domingo, 18 de dezembro de 2011

Capítulo 29 - O retorno de Lara

Vesti uma roupa bacana para buscar Lara no aeroporto. Além de matar a saudade e a ansiedade pelo reencontro, eu seria apresentado oficialmente aos pais de Lara como seu namorado. Como já comentei, o pai de Lara é um respeitado e bem sucedido empresário e meu novo desafio me deixava mais seguro e confiante no processo de aceitação por parte da família dela.

Cheguei ao aeroporto Tom Jobim uma hora antes da chegada do vôo de  Lara e fiquei a sua espera. Muitas reflexões passaram pela minha mente durante longos sessenta minutos. Eu estava prestes a dar mais um passo importante. Esperar no aeroporto, conhecer a família, oficializar o relacionamento.  A partir de agora, a vida cobraria muito mais de mim. Até poucas semanas atrás, eu pouco devia a vida e ela me colocou diante de grandes oportunidades. Oportunidades aparecem e devemos estar prontos para aproveitar. Uma vez li um livro que falava sobre a diferença entre sorte e boa sorte. Sorte era algo como achar uma nota de R$ 50,00 no chão e boa sorte era se preparar  para que as boas oportunidades sejam coisas naturais na sua vida. Percebi durante minha reflexão que quase  de forma inconsciente eu havia criado situações para que a “boa sorte” aparecesse para mim. Maior dedicação ao trabalho, decisões inteligentes, boas amizades,  estar no lugar certo na hora certa e não ter medo de encarar meus medos. Ouvi um grande empresário durante sua palestra comentar que tinha muito medo de altura e em seguida contou que, durante férias na Nova Zelândia, saltou de um dos maiores bung jumps do mundo. Um dos presentes perguntou por que ele havia feito isso e veio a resposta. “Tenho que encarar e vencer os meus medos, se não fizer isso, serei eternamente refém deles”. Guardei isso em minha mente e começava sentir na pele o que isso significava.
O avião de Lara estava no solo e meu coração passou a bater acelerado. Aquela taquicardia gostosa, e um gostoso frio na barriga. Deve ser a tal adrenalina sendo lançada no meu organismo. Uma olhadinha básica no espelho, um jeito nos cabelos a lá fui eu esperar minha querida Lara.

As portas se abriram e lá estava ela. Nem parecia ter encarado uma longa e cansativa viagem Londres-Rio. Lara estava linda e talvez essa seja a frase mais repetida por mim até hoje. “Lara estava linda”, essa frase tem a construção errada, o correto seria dizer: “Lara é linda!”. Linda e iluminada. Sempre que vejo Lara tenho a impressão que há um foco de luz sobre seu rosto, seu sorriso. Deve ser seu brilho natural, o segredo de seu charme e seu encanto. Lara saiu seguida pelos pais. Dona Heloísa e Dr. Oswaldo. A beleza de Lara era herança materna com certeza.  Lara veio em minha direção e nossos rostos se iluminaram num sorriso cúmplice. Nos abraçamos. Eu sentia os batimentos do coração de Lara acelerados, assim como os meus. Lara me segurou pela nuca, me olhou nos olhos e me beijou com o coração, mas de forma elegante como era de se esperar na frente de seus pais. Beijou-me e falou baixinho ao meu ouvido: “Morrendo de saudades, amei te ver aqui!” . Em seguida, Lara me apresentou oficialmente aos seus pais: “Esse é meu namorado Herculano, melhor amigo e sócio de Lucas, marido da Júlia. Seremos padrinhos do bebê de Julia e Lucas”. Julia havia descoberto o sexo na última ultra-sonografia. Lara era muito habilidosa, me apresentou anunciando as credenciais que impressionariam seus pais. Ser amigo e sócio do bem sucedido marido da melhor amiga de Lara era realmente um ótimo cartão de visitas. Dona Heloísa me cumprimentou com dois beijinhos e um sorriso quase que maternal e Dr. Oswaldo com um firme aperto de mãos seguido de um tradicional, “muito prazer" e emendou "minha filha falou muito bem de você, meus parabéns pelo desempenho na missão com Sylvia Albuquerque. Aquela senhora é muito exigente. Você foi muito inteligente”. Agradeci disfarçando a surpresa com o comentário do pai de Lara. Foi o anúncio de que Lara havia falado bastante sobre nosso breve relacionamento durante sua estadia com os pais em Londres.

Fomos para o estacionamento pegar o carro. Durante o caminho, conversamos descontraidamente sobre os encantos de Londres, sobre o serviço da primeira classe do avião e sobre a saudade que todos têm quando estão fora de seu país. Dr. Oswaldo, rico e bem sucedido, falava sem nenhuma vergonha sobre o fato do Brasil ser o melhor lugar do mundo para se viver. Eu perguntei humildemente o porque de seu pensamento, para ouvir os motivos de um homem rico e que pode viver em qualquer lugar do mundo, escolher o Brasil e amar viver aqui. A resposta dele foi algo que só um homem muito inteligente - e que dispensa clichês - poderia dar e a conversa foi engrandecedora a partir da minha pergunta. “Não há lugar como a casa da gente Herculano. Mesmo com todo o dinheiro do mundo, fora da sua terra você é sempre um estranho. Se for um estranho pobre, será ignorado. Se for um estranho rico, será tolerado. Na Europa,como nos Estados unidos e Canadá, somos sempre olhados como seres inferiores. Se tivermos algo a oferecer, eles nos aceitam, nos engolem. Por mais que eles gostem de passear no Brasil e aproveitar nossas belezas naturais, na essência eles se sentem superiores. Guarde esse conselho meu filho. Um país se faz com um povo que tenha, acima de tudo, orgulho da pátria, orgulho da nação e da nacionalidade. O Brasil ainda vai se livrar do complexo de vira latas. Nosso povo é essencialmente bom de coração, mas ainda é pouco politizado e tem pouco estudo. Só com uma revolução na educação básica desse país seremos uma grande potência. Temos que ter consciência e massa pensante. Infelizmente o Brasil ainda é o país das farmácias, enquanto a Europa é o continente das livrarias. Quanto mais estudo de qualidade, mais senso crítico nosso povo terá. Massa cinzenta meu filho, capaz de ler uma manchete de jornal ou de televisão e criticá-la e não apenas absorvê-la. É fundamental ter capacidade analítica e raciocínio independente. Existe entre nosso povo um enorme medo de pensar diferente do senso comum. Os grandes homens da história mundial sempre foram marcados por pensar diferente. Veja Galileu, por exemplo. Enquanto todos diziam que a terra era plana, o genial físico do século XVI ousou dizer que a mesma era redonda. Quem estava certo? Galileu ou todo o resto? Não precisamos ir muito longe. Oswaldo Cruz, que comandou  a campanha pela vacinação obrigatória contra a então epidêmica febre amarela foi execrado e perseguido pela população e pelos políticos demagogos. Pensou diferente, não teve medo de seguir suas convicções e hoje é considerado um dos grandes cientistas brasileiros. Então meu filho, voltando a sua pergunta, nossa casa é melhor do que qualquer hotel e a nossa pátria é o melhor lugar para se viver. Eu tenho sim, muito orgulho de ser brasileiro. E ai de quem falar mal do meu país perto de mim, tanto aqui como no exterior. Uma vez em um jantar de negócios, um gringo começou a falar mal do Brasil, a dizer que o povo é corrupto, preguiçoso, que não gosta de trabalhar e etc. Interrompi seu discurso e sem a menor cerimônia respondi em tom firme sem ser agressivo: É por isso que você está aqui, porque no seu país não tem espaço para pessoas de caráter duvidoso como você. Se há um corrompido é porque há o corruptor como você! ”.

Alguns minutos na companhia de Dr. Oswaldo e eu já estava encantado pela sua personalidade. Lara caminhava firme para ser um dos maiores presentes que a vida havia me dado. Chegamos ao seu apartamento na Lagoa. Os porteiros logo vieram carregar as malas. Nos despedimos e Dr. Oswaldo novamente tomou a palavra. “Amanhã faremos um jantar. Esperamos você às oito horas. Lara fica responsável por convidar Júlia e o marido.”

Lara ficou por último e pude me despedir com o beijo apaixonado e cheio de saudade que estava preso em meu peito. Lara disse que iria descansar da viagem e dormir cedo para se recuperar do fuso horário. Saí de lá leve e muito bem impressionado com a família que estava abrindo suas portas para mim. Já estava quase na hora de minha consulta com Esther. Eu já estava me sentindo muito bem, e uma pequena espera na aconchegante e relaxante sala de espera de Esther era o lugar perfeito para coroar minha tarde de sexta feira. Adormeci no sofá de Esther quase em transe ao som da nona sinfonia de Beethoven.

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