Estava eu aqui a contemplar o
belo por do sol no horizonte e me veio a memória a lembrança de Francisco. Um
jovem as voltas de completar trinta anos de vida. Um Brasileiro médio, que se
não se destacava pelo porte atlético ou por feições finas das ascendências
arianas, era muito querido pelo olhar atencioso, amável e respeitoso que
dispensava a todos aqueles que com ele conviveram.
Tinha sempre tempo para parar
para ouvir quem estivesse disposto a contar algo. Seja o que quer que estivesse
fazendo, por mais importante que fosse o compromisso, Chico sempre parava para
ouvir. Dizia ele que aprendera com um escritor do século XVII um de seus lemas
de vida: “Quem anda muito depressa não tem tempo de admirar as janelas de
Deus”. Nunca entendi muito bem o que isso queria dizer, mas a verdade era que
ele parava e dava real atenção, ouvia com os ouvidos, os olhos e com o
coração. Com essa característica, Chico
passou a ser aquele a quem todos procuravam quando precisavam de um ombro
amigo, de um conselho ou apenas um desabafo.
Muitos amigos, muito querido,
Chico guardava sempre um mistério no olhar. Sempre achei que ele tinha um olhar
que no fundo no fundo era triste, um “q” de nostálgico, ou algo assim.
Apesar de ótimo ouvinte, Chico
era pouco falante. Paradoxalmente, ouvia com afinco a todos mas raramente se
ouvia Chico falando de si mesmo, contando sobre alguma conquista, alguma
incerteza, um medo, uma frustração. Muitos diziam que era o jeito dele, que as
pessoas são assim e etc. Outros chegavam a comentar que Chico fazia isso de
charme e que gostava de ter em torno de si uma aura de mistério, de nostalgia.
Disse-me uma vez uma amiga
psicóloga, que não há nada melhor para atrair as mulheres do que um olhar
tristonho. Segundo ela, as mulheres não resistem a missão de consolar um
coração sofrido. Talvez seja verdade, talvez mais uma lenda urbana. De certo
que esse não era o objetivo do nosso amigo. Raramente o via com namoradas.
Flertava com uma ou outra, mas mergulhar mesmo era algo que não fazia parte de
sua cartilha.
Acabamos ficando muito amigos.
Sabe se lá por que motivo, Chico resolveu que comigo se abriria, algumas vezes
em momentos mais agudos, sentávamos na mesa do bar, ou a beira da praia para
falar sobre a vida, filosofar, ou apenas viajar nos pensamentos.
E foi num dia desses, sentados na
pedra do Arpoador que eu entendi qual era a verdadeira história de nosso amigo,
e o motivo daquela tristeza no fundo de seu olhar.
Chico apontou a linha onde o céu
se encontra com o mar e disse: - “Olha
lá meu amigo, a famosa linha do horizonte. Bela, encantadora, misteriosa,
admirada, decantada em verso e prosa por poetas, cantores e compositores. A linha do horizonte é como o
amor. Se você perguntar, todos sabem dizer o que é, onde fica, desfilam seus
encantos e belezas, mas jamais alguém algum dia pôde toca-la, ou mesmo provar
que ela é real. Existe e pronto, podemos sentir, e isso nos satisfaz. Uma vez aqui nessa
pedra, a única mulher que amei na vida me disse que nosso amor nunca acabaria e
que quando estávamos juntos era como se pudéssemos estar fisicamente ali na
linha do horizonte .
Meses depois adoeceu misteriosamente e morreu.
Antes de partir, olhou para mim e com as últimas forças, disse que seu amor por
mim seria eterno. Quando partisse, estaria me esperando um dia, na linha do
horizonte que tanto nos inspirou, paisagem que tanto amávamos. Naquele dia
prometi a mim e a ela que guardaria nosso amor para toda a eternidade, e que
estaria a flertá-la, cortejá-la e reafirmar meu amor, toda vez que meus olhos se perdessem no
horizonte.”
Chico falou e eu aprendi. Seu
olhar não era tristonho nem misterioso. Era apenas um olhar saudoso, de quem
conheceu o amor de forma tão plena e arrebatadora, que o fez viver em paz,
apenas esperando o dia onde ele e sua amada voltariam a se sentar para namorar,
dessa vez não sobre a pedra, mas sobre a linha do amor, eterno...
4 comentários:
Lendo a sua crônica, me lembrei de alguns Franciscos que conheço; sensíveis espectadores de um filme chamado vida.
Depois de recusar o convite para participar da história, escolheram a segura, porém inerte cadeira do cinema.
Boa reflexão. Excelente a crônica.
A história de Francisco fala de muitas coisas, repertório de riquezas do autor que como todos os artistas faz a alquimia de muitos sentimentos.
Parabéns,meu escritor! Se vc fosse chef teria criado uma excelente sopa mas como sua arte é escrever,nasceu mais uma crônica muito especial.
Orgulho de você!
Beijo ,
Flávia Cavaliere
Obrigado Flavia, só aqui entre nós, as vezes me aventuro pelas artes culinárias... beijo
Mais um bela peça lçiterária de sua inesgotavel fonte. Hoje sou um Francisco a contemplar o horizonte, na espera do reencontro na eternidade para vivermos a plenitude de um amor sem qualquer arranhão, já que estaremos nos braços de Deus, onde não haverá choro nem ranger de dentes". Parabéns!
Valeu Sr. Marcos! hehehe
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