quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Capítulo 53 – O Retorno e o papo com Esther

Acordei um pouco tonto com a clareza e o conteúdo do sonho que acabara de ter. Normalmente eu não me lembrava dos sonhos, ou sonhava coisas sem muita importância. Aquele sonho porém se tornaria peça fundamental no auto conhecimento e no encontro comigo mesmo. Fiquei ali na cama parado relembrando e revivendo aquela incrível experiência. Era tudo claro demais e vivo demais na minha lembrança. Refleti bastante e cheguei a escrever no bloquinho de cabeceira do hotel os detalhes do sonho para não perder nada. Eu já sabia que esse seria o tema da minha conversa com Esther. Arrumei minhas malas e desci para o café da manhã no hotel.

No restaurante logo encontrei com Anna e a moça foi a primeira pessoa com quem conversei sobre minha experiência extra sensorial. Contei o sonho com todos os detalhes, enquanto degustava as frutas iogurtes e pães. Anna ouvia atentamente o meu relato, olhos arregalados de atenção e espanto. Quando terminei, ouvi o curioso comentário da minha assistente: “Chefe, que coisa sensacional! Parece até que você tomou um ácido antes de dormir! Das duas uma: ou você teve uma experiência muito louca de uma viagem sem pé nem cabeça, ou esse sonho vai te ajudar a esclarecer suas maiores crises existenciais. Com certeza, lá no fundo de sua alma, você sabe o que te aflige e encontrará uma forma de descobrir o que essa mensagem quis te revelar. Não perca essa oportunidade e escute o que seu coração diz para a sua mente, aproveite bem esse momento. Espero um dia viver algo parecido. Deus com certeza te abençoou!”

As palavras de Anna me deixaram ainda mais determinado a decifrar aquela loucura. Fizemos o check out no hotel e seguimos rumo ao aeroporto. Despachamos as malas e seguimos para o embarque. Aeroporto é sempre uma chatice, aproveitei para entrar em uma livraria e escolher um bom livro para me distrair durante as duas horas improdutivas que eu teria pela frente até chegar ao meu amado Rio de Janeiro. Fugi das gôndolas centrais. Ali só encontramos o que eu chamo de “besta sellers”. Um monte de manuais de auto ajuda, que como diria meu antigo professor de filosofia, descrevem os dez passos para tudo que se busca na vida. “Dez passos para ser feliz, dez passos para ser um líder, dez passos para ficar rico e dez passos para tudo o mais que seja possível se listar". Lembro bem quando ele comentou: “alunos queridos, imaginem se existissem mesmo dez passos mágicos para tudo?! Não teríamos nenhum líder, unicamente pela falta de quem liderar...”.

Eu procurava sempre algo que não estivesse nas pilhas de auto ajuda, sempre procurei leituras menos populares e mais edificantes. Nada contra quem curte auto ajuda, só não é aminha praia. Achei num cantinho um livro com o título: “Eros, Filia e Ágape os três nomes do amor”, li rapidamente a orelha do livro e decidi que aquele seria meu companheiro para as próximas duas horas. Para não parecer indelicado, comprei dois exemplares e dei um para Anna se distrair e não ficar puxando assunto interrompendo minha leitura e minhas reflexões.

Foram duas horas enriquecedoras e interessantes. Não vou aqui repetir tudo que li, mas de forma resumida, posso passar o que absorvi lendo. O autor faz uma ligação entre três tipos de amor:

Eros é o amor pelo que desejamos, o amor que aproxima duas pessoas que possuem sede de se conquistar. É o amor que pode ser repleto de paixões inebriantes. Eros é o amor pela casa dos sonhos, pelo carro dos sonhos, pelo brinquedo dos sonhos e assim vai. Eros é o que desejamos alcançar conquistar.

Filia é o amor amigo, companheiro, mas também é o amor pelo que se conquista na vida. Filia complementa o amor Eros. Desejamos uma mulher, e a conquistamos. Para que isso não seja o fim dos relacionamentos nem dos casamentos, temos que aliar o Amor Eros ao Filia. Posso até dizer que o amor filia é amar as conquistas e amar conservá-las. 

O terceiro, Ágape, é como o amor de Cristo, o amor que se completa na felicidade de quem amamos. O amor que se alegra em ver a felicidade do próximo, em proporcionar felicidade àquele que queremos bem. Talvez seja esse o amor mais sublime e mais puro, que se completa no próximo. Particularmente esse é o que mais me despertou interesse e que mais mexeu comigo. Encarei como o amor que mais pode realizar uma pessoa, ou que mais pode me realizar. Talvez cada um descubra o amor que mais lhe convém, ou realiza, ou encontre o equilíbrio perfeito entre os três na sua vida.

A viagem passou como um flash, o livro não era muito grande e terminei a leitura enquanto o comandante anunciava nossa aproximação à Baía de Guanabara, cena das mais lindas que carrego na mente. Realmente o Rio é maravilhoso, principalmente visto lá do alto. Saímos do avião e enquanto Anna ia para o escritório eu me dirigi ao consultório de Esther.

Algo me dizia que seria a consulta mais importante da minha vida. Dessa vez eu não dormi ao som de Bach no hipnótico sofá da sala de espera. Ouvia a música e lia uma revista, mas minha mente contava os minutos em que eu seria chamado. Sempre demora mais quando estamos ansiosos, impressionante! Foram os quinze minutos mais longos da minha vida, ou dos últimos anos. Meu rosto se iluminou num sorriso assim que vi Esther abrir a porta para me receber. Dessa vez eu aceitei a água antes de começar a falar, num claro sinal de ansiedade. Antes de começar ela tomou a palavra: “Respire fundo, fique calmo e comece a falar com tranqüilidade, da forma que melhor lhe convier. Não há regras, lembre-se. O Importante é que você se sinta a vontade e que fale com o coração, eu sou toda ouvidos nesses próximos cinqüenta minutos.” 

Como bom aluno que sempre gostei de ser, obedeci de imediato. Respirei fundo, bebi mais água e pensei numa música relaxante. Comecei pelo começo, contando sobre a viagem, sobre a conversa de Anna no restaurante, sobre suas indagações e minhas obrigatórias reflexões, depois contei detalhadamente meu sonho. Esther ouviu com atenção, e passamos o resto da sessão num diálogo edificante, quase um orgasmo psicológico. Ao final Esther me levou até a porta e se despediu com a seguinte frase: “Vá Herculano, e só volte aqui no momento combinado."

Saí do consultório cantarolando uma estrofe de Caetano Veloso que adoro e era perfeita para o momento:

“...Cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é (...) 
você diz a verdade e a verdade é seu dom de iludir, 
cale a boca e não cale na boca notícia ruim...”

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