enfeites, canetas secas e muitas histórias. Vale mesmo aquilo que guardamos em nossos corações e mentes. Na caixa de emails informações de trabalho e emails de amigos com alguns papos mais sérios e muita besteira. Músicas, vídeos, bobagens sobre futebol, mulher e piadas de políticos. Dentre os emails recentes um em especial que vou repetir aqui:
“Meu amor provavelmente você está lendo esse email segunda feira pela manhã, e provavelmente já ouviu a proposta de Lucas e também a noticia de que só retornarei na sexta. Fiquei muito feliz quando Lucas me contou sobre a proposta que iria te fazer. Fiquei feliz apenas por um motivo: pela confiança e admiração que ele demonstrou ter por você. Não sei se você aceitou ou não. O que quero dizer aqui é que estou feliz e orgulhosa de você. Quero dizer que terás meu apoio qualquer que seja a sua resposta. Se aceitar, tenho certeza de que terá muito sucesso e que um mundo se abrirá para você. Caso opte por continuar onde está, terá meu apoio incondicional. Quero ver você feliz, seja qual for sua escolha.
Estou com muitas saudades e sentindo muito sua falta. Louca para te ver novamente, te abraçar e te cobrir de beijos.
Saudades da sua Lara.”

Minha vida pessoal começava a sofrer as conseqüências de minhas escolhas. Meu coração bateu mais forte. Lara me causou uma grande sensação de força, alegria e confiança. Lara sabia como se fazer importante para um homem. A mulher forte e admirável que todo homem de sucesso tem ao seu lado. Sim, ao seu LADO, esse lance de mulher por trás de um grande homem esta por fora. Papo machista e preconceituoso. Fiquei alguns minutos com o rosto lindo e o sorriso de Lara em minha mente. Viajei um pouco, até perceber a passagem de Dr. Monteiro em direção a sua sala. Levantei e fui falar com meu chefe. Uma vez um grande líder que conheci deu um conselho. “Notícia ruim a gente dá logo de uma vez, evita aquele sofrimento contínuo”. Ele estava certo. Entrei na Sala de Dr. Monteiro e fui objetivo. Agradeci a ele por tudo que fez por mim, mostrei toda a minha gratidão e disse que não podia perder tal oportunidade. Dr. Monteiro concordou comigo. Chamou Alves, um colega de trabalho um pouco mais velho que eu, e pediu que tomasse pé dos meus processos e que assumisse meu lugar. Eu ficaria no escritório até quinta feira.

O dia correu tranqüilo, Alves estava feliz com a oportunidade e eu feliz com a tranqüilidade do meu desligamento. Era tanta informação que durante todo o dia não vi emails e nem falei ao telefone. Saí de lá as 18h e passei em casa antes do jantar apenas para um banho e uma roupa mais confortável. As 19h30 eu já estava lá. Meus pais jantam cedo, coisa da idade, vou ficar assim também, com minhas manias. Coisas da vida. O bacalhau à portuguesa estava um espetáculo e meus progenitores, ansiosos. Minha mãe logo se antecipou: “Vou ser avó meu filho?” perguntou ela animada. Dei uma gargalhada alta, porque nessa hora me lembrei que não tinha notícias de Martha até gora. Rapidamente pensei em responder que talvez sim, mas resolvi não misturar os assuntos. Parei de rir e contei a eles, detalhadamente, a proposta de Lucas e adiantei que havia topado o desafio. Foi bom ver a alegria em seus olhos. Estavam felizes pela oportunidade que a vida me dava àquela altura do campeonato. Que pai e mãe não se alegram com o bem de seus filhos? Jantamos em harmonia e eu comi quase metade do pudim de leite. Contei um pouco sobre a vida e no final minha mãe perguntou por Lara. Mulher nunca se esquece desses detalhes e minha mãe era mestre em perguntas difíceis. Respondi que estava para voltar de Londres e que sexta- feira eu iria buscá-la no aeroporto.Prometi a eles que com os lucros do primeiro ano de trabalho levaria todos para passear em Paris. Assistimos a famosa novela das oito e, quando começou o filme, eu fui para casa. Feliz da vida pelo bom papo, o carinho da casa dos pais e com a expressão de felicidade nos rostos deles.

Entrei no carro e me lembrei de Lully, sem contato o resto do domingo e toda a segunda feira. Resolvi deixar esse pensamento para o dia seguinte e fui para casa dormir uma noite inteira já que eu havia dormido mal de domingo para segunda. Do caminho liguei para Martha, o celular dela deu caixa postal e optei por deixar um recado: “Oi Martha, é o Herculano. Me liga pois quero saber sobre o resultado do exame de gravidez que você fez. Se quiser podemos almoçar amanhã,  beijos e boa noite”.

Eu não queria mais nenhuma pendência na minha vida. Nem pendências nem fantasmas. Deitei para dormir e ouvi um bip no celular. SMS de Martha. “Te vejo amanhã às 18h no Ao Vivo e te conto as novidades. Beijo Martha”.

Coloquei uma música para dormir um sono bem leve e calmo. Curioso como sempre gostei dessa música para dormir...
Vem morena ouvir comigo essa cantiga
Sair por essa vida aventureira
Tanta toada eu trago na viola
Prá ver você mais feliz
Escuta o trem de ferro alegre a cantar
Na reta da chegada prá descansar
No coração sereno da toada, bem querer...

Capítulo 24 - Mais surpresas


O domingo já estava quase pela metade e infelizmente não podíamos ficar ali para sempre. Lully precisava voltar para sua casa, seu pai, suas coisas, e eu também tinha minha vida. Mesmo com toda aquela magia do momento eu sabia que ainda tinha muitos novelos para desenrolar. Martha, Lara, um possível herdeiro... Resolvi que daria aos meus “problemas” apenas a devida importância real, e que trataria um a um, com tranqüilidade e serenidade.

Quando estávamos saindo, notei uma expressão diferente em Lully. Certa angústia no olhar, uma expressão de dúvida. Aquilo não era normal no olhar sempre leve e penetrante de Lully e resolvi perguntar o que incomodava minha menina acariciando seus cabelos. “Não queria que esse momento passasse nunca, sei que nossas vidas são muito diferentes e tenho medo do futuro que nos aguarda Herculano.” Disse essa frase e foi como se a preocupação de Lully voasse pela janela. Imediatamente sorriu, beijou de leve meus lábios e disparou: “ Não importa! Estou feliz, e vou viver essa felicidade sempre que puder! Obrigado pelos momentos maravilhosos. Vamos meu lindo, me leve para casa, meu pai deve estar preocupado!” Lully era isso mesmo, alegria instantânea. Leve e linda. Acatei sua ordem e fomos de papo furado até a sua casa. Ela se despediu com um delicioso beijo e pediu que eu ligasse para ela quando sentisse saudades. Desceu do carro e seguiu alegre e feliz para dentro da cruzada. Saí dali tão feliz que nem reparei Bené parado na outra esquina , a nos observar.

Peguei o rumo de casa, pensando em como seria meu domingo. Provavelmente de muitas avaliações. No caminho o celular tocou, era Lucas convidando para um almoço em sua casa. Um churrasco em sua bela cobertura. Nada como um churrasco na casa de um amigo do peito. Passei em casa apenas para um banho e para vestir uma roupa mais apropriada.

Estava um sol daqueles. A cobertura de Lucas era ampla e tinha uma bela piscina. Aquilo era um presente para coroar meu fim de semana. Piscina, churrasco, uísque, violão, amigos. Obrigado Senhor! Mal sabia eu as emoções que a vida me reservava.
Tomei um belo banho e liguei para Lully para mandar um beijo. O celular deu caixa postal. Deixei um recado “fofo” dizendo que estava com saudades e fui me vestir. Cheguei a pensar em desistir do churrasco e ficar em casa curtindo sozinho aquele domingo. Essa idéia não durou muito e rapidamente eu estava prontinho para o novo evento do dia.

Cheguei à casa de Lucas por volta das 14h. Aquele peculiar cheirinho de carne na brasa, os pais e sogros de Lucas, Julia já com uma pequena barriguinha aparecendo, cervejas e a nossa querida garrafa de Red Label sobre a mesa. Fui para casa de Lucas determinado a fazer duas coisas: curtir o domingo na companhia de grandes amigos e abrir meu coração para ele. Me divertir eu conseguiria com certeza. Já a segunda meta acabou ficando para outro dia.

Depois de uma meia hora de papos diversos, Lucas me pegou pelo braço, me levou para uma mesinha mais no canto, serviu uma dose de Red para cada um e tomou a palavra: “Herculano meu amigo, tenho um assunto sério para tratar com você, vamos fazer isso antes que o malte escocês nos domine a mente”. Lucas era um poeta, não só ao violão, mas também com as conversas do dia a dia. “Sabe meu amigo, você é como um irmão para mim que sou filho único. Estou muito feliz em vê-lo nessa fase mais centrado, equilibrado. Inclusive Julia me contou que Lara lhe confidenciou estar muito empolgada com o que está havendo entre vocês. Fez vários elogios! Meus parabéns, Lara é uma mulher sensacional”! Eu já começava a ficar um pouco tenso quando Lucas  prosseguiu com seu raciocínio. “Amigo, você sabe que, graças a Deus, as coisas vão muito bem lá na empresa. Como todo mundo sabe, não se coloca todos os ovos numa mesma cesta. Acabo de fechar um grande negócio. Adquiri o controle de uma empresa de engenharia em expansão aqui no nosso estado. Negócio bom e de oportunidade. O irmão de Julia vai cuidar da parte técnica, é engenheiro experiente e de mercado, tira isso de letra. Eu não posso dedicar tempo integral, pois meu cargo me toma quase todo o tempo. Preciso de alguém para cuidar do jurídico e ser meu homem de confiança. Confio em você e acredito muito no seu potencial. A proposta é: 5% da empresa como sócio e um salário de U$10 mil para ser meu homem de confiança. No final do ano, distribuímos os lucros no percentual de cada um. Quer ficar rico comigo? Você me entrega seus documentos para darmos entrada na alteração do contrato social e te dou dez dias para se liberar no seu atual emprego! Tem mais, pedi a Lara e seu pai que providenciassem algumas coisas para mim da Europa, então, ela me pediu que avisasse a você que só chegará na sexta feira. Não precisa buscar sua amada no aeroporto amanhã. Isso te dá mais tempo para resolver tudo lá naquele escritório “meia boca” que suga seu sangue. Aquilo não te dará camisa meu amigo. Vais viver vendendo o almoço para comprar a janta. Um dia o dono morre e babou tudo. Tá dentro?”

Lucas sabia como colocar as coisas de uma forma que não te deixava alternativa. Sua franqueza e sua visão clara da vida eram algumas de suas muitas qualidades. A proposta de Lucas não era uma proposta e sim, uma convocação. Quem não atenderia ao chamado de um irmão, para algo tão importante e de confiança? Além de tudo eu melhoraria muito meus rendimentos e minhas perspectivas de futuro. Era uma oportunidade imperdível de ascensão profissional, pessoal e social. Eu daria grande alegria e orgulho aos meus pais. Poderia ter uma vida com mais conforto, meus horizontes se ampliariam infinitamente. Eu, que há alguns meses era alguém que trabalhava sem amor e sem prazer, estava diante de uma oportunidade de ouro, ímpar. Sempre ouvi que três coisas não voltam atrás: a palavra dita, a flecha lançada e uma oportunidade perdida. Não havia porque hesitar.

Ergui meu copo, brindamos, apertamos as mãos e fechamos nosso acordo num fraterno e emocionado abraço. Eu estava agradecido e emocionado com o convite, a confiança e a oportunidade ofertada por Lucas. Todos nós comemoramos aquele momento com mais alguns brindes. Comemos, bebemos e nos divertimos até o fim do dia. Depois desse dia, minha vida nunca mais seria a mesma. Cheguei a pegar um caderno para anotar todas as providências que teria que tomar dentro de tão pouco tempo. Liguei para meus pais e fiz uma maldade com eles. Disse que tinha uma noticia bombástica, mas que só daria pessoalmente, segunda a noite durante o jantar. Minha mãe prometeu me esperar com um belo bacalhau e meu pudim de leite de sobremesa. Era bom dividir a adrenalina com alguém.

O turbilhão de emoções me fez dormir quase de madrugada. Nem percebi que Lully não havia retornado minha ligação.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Capitulo 23 – O renascer de Herculano



Passamos a noite praticamente em claro. Nossa noite de amor foi  uma descoberta. Eu me sentia um menino de 18 anos com uma menina que estava pela primeira vez com um homem. Meu cuidado e carinho com Lully eram extremos. Ela se entregara de corpo e alma. Sua respiração, seus suspiros, seus carinhos eram de quem estava sendo amada pela primeira vez. Eu sabia também que aquela sensação era única na minha vida. Sentia dentro do peito a certeza que dificilmente viveria novamente um momento tão ímpar e inesquecível. A vida é feita de momentos e experiências, me disse uma vez um velho sábio e agora eu vivia exatamente o que ele me disse no passado.

Não sabia, naquele momento, o que Lully representaria na história da minha vida mas sabia que jamais viveria novamente algo similar.
Vivi cada segundo como se fosse o último, intenso, dedicado e completo. Eu estava ali, um homem em estado puro. Eu era pura emoção, puro sentimento.

Deitamos para apreciar o amanhecer. Lully me fez viver uma experiência incrível. Eu era realmente um novo homem. Não sei se um dia aquela menina teria a real noção do quão importante ela teria se tornado em minha vida. Lully fez com que eu me descobrisse, fez com que eu descobrisse uma nova realidade, uma nova sensação de liberdade e de amor. Vi o sol nascendo no horizonte. Uma das mais belas cenas do universo e a maioria das pessoas ignorava e dormia naquele momento. Quantas vezes apreciamos o nascer de um novo dia? Algo que acontece diariamente há milênios e algo que jamais acontecia de forma igual. Cada alvorada é impar, inesquecível, belo, romântico. Lully dormia o sono da paz. Cansada, realizada e acolhida.

Aos 33 anos, eu era um recém nascido. Um menino, um bebê.
Parei para analisar a minha vida e quanto tempo eu havia perdido preocupado com dogmas, convenções e outras babaquices.  A sociedade nos ensina a viver segundo suas normas e essas normas de nada valem. Devemos ser justos, honestos, corretos, conosco e com os outros; nunca faça a si o que não quer aos outros, mas nunca seja falso, meio termo. Na Bíblia Jesus cita em algum lugar que não me lembro algo que diz mais ou menos assim: “... seja quente ou seja frio, o morno me dá vômito”.

A bronca de Esther e minha aventura com Lully me faziam quente, transparente. Ser humano em estado bruto. Mesmo sem dormi há horas eu não me sentia cansado, mas sim realizado, leve, redimido de todos os meus fantasmas.

Admirei o nascer do dia por mais alguns minutos e quando já estava claro fechei meus olhos e dormi. Dormi como nunca havia dormido antes. O sono de quem estava liberto. Sonhei com várias situações do passado e a cada cena mal resolvida do passado eu tirava uma conclusão e virava de vez a página. Esse sono foi um passar a limpo na minha história. Acordei com uma sensação de quem passou a vida a limpo. Eu estava perdoado por Deus e por mim mesmo. Estava ali pronto para viver o primeiro dia do resto da minha vida. Eu despertei certo de que agora eu seria eu mesmo. Um homem bem resolvido, seguro, firme e forte, certo de que seria feliz até o último dia de minha vida. Nada mais me amedrontava. Nem o possível filho de Martha, nem os medos do fracasso profissional, ou da reprovação familiar pelas minhas escolhas de vida. Um de meus compositores preferidos, muito criticado por falar sempre o que pensa, sem se preocupar com o que pensariam os críticos ou os babacas, disse em uma bela canção: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é...” Eu acabava de descobrir a delícia de ser o que sou. Sou uma pessoa apaixonada pela vida, decidido a viver intensamente todas as emoções e riscos inerentes a tal decisão.

A felicidade não depende do que a sociedade, os amigos, inimigos ou a família pensam de nós. A felicidade está diretamente ligada ao fato de ser autêntico, sincero consigo mesmo. Eu acordei assim, me amando profunda e sinceramente e a partir desse momento, consciente de quem eu era. Sorri o sorriso da paz e da liberdade de espírito. Eu era definitivamente um homem livre.

Dormi mais um bom tempo e acordei com lully me acariciando os cabelos e me beijando delicadamente os lábios. Abri os olhos e disse a Lully: “obrigado por fazer de mim um novo homem. Você caiu do céu em minha vida como um asteróide, fez um tremendo estrago e me fez renascer”. Ela sorriu meio que sem entender o que eu estava dizendo e me falou com sua inocência quase indescritível: “Herculano meu lindo, você foi a melhor coisa que aconteceu na minha dura vida de menina órfã. Espero fazer jus a esse sentimento bonito que você está me demonstrando.”
Tomamos um belo e delicioso café da manhã. Na varanda do motel, de frente para o mar, comemos frutas, pães, sucos e nos admiramos por muito tempo. Eu estava desprendido até do relógio. Não me interessava a hora nem o tempo, só me interessava viver intensamente aquele presente que Deus acabava de colocar em minha vida.

Sintonizei numa rádio que tocava só MPB, era uma novidade no Brasil, país de 13º.  mundo como dizia um genial e  falecido professor de matemática, e com aquele complexo de vira-lata conforme traduziu com perfeição o também genial Nelson Rodrigues. O Brasil produz os melhores músicos, letristas e instrumentistas, mas temos a sensação que qualquer porcaria enlatada internacional é melhor que nossa prata da casa.
Ouvimos clássicos lindos de Cartola, Tom, Vinicius, Chico, Toquinho, Roberto, Erasmo, Belchior e tantos outros que não consigo me lembrar agora e chorei copiosamente quando ouvi a inesquecível e libertadora canção, do genial poeta e diplomata Vinicius de Moraes, o homem que mais amou em toda a vida:
“...Você que não pára pra pensar
Que o tempo é curto e não pára de passar
Você vai ver um dia, que remorso!
Como é bom parar
Ver um sol se pôr
Ou ver um sol raiar
E desligar, e desligar
Mas você, que esperança... Bolsa, títulos, capital de giro, public relations (e tome gravata!), protocolos, comendas, caviar, champanhe (e tome gravata!), o amor sem paixão, o corpo sem alma, o pensamento sem espírito
(e tome gravata!) e lá um belo dia, o enfarte; ou, pior ainda, o psiquiatra
Você que só faz usufruir
E tem mulher pra usar ou pra exibir
Você vai ver um dia
Em que toca você foi bulir!
A mulher foi feita
Pro amor e pro perdão
Cai nessa não, cai nessa não...”

Eu estava definitivamente fora dessa, totalmente e conscientemente. Olhei para o  espelho e falei para mim mesmo: “prazer em conhecê-lo Herculano Tavares Marins.  Hoje é seu novo aniversário, aproveite a chance de viver plenamente a maior dádiva de Deus, a vida!”.