segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Capítulo 51 – “e eu me senti, nascendo outra vez...”

Anna começou a discursar em minha frente como se estivesse com alguém com quem te muita intimidade, as idéias fluíam como água rio abaixo, eu admirava a fluência e a forma clara daquela moça se expressar. Talvez fosse um talento desperdiçado. Num tribunal ela provavelmente teria grande sucesso. Fala bem, expõe as idéias de maneira clara e objetiva e fala com emoção e empolgação. Vou relatar aqui apenas a parte mais importante do seu inflamado discurso: “chefe, estou muito feliz com a oportunidade que o Sr.  Está me dando na empresa. Quis estudar direito para trabalhar assim em empresa. Nunca pensei em advogar. Acho que isso é um dom que eu não tenho. Estou com 23 anos e tenho certeza que conseguirei alcançar todos os meus objetivos. Quero me estabelecer profissionalmente, crescer, aprender, e ter um emprego que além de me remunerar bem, também me de muito prazer em sair de casa diariamente. Sabe chefe, acho que o dinheiro é importante, mas o mais importante é estar feliz com aquilo que se faz. Uma vez ouvi de um amigo uma frase muito bacana. Dizia mais ou menos assim: “somos escravos de nossos deuses, se meu Deus for o dinheiro, serei escrava dele e não alguém que tirará dele frutos.” Concordo plenamente com ele. Dinheiro é um meio, uma conseqüência de fazer aquilo que se gosta.

Eu já estava impressionado e ela prosseguiu me dando mais algumas lições de vida: “Depois disso, ou em paralelo, quero me apaixonar!! Me apaixonar muito e de verdade. Aquela paixão que faz a gente perder o chão, ficar sem ar, suspirar, respirar fundo. Paixão que faz fechar os olhos apertados de saudade, que faz o coração bater mais forte, que enche nosso sangue de adrenalina. Quero amar alguém com quem eu tenha a sensação de que nasceu para mim e que eu nasci para ele. Não importa de onde venha, qual seja sua profissão ou religião. Basta que seja de bom caráter, honesto e que corresponda minhas expectativas e meus sentimentos. Quero alguém com quem possa ficar vendo filme no sofá, ou colocar a cabeça no colo e fazer cafuné, e que isso seja a coisa mais gostosa do mundo. Amar para mim é admirar, respeitar, desejar e manter. Meu professor de filosofia me ensinou numa palestra que existem três tipos de amor, Eros, Filía e Ágape. Eros é amar o que se deseja, o que queremos conquistar. Filía é amar o que temos o que conquistamos e Ágape é o amor maior, aquele que nos alegra em fazer feliz a pessoa amada. De forma resumida, ser feliz é combinar os três amores. É isso que eu procuro para a vida pessoal. Ser feliz com o amor pleno.”

As palavras de Anna entravam como faca em meu peito. Aquela menina parecia um clone jovem de Esther. Quanta paixão e quanta clarividência dentro de um corpo tão jovem! Apenas vinte e três anos e tão bem resolvida. Quem me dera ter essa cabeça há dez anos, pensei eu. Anna deu uma pausa no discurso e me perguntou por que um cara aparentemente bacana e bem resolvido  estava solteiro até hoje. Pensei em dar uma resposta evasiva ou impessoal do tipo “não apareceu ninguém”, mas ela estava tão empolgada e tão envolvente que me senti obrigado a falar a verdade: Resumidamente Anna, me envolvi com as pessoas erradas algumas vezes e as feridas precisavam cicatrizar. Acho que agora estou com todas bem cuidadas, pronto para outra”. Anna olhou minha aliança e perguntou como criança pequena que não se preocupa com a profundidade do o que se pergunta: “ Está noivo chefe? Sua noiva é do tipo que te tira o chão e te faz perder o ar?”

Respirei fundo pensando se devia responder ou dar a Anna demissão por justa causa por deixar o chefe em uma situação tão constrangedora como aquela. Tomei a taça de champanhe de um gole só, como quem ganha tempo para pensar em como responder à pergunta atrevida de minha pupila.
Do alto de minha supremacia de chefe  e sócio diretor da empresa, respondi politicamente: “ Com a minha idade, você verá que há muito mais do que isso no amor verdadeiro.”

 Menti, menti para Anna, mas não podia mentir para mim mesmo. A Pergunta de Anna  foi quase um nocaute. Anna não se deu por satisfeita, viu que eu estava sentindo o golpe e desferiu o golpe de misericórdia: “Espero nunca descobrir isso chefe, me desculpe, mas espero mesmo!” e com a soberania e altivez dos vitoriosos, sorriu vitoriosa e bebeu triunfante o champanhe da vitória. Anna tinha dado uma lição de vida no seu chefe e acionista da empresa. A mim coube reconhecer a derrota com hombridade e convidar Anna para dançar na pista que acabava de ser aberta pelo Dj da casa. Isso mesmo, o tal espaço que havia no meio do restaurante era a pista de dança. A casa se transformava numa casa dançante às 23 horas. Coisas que acontecem e parece até conspiração do universo. Era noite da MPB e da Bossa nova e o DJ começou exatamente com a belíssima letra de Vinicius de Moraes, meu poeta maior:

“Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão”

A música era perfeita para o momento. Anna deve ter sentido meu certo desconforto e tratou de mudar de assunto. Não sei se reparou na lágrima que teimou em correr pelo meu rosto enquanto eu ouvia e mal conseguia cantarolar as estrofes do poeta. Busquei concentração e forças dentro de mim para continuar firme e aproveitar a magia do momento. Com certeza aquela noite seria lembrada por muito tempo. Quando se conversa amenidades esquecemos, quando falamos sério e sobre coisas importantes, nunca mais nos esquecemos. Dançamos mais umas duas músicas e retornamos a mesa pare encher as taças. Nesse momento, por ser mais velho e mais experiente, senti me na obrigação de dar meu depoimento verdadeiro: “ Anna, nesse assunto eu estou errado e você está certa. Nunca deixe de buscar a falta de ar, o suspiro e o chão sumir debaixo dos seus pés. A vida as vezes nos maltrata e nos escondemos para não sofres desilusões. Se esconder é não viver, viver é correr riscos. Nunca deixe de ser quem você é! Esse é o segredo! Seja autentica, transparente, verdadeira. Não há nada melhor do que a verdade sempre. Quem vive a verdade nunca se aprisiona. Apenas mais uma coisa. Uma vez perguntei a um amigo se ele estava com raiva  de uma pessoa que o tinha magoado e ele respondeu que não. Depois completou com uma frase que acabei de lembrar agora. Algo assim: amigo, não guardo raiva no coração, se eu fizer isso, sobra menos espaço para o amor , para a amizade e para a paixão. Encha seu coração com coisas boas, você será o maior beneficiado!”

Anna sorriu me deu um abraço apertado e um beijo estalado no rosto, em seguida sentenciou: “Isso aí chefe, você está pegando o espírito da coisa!!!” Sorriu novamente  e me levou novamente para a pista de dança. Fui e dancei a noite toda e naquele dia eu senti que tinha definitivamente superado todos os meus fantasmas e correntes. Estava livre, definitivamente eu era novamente o Herculano que eu amava ser!

6 comentários:

Cláudia Otoni disse...

O melhor dos capítulos!
Talvez porque eu tenha o identificado como o mais próximo da realidade. Mas não da realidade do autor, da realidade da vida...
Sempre somos questionados e levados a refletir o que até há um segundo atrás era nossa verdade absoluta.
É impressionante quando percebemos que podemos aprender com pessoas mais jovens e como isso é capaz de nos deixar completamente embaraçados. Fica difícil "brigar" com o orgulho e vaidade.

Mas o que mais me encantou foi a frase: "Nunca deixe de ser quem você é! Esse é o segredo! Seja autentica, transparente, verdadeira. Não há nada melhor do que a verdade sempre. Quem vive a verdade nunca se aprisiona."

Raridade nos dias de hoje, o que é totalmente contraditório para um mundo de pessoas cada dia mais "fortes e auto-suficientes".

Não sei o que houve com o Senhor, autor, mas seja lá qual tenha sido a sua inspiração, valeu a pena!

Você foi brilhante!

Lennon Pereira disse...

Muito obrigado Claudia! fiquei muito feliz com suas palavras! O Desafio para o 52, 53, 54... será estimulante!

Anônimo disse...

Uma das desgraças dos dias de hoje são a vaidade e o individualismo.Acho que a segunda é fruto da primeira e essas duas coisas são as responsáveis pela frase mais cretina dos tempos modernos: sou honesto comigo mesmo.Vinicius já dizia: niguém pode ser feliz sózinho.E para se feliz acompoanhado há que se dividir, renunciar, dar espaço par o outro ser ele mesmo sem se deixar de ser nós mesmos.É preciso dividir,abrir mão,renunciar e a recomendação serve para os dois.Como um pêndulo: ora um, ora outro, dependendo do momento.E assim vamos vivendo um grande amor, a dois.Herculano não me parace respeitar muito os sentimentos alheios.Se o momento é bom para ele, ele vive-o.Não importa se isso pode ferir o seu parceiro atual.O que vale é a nova conquista, que depois pode ser igualmente vítima.Mas como ele é só um personagem,o autor dará o destino que bem lhe convier, mas na vida real não é bem assim.

Pai e fã. disse...

Bom, Lennon.Voltou a empolgar.

Lennon Pereira disse...

obrigado anonimo, sabias palavras e sabias reflexões. aguarde os próximos capitulos para ver e julgar o comportamento de Herculano! quem sabe ele pode surpreender??

Lennon Pereira disse...

Obrigaod Pai, todos os capitulos têm um sentido, particularmente tb prefiro os mais cheios de emoções