O banho de Lully foi demorado e isso me ajudou a
pegar no sono sem maiores riscos. Me senti meio idiota trancando a porta mas,na
hora, achei que era o melhor a fazer. Acordei na madrugada para beber água, por
volta das quatro da manhã - coisa normal para quem tomou algumas doses de
bebida. No caminho para a cozinha passei pelo quarto de Lully que dormia
como um anjinho. Ao contrario de mim, Lully adormeceu com a porta aberta,
coberta apenas com um lençol que protegia seu corpo da suave brisa que corria
na madrugada carioca. Fui até a cozinha sem acender nenhuma lâmpada para não
perturbar seu sono. Abri a porta da geladeira e peguei a jarra com água. A
cozinha era pequena e estava iluminada pela luz do luar. Era noite de lua
cheia. Enchi o copo e fui até a janela da sala admirar a noite. Um silêncio
quase que total e a noite iluminada por um luar inesquecível, daqueles de se
pintar um quadro. Fiquei ali uns dez minutos, admirando a natureza. A janela da
sala dava para o morro do Sumaré, onde ficam as torres de transmissão e também
de telefonia celular. Um verdadeiro pulmão urbano. A brisa era fresca e
agradável, e a noite me fazia pensar nas coisas boas da vida. Senti uma enorme
alegria por estar fazendo a coisa certa. Fui bom ouvinte para Lully, a
consolei, a distraí com meus amigos e abriguei a moça em minha casa resistindo
bravamente a tentação sucumbir aos seus encantos. Nessa hora me deu uma enorme
saudade de Lara.
Dizem que quando olhamos a Lua cheia e pensamos em
alguém, é porque a pessoa em algum lugar também está olhando a Lua e pensando
em você. Nesse momento pensei no rosto doce e perfeito de Lara, olhando a Lua
lá em Londres. A vontade de estar perto dela foi tão grande que, se fosse
possível, pegaria o primeiro avião para Londres. Alguns amigos dizem que eu
gosto de sofrer. Deve ser verdade porque peguei meu diskman, coloquei um
CD e voltei para a janela. Fiquei olhando a Lua e ouvindo no headfone:
“I'm
wandering round and round, nowhere to go
I'm lonely in London, London is lovely so
I cross the streets without fear
Everybody keeps the way clear
I
know I know no one here to say hello
I
know they keep the way clear
I
am lonely in London
without fear
I'm
wandering round and round, nowhere to go
While
my eyes go looking for flying saucers in the Sky”
Ouvir “London,
London” às quatro da manhã, olhando um luar bucólico e com a mulher por
quem suspirava em Londres, tem um “q” de masoquismo; só pode ter. Derramei
algumas lágrimas enquanto a música corria. No final, desliguei o aparelho,
voltei para a cama e pensei: amanhã vou pedir a Esther para me explicar por que
eu fiz isso...
Acordei com Lully me chamando. Quando voltei para
a cama às quatro da manhã não tranquei a porta. Lully estava sentada na beira
da cama, acariciou meus cabelos e me chamou baixinho: “Acorda menino,
acho que está na hora!”. Estava mesmo, hora de voltar a vida pois a sexta feira
seria cheia.
Tomamos um café juntos na rua, conversando sobre a
noite e sobre outros assuntos. Lully estava bem melhor, disse que voltaria hoje
para casa e encararia todos de cabeça erguida, afinal ela não havia feito nada
que a desabonasse. O vocabulário de Lully continuava a me impressionar. Pensei
em falar com ela sobre Lara, mas como ela nunca me perguntou sobre namoradas,
eu fiquei na minha. Fomos de carro para o centro, conversando. Lully era uma
companhia muito agradável. Alto astral, acordara de bom humor apesar de tudo, e
fez com que meu dia começasse de forma muito agradável. Estar perto de
lully era algo que me fazia bem. Chegamos no centro e ela me lembrou de
algo que eu havia mesmo esquecido. Antes de descer do carro ela perguntou: “ O
balé é hoje ou amanhã?” Minha inocente idéia ao consolar Lully virara uma
promessa. Sem pensar muito disse que iria hoje mesmo ver os ingressos. Lully
disse que preferia sábado pois queria estar bem linda para realizar um sonho de
infância. A ficha caiu para mim, aquele balé não seria um simples programa e
sim algo marcante para a doce menina moreninha que iluminava o carro com seu
sorriso de ansiedade e expectativa.
Combinamos então que seria sábado. Os ingressos e
ligar para marcar horário ficariam por minha conta. Meu sábado seria de Lully.
Fui para o trabalho e ao chegar, meu rosto se
iluminou num sorriso. Um email de Lara me esperava:
“Olá meu amor, estou morrendo de saudades de você!
Londres é linda, fria e cinza. Tenho me lembrado de você todos os dias. Hoje
acordei cedinho, ainda estava escuro, aqui amanhece tarde. Cheguei na janela do
quarto do hotel e estava uma lua linda. Imaginei a lua iluminando nossa cidade
maravilhosa, refletindo na Lagoa Rodrigo de Freitas, uma cena de filme. Senti
saudades de você, do seu perfume, do seu jeito de me olhar, me abraçar. Espero
que esteja sentindo a minha falta e pensando bastante em mim. É bom ter alguém
para sentir saudade, ter alguém para quem voltar. Chego no Brasil semana que
vem, segunda feira. Se você for me buscar no aeroporto serei a passageira mais
feliz de todas e você ganhará um beijo muito apaixonado. Fica com Deus,
Saudades, da sua apaixonada
Lara”
Respondi o email de Lara contando sobre a
coincidência de nós dois termos olhado a Lua na mesma noite, cad aum no seu hemisfério e no seu fuso. Falei da
música que ouvi e disse que estava com muita, mas muita saudade, e que estaria
no aeroporto esperando de braços abertos pela mais linda das mulheres.
Passei a manhã com um sorriso quase que permanente
no rosto.
Comprei os ingressos para o balé na hora do
almoço. Duas poltronas de galeria. Caro, mas nada que me deixasse mais pobre ou
que se comparado a alegria que causaria para Lully. Estava com minha cabeça
bem resolvida nesse momento. Lully começava a se desenhar como uma boa
companhia e logo pensei que minha vida ficaria calma agora. Namoraria Lara, e
ficaria amigo de Lully. O fato de Lully ter dormido lá em casa e termos nos
comportado direitinho, me fez acreditar que isso seria possível. Esse foi meu
pensamento enquanto caminhava com Zé para tomarmos um café na rua da
Carioca. Lá havia uma cafeteria que também era uma cachaçaria e uma livraria.
Era um dos melhores cafés do centro. Casarão antigo, pé direito alto e um
mezanino. Mesinhas de madeira com tampo de mármore, decoração colonial, um
balcão com doces e tortas de tirar o fôlego e qualquer um da dieta. Lá nada era
barato, mas nada era ruim. Eu e Zé [íamos lá e sempre ficávamos na mesma mesa, lá
no fundo no canto direito. O ambiente era agradável e sempre tocava uma musica
de ótima qualidade e som baixinho, que não incomodava as conversas. Eu pedi
logo a torta alemã e Zé foi de Brownnie. Conversamos um pouco sobre a vida,
falei de Lara para meu amigo que sorriu como quem se dá por feliz com meu
aparente momento centrado e equilibrado.
Eu estava mesmo me sentindo seguro dos meus
pensamentos, com uma sensação de leveza. Pedi o café e quando estava prestes a
sair da cafeteria, minha surpresa. Lully conversava animadamente com o mesmo
senhor que a acompanhava na Colombo. Sorridente, animada e à vontade. Havia um
olhar terno entre eles. Novamente evitei os dois e não fui falar com eles.
Aproveitei o fato de o local estar cheio e saí de lá sem ser notado por
Lully. Se Lully era só uma boa amiga, por que aquela cena me incomodou
novamente? Fui andando de volta ao trabalho extremamente incomodado por ver
Lully novamente com a mesma pessoa. Alguém que eu não conhecia. A curiosidade
faz a mente fantasiar mil coisas. Estava arrependido novamente por
não ter ido até a mesa. Fiquei muito incomodado e esse seria a primeira coisa
que contaria a Esther! Ou Será que eu devo contar as coisas para Esther de
forma cronológica? Minha paz e meu equilíbrio tinham ficado lá na cafeteria.
Minha mente estava novamente nebulosa e sem saber o que pensar. Quinze
horas e quarenta e cinco minutos eu estava lá no sofá de Esther, me perguntando
por que a paz havia abandonado meu coração tão rapidamente?
O meu coração ateu quase acreditou
Na tua mão que não passou de um leve adeus
Breve pássaro pousado em minha mão
Bateu asas e voou
Na tua mão que não passou de um leve adeus
Breve pássaro pousado em minha mão
Bateu asas e voou
8 comentários:
E agora? Quero saber a opinião de Esther...
Lennon, parabéns por mais um capítulo caprichado!
Acho que nem Esther vai conseguir te entender... Freud, quem sabe... Mas... o que acontecerá quando Herculado vir os olhos de Lully brilhando no teatro??? Ansiosa pelo próximo capítulo... Curtindo muito.
Obrigado pelo seu comentário ANAonima. pelo jeito você é da torcida da Lully!, Beijos e até o próximo capítulo.
Obrigado Angélica, Esther está tendo muito trabalho com nosso amigo Herculano
Lennon, vc é mesmo um "novelista". Sabe dosar a tensão.Hoje foi bem água com açucar, para aliviar a tensão, mas estou esperando a chapa voltar a esquentar.
Obrigado Fabricio!em breve voltaremos a ter fortes emoções!!
Torço tb pela Lully...
Olá Ericka, obrigado por acompanhar, mas... pq torce por Lully?
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