segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Capítulo 46 – O piloto sumiu!

Controlei o suor das mãos  e quando chegamos á Reunião eu já aparentava a tranqüilidade de um monge. Lucas me apresentou como seu sócio e amigo  e pessoa de sua total confiança, comentário normalmente dispensável em reuniões, mas entendi que ele queria deixar todos tranqüilos com a presença daquele estranho, no caso eu, numa reunião tão importante. Todos os presentes colocaram seus celulares na mesa  e os desligaram, era uma medida de educação ou de segurança? Guardei a pergunta para mim, faria o comentário com Lucas depois.

Um breve blá blá blá institucional e Lucas foi ao ponto, passou com maestria a apresentação feita por dona Márcia. Para mim era mais um aprendizado. Firmeza, objetividade e tranqüilidade sem deixar de ser empolgante. Lucas apresentava algo em que ele acreditava e muito. Essa sensação estava nos gestos, na voz, no brilho do olhar e principalmente na intimidade que Lucas demonstrava ter com o projeto. Era visível a empolgação dos presentes, todos debruçados sobre a mesa, curvados em direção à Lucas e ao telão onde ele passava os slides. Meu amigo era mesmo um cara merecedor do sucesso alcançado. Naquele momento, eu imaginei que eu estava fazendo tempestade no copo dágua. O projeto seria aceito sem maiores entraves, estavam todos maravilhados e convencidos de que seria um sucesso do ponto de vista comercial, técnico e também de popularidade. Lucas havia desenhado um empreendimento  funcional, de qualidade e de custo razoável.  Nós entraríamos com a construção e o governo com o terreno e o financiamento. Um casamento perfeito! Lucas elaborou tudo  contando que o Governo poderia usar verba do FGTS, que é mesmo destinada a financiamento habitacional. No papel estava tudo simples e fácil.

Todos concordaram que o projeto era muito bom e que seria um sucesso. Nessa hora que Dr Eleutério pegou a palavra e eu comecei a entender como as coisas funcionavam naquele meio. Com a calma e segurança de quem tem certeza de estar acima ou imune a Lei, a velha raposa começou seu discurso. “Pois é  Lucas, muito bom mesmo, mas você conhece como são as coisas no nosso país. Para um projeto bom emplacar, não basta ele ser o melhor, é preciso vontade política, liberações de verbas, desapropriações, pareceres favoráveis, votação de emendas e etc, essas coisas que você está cansado de conhecer,você e todos os presentes! Estamos em ano de eleições, as bases precisam se fortalecer, os partidos querem espaço e sem o consentimento de alguns caciques, seu projeto nunca sairá do papel, você sabe! Pelo valor apresentado, você não separou a verba de esforço político certo?” Lucas concordou com a cabeça e meu espanto maior foi com os percentuais. “Então aumente em 150% essa estimativa de custo! Ano de eleição o mercado fica inflacionado, e não se preocupe com esse ponto. Faça sua parte direitinho. Constitua uma filial em Brasília prepare a papelada toda  e deixe o resto comigo. Agora vamos almoçar que essa conversa toda me abriu o apetite!

Deu uma risada meio mafiosa e saiu para o almoço como se aquela conversa que acabava de terminar fosse algo comum e inocente. Eu sempre ouvia que nesse meio é tudo uma sujeira só, mas não achei que era assim tão às claras. Quando entramos no carro Lucas riu de mim e comentou: “Relaxa amigo, é seu batismo, negócio com governo é assim mesmo. Fazemos a nossa parte, apresentamos um projeto correto e enxuto, o resto é com eles, não é culpa nossa e não há como ser diferente. Caso contrário, ficamos de fora das grande obras. Te trouxe para você ver com seus próprios olhos e ir se adaptando! Agora no almoço vamos falar amenidades, a tarde vamos refazer os cálculos, redistribuir os valores e deixar tudo com eles para aprovação. Nos outros dias, você trata de tudo, dos contratos, da parte legal, dos registros. Assim no fim da semana a documentação da filial estará toda encaminhada!

Eu inocentemente contra argumentei com Lucas, dizendo que seria impossível deixar tudo encaminhado, considerando os prazos das repartições públicas e desfilei minha ingenuidade: “Lucas, precisamos de consulta na prefeitura, registro na junta, Fazenda estadual, federal, CREA e etc! Como vou conseguir tudo em uma semana? Impossível meu amigo, cada órgão desses pede no mínimo uma semana!” Lucas riu de mim pela segunda vez e explicou paternalmente: “Calma meu amigo, vá por mim, você será atendido como rei em todos esses lugares. Com um telefonema o Dr Eleutério fará de você um cidadão Vip, cuidado para não ficar mal acostumado!

Agora foi minha vez de rir. Se Dr Luiz lá na repartição podia me ajudar, mesmo sendo quase um Zé ninguém, imagine um político que pode liberar orçamentos federais? Eu era mesmo bastante ingênuo para essas coisas, Lucas estava certo, se eu viesse sozinho talvez estragasse tudo. Aproveitei o almoço para interagir com Dr. Eleutério e os demais, pois provavelmente lidaria com eles várias vezes esses dias, principalmente depois da partida de Lucas. Todos me trataram muito bem, conversavam animadamente e comiam com muito prazer. Bebiam vinho bacana que só a garrafa custava mais de mil reais. Sem problemas, os operários da nação estavam mesmo pagando tudo aquilo com o seu suor de cada dia pensei eu, morrendo de medo de que ali alguém monitorasse meus pensamentos. Resolvi provar o vinho para ver se valia o preço. Era delicioso, macio, saboroso, perfumado, uma delicia! Será que eu estava sendo fisgado pelo doce veneno do poder? Por via das dúvidas bebi apenas uma taça e parti para a água mineral, uma tal de  Perrier que depois descobri que custava uns vinte reais a garrafa!

Voltamos do almoço para a sala de reuniões e lá permanecemos trabalhando quase sem conversar a tarde toda. Precisávamos deixar tudo pronto, com cálculos refeitos e Lucas precisava assinar a constituição da filial junto comigo. Lá pelas 17 horas estava tudo pronto. Eu e Lucas, os sócios da empresa, passamos a tarde trabalhando como antigamente. Trabalho braçal, que quase não fazíamos mais, deu até aquela nostalgia e fez bem para desenferrujar também. Me senti mais jóvem e tudo, eu era mesmo um romântico, disse Lucas quando comentei meus pensamentos com ele.

Projeto entregue, partimos para o hotel, Lucas voltaria na terça pela manhã, deixava sempre uma margem de segurança para qualquer problema ou imprevisto. Fomos fazer uma caminhada na esteira da academia do hotel, depois uma sauna e um mergulho na piscina indoor. Resolvemos não sair do hotel para comer. Sentamos no bar para um uisque , uns beliscos e colocar o papo em dia. eu pensei em comentar com Lucas sobre meu problema com Lara, mas resolvi não encher a cabeça dele com aquilo. Na verdade, a viagem, a reunião, as surpresas do dia, fizeram com que eu mudasse um pouco minha visão. Para mim, agora aquilo já era um problema menor, algo que eu estava criando e dando mais proporção do que devia. Lara e eu estávamos apaixonados felizes e com certeza minha amada Lara apenas quis me poupar de aborrecimentos. Só isso. Melhor eu ver aquilo como um ato de amor do que como algo ruim. Para viver bem é preciso querer, eu já tinha muitos aborrecimentos e preocupações reais para ficar arrumando outros duvidosos. Encerrei meu pensamento junto com a primeira dose de Blac Label e pensei até em relatar isso para Esther. Na minha cabeça ela ficaria orgulhosa de mim. Ao invés de ligar para Esther, liguei para Lara e minha amada me atendeu daquele jeito: “Boa noite meu querido, tudo bem? Já estou com saudades de você.

Se eu já estava baixando a guarda, acabei de baixar, falei superficialmente sobre o trabalho e mandei beijos ao me despedir, só não saiu naturalmente ainda o  tradicional eu te amo. Lucas também ligou para Júlia. Estava tudo bem com ela e Rafa. Bebemos mais umas duas doses e eu acabei comentando com Lucas o quanto me espantou  a posição do Dr Eleutério. No fundo no fundo eu não sabia se conseguiria digerir aquela canalhice toda, mas como estava no meio de uma missão, iria até o fim, conversaria melhor com Lucas depois. Aquilo mexeu comigo, mas deixei adormecido.

Lucas conversava comigo, ambos ja na quinta ou sexta dose, quando seu olhar se fixou sobre os meus ombros, em um determinado momento Lucas parou de falar, bebeu mais um gole e comentou: "acho que as moças vêm falar conosco, você as conhece?"

3 comentários:

Lennon Pereira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Angélica disse...

Muito bem! No capítulo anterior não posso negar que cheguei a me decepcionar um pouco com Herculano, mas ele já se retratou...rs
Next!!!

Lennon Pereira disse...

Obrigado Angelica, mas Herculano tem um monte de defeitos... cuidado para não esperar demais do personagem...