terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Capítulo 31 – O dia de Sábado.


Dormi um sono tranqüilo e leve. Nada como estar com a consciência tranqüila por estar fazendo a coisa certa. Dormir cedo, descansar e no dia seguinte, me preparar para o Jantar na casa dos Oliveira Telles. Tomei meu habitual café na padaria perto de casa. Um breve papo com os freqüentadores de fim de semana e também com os garçons. Era um belo sábado de sol na cidade maravilhosa. Passei a vista no jornal que trazia notícias animadas sobre futebol. O Brasil tinha se sagrado penta campeão mundial com grandes atuações dos craques da época: Rivaldo e Ronaldo, esse apelidado de Fenômeno pelos belos gols realizados durante uma carreira de sucesso marcada por graves contusões. Ronaldo se tornaria um dos maiores ídolos do futebol brasileiro e mundial e um belo case de Marketing bem feito. Éramos novamente os maiores e melhores do mundo. 

Nada como vitórias futebolísticas para encher o povo brasileiro de orgulho da pátria. Esquecemos a miséria, a corrupção, os desmandos, a impunidade, o caos na educação e na saúde e todas as mazelas e vamos todos para as ruas com as cores da bandeira comemorar. É isso aí, já dizia um velho sábio, pão e circo e vamos em frente! Pra frente Brasil! Terminei o jornal e deixei com Seu Juca, um aposentado que sempre esperava eu terminar para ficar com a “cola”. Ele agradeceu minha generosidade com um sorriso e um bordão criado pelo genial Chico Anysio: “Queria ter um filho assim!”. Eu sempre sorria e seguia meu caminho. 

Estava indo para casa quando o celular vibrou. Era uma mensagem de Lara: “Meu lindo, você ficará muito bem de blazer hoje à noite. Estarei linda para você. Hoje será uma noite especial, você vai tirar de letra! Beijos da sua Lara.” Fiquei pensando comigo mesmo quando eu iria de blazer num jantar na casa de meus pais. Acho que nunca. Posteriormente eu descobriria que não dei a devida importância ao convite de Dr. Oswaldo e ao torpedo de Lara. Felizmente eu gostava muito de estar bem vestido e depois da sugestão de Lara resolvi também ir ao shopping.

Aproveitei a manhã de sol para fazer um passeio pela praia. Liguei para Martha e fiz o convite. Martha agora não oferecia mais nenhum perigo a minha nova vida e, como amiga, ela era das melhores companhias que uma pessoa pode ter. Além de tudo estudou filosofia e sociologia. Seus conselhos seriam de grande valia. Caminhamos do posto 12 até o Arpoador. Chegando lá, fomos até as pedras e sentamos para apreciar a vista e conversar. A vista das pedras do arpoador é mesmo de encantar qualquer pessoa, Deus caprichou na arte quando desenhou São Sebastião do Rio de Janeiro. 

Para minha alegria, Martha estava muito bem. Feliz e bem resolvida com o atual momento de vida. Curioso como traçamos estereótipos que nada tem a ver com a realidade. Martha e Christine eram mulheres doces, femininas e bonitas, diferente do que costumamos imaginar quando pensamos em um casal de mulheres. Martha me explicou como se sentia e falou um pouco sobre como era namorar Chris. Ela disse que descobriu que pode amar qualquer ser humano e que para elas o fato desse ser humano ser homem ou mulher não era primordial. Christine também já havia namorado homens e Martha era sua segunda experiência. Para Martha tudo era novidade. Segundo ela, uma mulher está mais preparada para entender o que a outra sente e pensa, e simplificou bastante as coisas para o meu entendimento. “Herculano, se não pintar atração física, se tornam amigas, se pintar, se tornam namoradas, simples assim!”. Eu ouvia toda aquela explicação com certo espanto. Não por preconceito ou algo do tipo, mas por ser algo inusitado para mim. Eu nunca havia conversado com alguém assumidamente homossexual, então era tudo muito esquisito. A forma com que Martha tratava o assunto me fazia admirá-la ainda mais e aprender a respeitar que as pessoas são diferentes, tem todo direito de ser diferentes, sem que isso as torne melhores ou piores. Respeitar as diferenças, uma lição que eu levaria para sempre como um dos alicerces da minha personalidade.

Martha se disse muito feliz com tudo que contei a ela sobre minhas diretrizes atuais. Sempre torceu muito por minha felicidade, mas me achava um pouco perdido, sem saber exatamente onde queria chegar e como faria isso. Seguindo Martha, o que fez ela se aproximar de mim e ter esse carinho especial foi o meu jeito meio perdido. Talvez eu estimulasse o instinto materno que toda mulher tem naturalmente dentro de si. Ela disse que começou a se aproximar de mim lá no bar porque me via sempre com um olhar meio no horizonte. Disse que eu parecia sempre um sonhador e que eu tinha uma coisa de menino na forma de tratar as pessoas. Sempre aberto a ouvir conselhos, sempre interessado nas histórias pessoais de cada um.

Bacana ouvir essas coisas de Martha. Eu aprendi a ser sempre um bom ouvinte. Sempre gostei mais de ouvir as pessoas do que falar. Alguns me achavam fechado ou introspectivo por causa disso. Lembrei que Lully se aproximou de mim porque ela e suas amigas de repartição me achavam tímido e misterioso. Será que eu passava uma imagem assim de forma inconsciente? Será que as pessoas não estão acostumadas com pessoas que ouvem mais do que falam? Continuei a ouvir Martha. Eu achava mesmo Martha muito inteligente e culta. Estava ali novamente tendo uma aula com minha querida amiga, uma aula sobre a vida e sobre o comportamento humano. Depois desse dia, nossa amizade ficou ainda mais forte. Nos tornamos como irmãos que vida uniu. Prometi a Martha convidá-la para ser minha madrinha de casamento e fiz uma piadinha: “só não sei se a Chris poderá ser o par!”. Ela riu e me deu um tapa do tipo deixa de ser bobo garoto! Rimos um pouco, nos abraçamos como dois amigos que se amam podem se abraçar. Mais uma vantagem de Martha, podíamos andar de mãos dadas sem que isso se configurasse um risco de deslize! 

Combinamos de ir juntos ao shopping e Martha me ajudou a selecionar o visual do meu jantar. Saímos do shopping e fomos almoçar. Como forma de gratidão, levei Martha em um dos mais tradicionais restaurantes do Rio de Janeiro, o Nova Capela na Lapa. Inaugurado em 1923 com o nome de Capela e reformado em 1969, serve culinária variada e exótica. Frequentado por um público alternativo que vai de intelectuais e artistas à jovens depois da noitada, o restaurante só fecha após o último cliente pedir a conta. Sua decoração é excêntrica, onde em meio aos tradicionais azulejos portugueses encontram-se cartazes de teatros e filmes antigos. Os garçons são eficientes e simpáticos. A casa tem como entrada um delicioso bolinho de bacalhau. O meu prato preferido é o cabrito com arroz de brócolis, ambos insuperáveis e sempre acompanhados de um chopp cremoso e geladíssimo, super bem tirado.

Falamos sobre o charme do lugar e do prato escolhido. Bebemos alguns chopps e fomos para a casa, já no meio da tarde. Eu precisava dormir um pouco para me arrumar e Martha tinha seus compromissos com Christine. Um dia de sábado delicioso, preliminar de uma noite de muitas emoções.

Durante o sono da tarde eu sonhei com Lara, um sonho com trilha sonora e tudo, e na voz do grupo Roupa Nova:

Linda
Só você me fascina
Te desejo
Muito além do prazer
Vista
Meu futuro em teu corpo
E me ama
Como eu amo você
Vem
Fazer diferente
Que mais ninguém faz
Faz parte de mim
Me inventa outra vez...

Um comentário:

cristiane disse...

Alguns dias sem ler por conta do corre-corre de natal e, nossa!quanta novidade!Será que ainda vai ter alguma antes da virada do ano? Vou dar uma espiada na semana que vem, antes de sair de férias.