A voz chamando meu nome
cortou o clima e meu peito como uma espada de samurai. Durante os dois ou três
segundos que demorei para me virar e identificar quem estava ali falando
comigo, um filme de terror passou pela minha mente.
Seria algum amigo de Lara?
Imagine a decepção que Lara teria ao saber que em sua ausência estava eu a me deleitar
no Zepellin com uma morena misteriosa, tomando champanhe e com olhar
apaixonado.
Senti aquele medo, devo ter
ficado pálido. Quando olhei para trás, uma risada debochada e extasiada por me
assustar se misturou ao meu maior suspiro de alívio. Dr. Luiz sorria com seus
suspensórios, seu charuto e sua esposa ao lado.
A esposa de Dr. Luiz tinha
uns vinte anos a menos do que ele. Fogosa e faceira, sorria deslumbrada com o
lugar. Eu e Lully nos levantamos, eu para falar com meu padrinho e ela
como chefe.
Ele sorriu e se disse muito
feliz em nos ver juntos. Conversou conosco uns cinco minutos e ao sair nos
abençoou. “Fico feliz em ver minhas crias juntas e felizes. Garçom! traga
quantos champanhes eles quiserem! é tudo por minha conta.” Relutei em aceitar,
mas ele fez questão. Dr. Luiz me abraçou e foi para uma mesa no cantinho do
bar. Eu e Lully ficamos meio sem jeito por uns quinze minutos e o clima foi
melhorando aos poucos.
Conversamos muito e Lully me
surpreendeu perguntando por que eu estava solteiro.
Suspirei e abri meu coração
para a mocinha. Disse a ela que eu tinha mesmo uma barreira dentro de mim que
me impedia de me envolver. Dei mais alguns detalhes e ela ouvia em silencio,
concentrada, como quem quer ler os pensamentos.
Mais umas doses e eu também
me encorajei e perguntei a Lully como ela tinha se envolvido com Bené, ela
suspirou e abriu o coração também. Disse que Bené a paquerava há anos, desde a
adolescência. Foi algo quase que automático. Eles estavam sempre ali, no ponto
e papo vai papo vem, acabou rolando um clima. Bené era o maior erro de Lully,
segundo ela mesma, e ela havia virado definitivamente a pagina. Falou que
quando passou pelo ponto, Bené quis conversar. Lully cortou o mal pela raiz. Afirmou que se ele voltasse
a dirigir a palavra a ela, todos saberiam o motivo do término, inclusive os
colegas de trabalho. Bené baixou a cabeça e se retirou, conforme narrativa de
Lully.
Depois desse papo e já na
segunda garrafa de Chandom, o clima já era novamente nosso.
Dr. Luiz, um homem cheio de surpresas,
estava distante e entretido com sua namorada
“piriguete”, e nem nos dava bola e a noite era novamente nossa.
Lully pediu licença para ir
ao banheiro e eu estava tão entretido com a Lua e a vista da zona sul carioca,
que nem reparei no que Lully estava prestes a aprontar.
Alguns minutos se passaram e
uma voz conhecido soou no microfone. Olhei assustado e ouvi algo que me surpreendeu profundamente:
“Boa noite a todos que estão
no bar, quero dividir com vocês esse momento muito feliz e especial para mim.”
Era Lully ao microfone. Meu coração
disparou, perdi o fôlego e a danadinha prosseguiu, firme e doce, segura e
determinada. “ quero agradecer a uma pessoa muito especial em minha vida, por
me proporcionar uma noite tão especial e inesquecível para mim. Não sei bem
como dizer tudo que passa em meu coração, resolvi então cantar uma musica que
retrata bem parte dos meus sentimentos. Lully pegou o microfone com autoridade,
cochichou ao ouvido do musico e disparou:
“Quis
evitar teus olhosMas não pude reagir
Fico à vontade então
Acho que é bobagem
A mania de fingir
Negando a intenção
E quando
um certo alguém
Cruzou o teu caminho
E te mudou a direção
Cruzou o teu caminho
E te mudou a direção
Chego a
ficar sem jeito
Mas não deixo de seguir
A tua aparição
Mas não deixo de seguir
A tua aparição
E quando
um certo alguém
Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar...”
Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar...”
O bar inteiro cantou em coro, aderindo à
declaração de Lully. Alguns se olhavam, outros se beijavam e Lully cantou até o
fim o sucesso de Lulu Santos. Meu coração estava disparado e Lully foi
aplaudida com entusiasmo. A Moreninha que cativara meu coração acabava de
conquistar também o bar. Até Dr. Luiz cantarolava com olhar orgulhoso de sua
funcionária.
Lully agradeceu e voltou à
mesa e eu a recebi com um longo e apaixonado beijo, que também foi aplaudido
pelo bar com emoção.
Esther estava enganada, o
beijo de Lully era delicioso, inteiro, intenso e redentor. Uma alegria enorme
tomava conta de mim. Beijei Lully como se ela fosse a única mulher do mundo. Um
beijo avassalador, que me libertava de vez de meus medos e angustias. O tempo
parou, a terra parou e naquele momento só existiam Lully e eu no mundo.
“Achei que esse momento nunca
chegaria” sussurrou Lully para mim. “Você é um sonho, uma linda” respondi eu
derretido.”morro de medo de você” completei totalmente entregue aos encantos da
bela mocinha.
Nós nos olhávamos com um brilho contagiante no olhar. A noite
estava mesmo surpreendente. Eu achei que ia encantar e seduzir Lully e a moça
me seduziu de forma surpreendente. Eu não sentia medo, nem culpa nem nada, só queria
contemplar a beleza e os encantos de Lully.
A noite foi recheada de
beijos, carinhos, champanhe e suspiros. Lully confessou que se sentia atraída
por mim há um tempinho. Disse que no início era tudo apenas uma brincadeira,
mas que meu jeito tímido e contido ao lado dela despertou algo inexplicável no
início. Meu ar respeitador fez com que ela tomasse a iniciativa de me provocar.
Confessou que adorava falar ao meu ouvido e ver que aquilo me deixava
desconcertado. Falou que muitas vezes me provocou pelo simples prazer de me ver
sem jeito, intimidado. Um belo dia acordou e sentiu falta de falar comigo. Achou
que era uma besteira, mas depois daquele dia, uma vontade enorme de saber como
seria se eu cedesse a suas provocações tomou conta de seu coração. Confessou que
meu convite para o ballet foi o que a deixou derretida. Segundo ela, o vestido
de presente fez com que ela decidisse não medir esforços para me colocar “a
prova”.
Eu sorria de felicidade e
encanto. Mal sabia como lidar com aquele momento e decidi me levar pela emoção
e pelo desejo. Foi minha vez de ir ao
microfone. Com meu gosto peculiar e eclético, pedi uma musica pouco conhecida
do povão, mas de letra forte. Para minha sorte, o musico era uma enciclopédia e
disse que adorava a minha escolha. Dediquei a canção a Lully, a quem chamei de:
“ a morena que seduziu e desarmou meu coração.” Peguei o microfone, afinei um
pouco o violão, fiz um dedilhado como introdução e me declarei timidamente:
“Ah!Esse Amor que me arrasta, me gasta e me faz sofrer
Mas me devolve a vida escondida
Em quartos que eu não quis dormir
Ah!
Esse AMOR bandido, contido quer me machucar
Mas só me traz verdades,
Que a idade toda não consegue dar
Abra os
braços pra me guardar
Que eu todo vou me entregar
começo meio e fim
E a minha cuca ruim
Que eu todo vou me entregar
começo meio e fim
E a minha cuca ruim
Aperte a
minha mão
Esse caminho é a solução
Esse caminho é a solução
Pra me
levar se quiser
Pra ser só minha mulher...”
Pra ser só minha mulher...”
A música traduzia muito bem minha personalidade e meu
momento. Lully disse que não conhecia a música, mas que amou a letra. Trocamos
mais alguns beijos e carinhos. Admiramos a vista até que a madrugada chegou.
Era tarde, umas três da manhã. A música acabou e o bar
começava a se preparar para encerrar o expediente. Entramos no carro,
trocamos mais alguns beijos apaixonados
e eu providencialmente peguei a Niemeyer em direção a São Conrado ao invés de
pegar a direção Leblon.
Entrei no quarto do famoso e encantador Vip´s com Lully em
meus braços, na suíte presidencial, para ter a Lua e as estrelas como
testemunhas oculares daquele momento.
“estrelas
mudam de lugar
chegam mais
perto só pra ver...”
Como é bom estar vivo e sentir o coração bater como quem
quer saltar do peito...