quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Capítulo 52 – E as luzes vão se acendendo

Aquela mistura de conversa com champanhe realmente eletrizou meus neurônios e me fez ligar várias informações, sentimentos, valores perspectivas e fatos da minha vida. Com certeza eu não seria o mesmo depois dessa noite de reflexão não planejada. Dizem que as melhores coisas da vida são as não planejadas. Acredito que algumas coisas não planejadas possam sim ser boas e criar momentos inesquecíveis, mas não acredito que viver sem planejar nada seja uma boa política. De qualquer forma, vida que segue, cada um com seus valores e suas verdades e não serei eu que vou dizer aqui o que é certo ou errado para o mundo, basta que eu saiba o que é certo ou errado para mim.

Dancei mais um pouco com Anna, mantendo uma distância regulamentar, física e psicológica, para que o álcool não criasse um clima que poderia por a perder aquela troca de informações e respeito mútuo que estávamos desenvolvendo. Fim de noite, cada um pro seu quarto, em andares diferentes e para mim uma noite de avaliações profundas. Eu sabia que precisava tomar algumas decisões na minha vida, que deveria tomar com consciência, mas uma conversa com Esther me veio a mente e me deixou um tanto confuso. Certo dia em uma das sessões, falávamos sobre Freud, o pai da psicanálise. Esther me dizia algo sobre o que eu teimava em classificar de decisões conscientes. Minha analista tentava abrir minha mente e me tirar do degrau das certezas absolutas. Vou repetir aqui as palavras de Esther sobre o assunto em questão:

Meu caro Herculano, depois que Copérnico, no século XVI, acaba com a hipótese geocêntrica e retira o homem do centro do universo, e das revelações de Charles Darwin, no século XIX, filiando a espécie humana numa raiz comum a outras espécies, Freud é conhecido por ter dado o golpe final, já no século XX, na ideia que a humanidade fazia de si mesmo: um ser criado por Deus, com estatuto especial entre os outros seres, e em pleno uso da sua vontade. E isto por uma razão muito simples: além da sua vontade, o homem é movido por razões de que não tem consciência nem controla. Isto quer dizer que por detrás da consciência - as percepções, pensamentos e conhecimentos - existe uma dimensão mais profunda de que não temos consciência, o inconsciente, que interfere silenciosamente na vida de cada um de nós.

Quando somos confrontados com impulsos e desejos que colocariam o nosso equilíbrio  em perigo, isto é, quando manifestamos tendências perigosas e consideradas incorretas, há uma espécie de censor que nos diz isso mesmo: 'Atenção, o que aí vem pode ser desastroso'. Como numa boate, o porteiro decide quem está bem vestido e pode entrar e quem não corresponde ao perfil desejável. Nesse momento, uma vez mais como na boate, esses impulsos ficam à porta e acabam por se retirar, neste caso permanecer no inconsciente. A este processo que consiste em mandar para trás os impulsos reprováveis Freud chamou recalcamento, um processo normal de sobrevivência individual e social. Um processo que pode transformar-se num verdadeiro problema, no entanto, quando ocorrem demasiadas e repetidas vezes, sem que cheguemos a libertar a energia acumulada e que acaba por se manifestar contra a nossa vontade em forma de sonho - já pensou de onde vêm as imagens bizarras dos teus sonhos?”

As frases de Esther eram límpidas em minha cabeça, lembro até de ter escrito isso uma vez para não me esquecer. Eu estava ali, lutando para ver com clareza se estava levando minha vida pelo consciente ou pelo inconsciente. Descobrir e equilibrar ambos, seria fundamental para a felicidade que tanto busco. Nesse momento cheguei a temer pelos personagens monstruosos que estavam prestes a me assombrar em sonhos assim que minhas pálpebras pesadas cerrassem, cedendo ao cansaço acumulado, psicológico e físico que àquela altura já dominavam minhas forças. Adormeci e sonhei. 

Sonhei de forma límpida e clara e relatarei exatamente como tudo se passou:
Eu estava caminhando por uma estrada deserta num dia de sol e em um certo momento eu deparei-me com uma bifurcação. Olhei para uma estrada e  era iluminada, com árvores, flores, frutas. O dia era claro e eu via tudo com clarividência. A Outra estrada estava toda escura, eu não conseguia ver nada. Nesse momento meu corpo se dividiu em dois, e cada um dos meus eu's seguiu por uma estrada.

Na estrada clara, o meu eu podia ver as flores, mas não conseguia sentir seu perfume, podia comer as frutas, que eram lindas e vistosas, mas por mais que eu variasse a escolha, não conseguia sentir o sabor, eu bebia a água do córrego, que era límpida, mas não saciava minha sede, as árvores balançavam com o vento, mas eu não sentia o vento refrescar a minha pele.

Na estrada escura, meu outro eu caminhou e não conseguia distinguir claramente o que via. Era tudo meio escuro e nebuloso, porém, enquanto  caminhava, podia sentir o perfume das flores, mesmo não as vendo, podia sentir o gosto doce das frutas, mesmo sem poder tocá-las, sentia água fresca saciar minha sede, mas não via o córrego e sentia uma leve brisa que me refrescava a pele e me afagava os cabelos.

Depois de algum tempo, meus dois eu's foram sugados para o inicio da bifurcação, se tornaram novamente um só, e uma voz me disse a seguinte frase: Vá agora Herculano! Escolha o caminho que melhor lhe convier, você pôde vivenciar duas experiências que tem cada uma um significado, agora siga seu caminho e agradeça a Deus, pois poucas pessoas podem receber uma mensagem tão enriquecedora como essa.

A voz calou e o despertador tocou. Era dia de voltar para casa. Do hotel mesmo liguei para Esther dizendo que precisava ir hoje ao seu consultório de qualquer jeito.

4 comentários:

Jussara (Ju) disse...

Meu Deus!Herculano surtou!Colocaram algum ácido na bebida dele!Que viagem!Me fez lembrar os Beatles: Lucy in the sky of diamonts.
Bricadeiras à parte, estou curiosíssima com as explicações que a Esther vai dar a êle sobre esse sonho maluco.

Leila disse...

Acho que Herculano está vivenciando um "split" de personalidade

Lennon Pereira disse...

olá Ju, Herculano está bem, vcs logo entenderão o que ele sonhou... obrigado pelo carinho

Lennon Pereira disse...

Queridissima "tia" Leila, é uma honra ver você por aqui. Seerá que é um split? vamos ver!! Beijão para vc e para o Newton!