segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Capitulo 17 – As peças que a vida apronta

Estava eu sentado no Ao Vivo, quase uma extensão da minha casa, pensando na vida. Seria acertada a decisão de ir ao encontro de Lully naquele momento? O risco da gravidez de Martha já não era problema suficiente? Estava eu agora prestes a encontrar a doce, linda e misteriosa Lully, chorosa e triste. Que bagunça isso poderia fazer na minha cabeça ou no meu coração? Para piorar, tinha consulta com Esther no dia seguinte e com certeza seria uma sessão de broncas e puxões de orelha. Acho que meu amigo Wagner, o garçom, viu que meus pensamentos estavam embaralhados e chegou providencialmente, sem que eu tivesse pedido, com minha garrafa de uísque, minha água com gás e o indispensável balde de gelo. Já chegou com seu tradicional e fácil sorriso, me cumprimentando e perguntando se a moreninha gatinha estava para chegar. Acenei que sim e ele parou ali para dois dedos de prosa. Falou um pouco sobre a freqüência do bar e sobre as belas universitárias do campus vizinho. Realmente o bar era deveras bem freqüentado. Tinha para todos os gostos. As “patricinhas” do curso de direito com seus terninhos, as “alternativas” do jornalismo e história e aquelas que iam apenas para badalar depois do trabalho. Eu já estava até me distraindo com o visual quando a doce Lully chegou à mesa. Olhos inchados de chorar, carinha triste e bela - bela como sempre - mas dessa vez sem aquele sorriso fácil e feliz. Lully pediu sua tradicional caipivodka e suspirou. Suspirou como quem quisesse tirar dos ombros um peso duro de carregar. Lully não era dessas meninas frescas. Abandonada pela mãe desde menina ajudou a cuidar da casa e do pai, estudou em colégio público e começou a trabalhar ainda na adolescência. O que teria acontecido de tão grave que a deixara assim, triste, carregada? A caipivodka chegou. Lully bebeu quase que de uma vez. Bebeu e disse que devia tomar umas dez, pois só assim esqueceria a cena trágica que ela ainda não sabia se teria coragem de me contar. Pedi nova bebida para Lully e tomei a palavra em tom aconselhador.“Lully, beber não vai resolver. Você esquece agora e amanhã o problema se duplica, pois o original continua lá e você ainda terá uma bela ressaca para curar!” Chegava a ser curioso. Logo eu, que tantos porres tomei, aconselhando Lully a manter a sobriedade. Rimos um pouco da minha piada fraquinha e eu retomei a palavra. Disse a Lully que, se sentindo a vontade, ela poderia confiar em mim e abrir seu coração. Ela bebeu um leve gole da nova caipivodka e começou a me contar. “Sabe Herculano, muitas pessoas diziam que eu não devia namorar o Bené. Alguns amigos da Cruzada diziam que ele não era pra mim, e outros apenas não aprovavam sem dar muitos motivos. O que eu sei é que ele era trabalhador e que sempre me tratou com muito carinho e atenção. Lá em casa ajudava a lavar a louça, por a mesa e etc. Era cortês com meu pai e sua família sempre me tratou muito bem. Diariamente eu saio para trabalhar e passo lá no ponto. Conversamos um pouco e ele me leva até o meu ônibus. Isso é quase uma rotina diária. Algumas velhinhas fofoqueiras ficam olhando e tecem comentários. No começo eu me incomodava um pouco, mas depois eu passei a ignorar, achava que era coisa de fofoqueiras desocupadas. Eu já estava um pouco ansioso, pois até agora nada havia de importante na narrativa de Lully, e ela prosseguiu: “Hoje Herculano, foi como de costume. Saí de casa, passei no ponto do 474 e lá estava Bené. Nos beijamos e fomos até o ponto. Dessa vez ele não esperou o ônibus passar como de hábito. Me deu um beijo e disse que tinha que voltar logo pois ia fazer uma viagem mais cedo, que tinha mudado de escala. Eu nem me importei, até falei para ele voltar logo. Fiquei ali esperando o ônibus quando resolvi pegar logo o vale transporte para adiantar a passagem na roleta. Quando abri a bolsa me dei conta de que havia esquecido a carteira na outra bolsa, que usei ontem, e voltei para casa para buscar a maldita esquecida. Nessa hora Lully parou, suspirou, criou forças e engoliu a vontade de chorar que começara a reaparecer. E prosseguiu sem esmorecer:“Herculano, eu voltei para a Cruzada, meio apressada para não me atrasar, subi no prédio e peguei a carteira. Quando meu pai me viu, pediu que, por favor, eu levasse o lixo até a lixeira porque ele estava atacado do reumatismo e mal andava. Peguei o lixo e, quando virei no corredor e abri a porta da lixeira, quase caí para trás. Dei de cara com o miserável do Bené aos beijos com Bebete” O olhar de Lully não era mais de choro, mas de raiva. Uma sensação de raiva que eu não havia visto ainda naqueles olhinhos encantadores. Interrompi Lully e perguntei. “Estava de beijos com outra mulher? Você conhece?” Lully com fogo nos olhos me respondeu de bate pronto: “outra mulher não!Bebete é uma transformista ou transexual, sei lá o que, conhecida de todos lá na cruzada. Faz show numa boate na Prado Junior. Todos lá a conhecem, feia demais, todos a chamam de Bebete Trombada, de tão feia que ela é! “Me trair com outro homem Herculano?? Eu mereço isso??? Agora eu entendo o olhar de reprovação das vizinhas. Eu devia ser conhecida como a mais idiota das mulheres. Elas me olhavam era com pena e não com reprovação.” A raiva de Lully se transformou num choro compulsivo. A doce menina desabava em prantos. Era mesmo castigo demais para aquela doce menina de vida difícil e sofrida. Abracei Lully contra meu peito e deixei a menina ali, chorando e soluçando. Ela chorava tanto que sentia minha camisa molhada por suas lágrimas. Afaguei seus cabelos com carinho e a abracei, deixei Lully ali,desabafando sua desilusão, até passar. Alguns minutos depois ela suspendeu o choro e pediu desculpas. Eu disse que estava tudo bem, que era mesmo de doer. Falei que era melhor descobrir logo, antes que casassem ou tivessem filhos. Falei que ela era linda e especial e que logo superaria o caso e arrumaria um namorado digno do seu amor e de seus encantos. Lully agradeceu com aquele rostinho meigo que eu conhecia bem. Pensei em comentar com ela sobre meu risco de estar “grávido”. Não sabia se seria o melhor momento. Pensei também em fazer uma piada, dizendo que alguns amigos meus achavam que Martha era homossexual, ou bi(alguns amigos falavam isso mesmo), mas também desisti da piada. Uma idéia, que na hora me pareceu genial, mas que futuramente não se demonstrou tão genial assim e sim, perigosa. - Lindinha, disse eu em tom animado, “Nem todas as surpresas da vida são ruins!” Lully me olhou atenta, como que indagando sobre qual seria o coelho que eu tiraria da cartola. - “Vou te levar ao Balé no Teatro Municipal! Já até escolhi a peça, será Coppélia!”Ela olhou já com um sorriso, esperando mais informações. Expliquei então de forma resumida que era a história de Coppeluis, um viúvo recente e inconsolável pela perda da esposa querida, uma dançarina. Ele abriga na sua casa um cientista diabólico, que lhe sugere transformar uma jovem em boneca, semelhante à esposa morta. Sob efeito de drogas, Coppelius aceita. E aí se desenrola a história. Eu havia lido no jornal sobre a estréia do balé e, com Lara Fora do país, achei que cumprir a promessa com Lully seria uma forma de levantar seu astral. Um programa inofensivo e quase beneficente. Não deu outra, o rosto de Lully se iluminou com aquele meigo e encantador sorriso. Ela ficou muito feliz, me abraçou, dessa vez sorrindo e disse que eu era um fofo mesmo (lá vem o maldito fofo novamente pensei eu rindo “por dentro”). O abraço de Lully de gratidão era mesmo um belo prêmio. O assunto mudou, ela fez mil perguntas sobre como era o Teatro Municipal por dentro, quantas vezes eu havia ido, se era mesmo lindo, imponente e etc. Bebemos mais umas duas ou três doses. Rimos um pouco e começou a chegar a hora de ir embora. O rosto de Lully voltou a ficar entristecido e ela murmurou: “Como vou voltar para casa? Como vou encarar todo mundo? O que faço se Bené estiver lá, aquele cara de pau maldito?” O rosto de Lully entristecido cortava meu coração, eu faria qualquer coisa para aliviar seu sofrimento naquele momento, mas como ajudá-la? O que mais eu poderia fazer para consolar Lully? Abracei Lully e falei: “Não fique assim mocinha, ele não merece e ninguém merece ver você triste. Posso fazer algo mais para te ajudar?” Eu terminei a frase e me lembrei do conselho de um sábio professor que dizia: “Não faça perguntas para as quais não estejas preparado para as respostas!” Sábio mestre, mas como eu já havia feito a pergunta, era tarde. Lully enxugou uma lágrima e respondeu: “Não quero voltar lá e encarar todo mundo. Seria muito sofrido para mim, muita humilhação. Posso ir para sua casa hoje? “Quando a gente tenta, De toda maneira, Dele se guardar, Sentimento ilhado, Morto, amordaçado, Volta a incomodar...”

7 comentários:

Angélica disse...

Ai, ai, ai...Herculano, Herculano, isso não vai prestar!
No melhor vc parou de escrever :(
Posta logo o próximo.

Lennon Pereira disse...

So amanhã... risos e muito obrigado Angélica querida!

Tatiana disse...

Droga...só amanhã agora, cada vez mais intrigante. Leio como se tivesse vendo tal cena....òtimo

Lennon Pereira disse...

Obrigado Tatiana, Vc é muito gentil. fico feliz que curta a história! beijo

Angélica disse...

Bem, já é amanhã...e aí?! hehehe

Patricia disse...

Esse Bené é mesmo um anormal e não merece a Lully.Por que então deixou ela para na dele?Quem gosta de traveco e ainda por cima feio,é mesmo tarado!!

Lennon Pereira disse...

Obrigado Patricia, pelo seu comentário e por acompanhar. Bené terá seu castigo em breve, e lully parece ter se livrado de sua âncora. Vamos aguardar para ver o que acontecerá com eles!