quarta-feira, 30 de novembro de 2011

capitulo 22 - É bom ser Vip...


A voz chamando meu nome cortou o clima e meu peito como uma espada de samurai. Durante os dois ou três segundos que demorei para me virar e identificar quem estava ali falando comigo, um filme de terror passou pela minha mente.
Seria algum amigo de Lara? Imagine a decepção que Lara teria ao saber que em sua ausência estava eu a me deleitar no Zepellin com uma morena misteriosa, tomando champanhe e com olhar apaixonado.
Senti aquele medo, devo ter ficado pálido. Quando olhei para trás, uma risada debochada e extasiada por me assustar se misturou ao meu maior suspiro de alívio. Dr. Luiz sorria com seus suspensórios, seu charuto e sua esposa ao lado.
A esposa de Dr. Luiz tinha uns vinte anos a menos do que ele. Fogosa e faceira, sorria deslumbrada com o lugar. Eu e Lully nos levantamos, eu para falar com meu padrinho e ela como  chefe.
Ele sorriu e se disse muito feliz em nos ver juntos. Conversou conosco uns cinco minutos e ao sair nos abençoou. “Fico feliz em ver minhas crias juntas e felizes. Garçom! traga quantos champanhes eles quiserem! é tudo por minha conta.” Relutei em aceitar, mas ele fez questão. Dr. Luiz me abraçou e foi para uma mesa no cantinho do bar. Eu e Lully ficamos meio sem jeito por uns quinze minutos e o clima foi melhorando aos poucos.
Conversamos muito e Lully me surpreendeu perguntando por que eu estava solteiro.
Suspirei e abri meu coração para a mocinha. Disse a ela que eu tinha mesmo uma barreira dentro de mim que me impedia de me envolver. Dei mais alguns detalhes e ela ouvia em silencio, concentrada, como quem quer ler os pensamentos.
Mais umas doses e eu também me encorajei e perguntei a Lully como ela tinha se envolvido com Bené, ela suspirou e abriu o coração também. Disse que Bené a paquerava há anos, desde a adolescência. Foi algo quase que automático. Eles estavam sempre ali, no ponto e papo vai papo vem, acabou rolando um clima. Bené era o maior erro de Lully, segundo ela mesma, e ela havia virado definitivamente a pagina. Falou que quando passou pelo ponto, Bené quis conversar. Lully cortou  o mal pela raiz. Afirmou que se ele voltasse a dirigir a palavra a ela, todos saberiam o motivo do término, inclusive os colegas de trabalho. Bené baixou a cabeça e se retirou, conforme narrativa de Lully.
Depois desse papo e já na segunda garrafa de Chandom, o clima já era novamente nosso.
Dr. Luiz, um homem cheio de surpresas, estava distante e entretido com sua namorada  “piriguete”, e nem nos dava bola e a noite era novamente nossa.
Lully pediu licença para ir ao banheiro e eu estava tão entretido com a Lua e a vista da zona sul carioca, que nem reparei no que Lully estava prestes a aprontar.
Alguns minutos se passaram e uma voz conhecido soou no microfone. Olhei assustado  e ouvi algo que me surpreendeu profundamente:
“Boa noite a todos que estão no bar, quero dividir com vocês esse momento muito feliz e especial para mim.” Era Lully ao microfone.  Meu coração disparou, perdi o fôlego e a danadinha prosseguiu, firme e doce, segura e determinada. “ quero agradecer a uma pessoa muito especial em minha vida, por me proporcionar uma noite tão especial e inesquecível para mim. Não sei bem como dizer tudo que passa em meu coração, resolvi então cantar uma musica que retrata bem parte dos meus sentimentos. Lully pegou o microfone com autoridade, cochichou ao ouvido do musico e disparou:
Quis evitar teus olhos
Mas não pude reagir
Fico à vontade então
Acho que é bobagem
A mania de fingir
Negando a intenção

E quando um certo alguém
Cruzou o teu caminho
E te mudou a direção
Chego a ficar sem jeito
Mas não deixo de seguir
A tua aparição
E quando um certo alguém
Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar...”
 O bar inteiro cantou em coro, aderindo à declaração de Lully. Alguns se olhavam, outros se beijavam e Lully cantou até o fim o sucesso de Lulu Santos. Meu coração estava disparado e Lully foi aplaudida com entusiasmo. A Moreninha que cativara meu coração acabava de conquistar também o bar. Até Dr. Luiz cantarolava com olhar orgulhoso de sua funcionária.
Lully agradeceu e voltou à mesa e eu a recebi com um longo e apaixonado beijo, que também foi aplaudido pelo bar com emoção.
Esther estava enganada, o beijo de Lully era delicioso, inteiro, intenso e redentor. Uma alegria enorme tomava conta de mim. Beijei Lully como se ela fosse a única mulher do mundo. Um beijo avassalador, que me libertava de vez de meus medos e angustias. O tempo parou, a terra parou e naquele momento só existiam Lully e eu no mundo.
“Achei que esse momento nunca chegaria” sussurrou Lully para mim. “Você é um sonho, uma linda” respondi eu derretido.”morro de medo de você” completei totalmente entregue aos encantos da bela mocinha.
Nós nos olhávamos  com um brilho contagiante no olhar. A noite estava mesmo surpreendente. Eu achei que ia encantar e seduzir Lully e a moça me seduziu de forma surpreendente. Eu não sentia medo, nem culpa nem nada, só queria contemplar a beleza e os encantos de Lully.
A noite foi recheada de beijos, carinhos, champanhe e suspiros. Lully confessou que se sentia atraída por mim há um tempinho. Disse que no início era tudo apenas uma brincadeira, mas que meu jeito tímido e contido ao lado dela despertou algo inexplicável no início. Meu ar respeitador fez com que ela tomasse a iniciativa de me provocar. Confessou que adorava falar ao meu ouvido e ver que aquilo me deixava desconcertado. Falou que muitas vezes me provocou pelo simples prazer de me ver sem jeito, intimidado. Um belo dia acordou e sentiu falta de falar comigo. Achou que era uma besteira, mas depois daquele dia, uma vontade enorme de saber como seria se eu cedesse a suas provocações tomou conta de seu coração. Confessou que meu convite para o ballet foi o que a deixou derretida. Segundo ela, o vestido de presente fez com que ela decidisse não medir esforços para me colocar “a prova”.
Eu sorria de felicidade e encanto. Mal sabia como lidar com aquele momento e decidi me levar pela emoção e pelo desejo.  Foi minha vez de ir ao microfone. Com meu gosto peculiar e eclético, pedi uma musica pouco conhecida do povão, mas de letra forte. Para minha sorte, o musico era uma enciclopédia e disse que adorava a minha escolha. Dediquei a canção a Lully, a quem chamei de: “ a morena que seduziu e desarmou meu coração.” Peguei o microfone, afinei um pouco o violão, fiz um dedilhado como introdução e  me declarei timidamente:
Ah!
Esse Amor que me arrasta, me gasta e me faz sofrer
Mas me devolve a vida escondida
Em quartos que eu não quis dormir

Ah!
Esse AMOR bandido, contido quer me machucar
Mas só me traz verdades,
Que a idade toda não consegue dar

Abra os braços pra me guardar
Que eu todo vou me entregar
começo meio e fim
E a minha cuca ruim
Aperte a minha mão
Esse caminho é a solução
Pra me levar se quiser
Pra ser só minha mulher...”
A música traduzia muito bem minha personalidade e meu momento. Lully disse que não conhecia a música, mas que amou a letra. Trocamos mais alguns beijos e carinhos. Admiramos a vista até que a madrugada chegou.
Era tarde, umas três da manhã. A música acabou e o bar começava a se preparar para encerrar o expediente. Entramos no carro, trocamos  mais alguns beijos apaixonados e eu providencialmente peguei a Niemeyer em direção a São Conrado ao invés de pegar a direção Leblon.
Entrei no quarto do famoso e encantador Vip´s com Lully em meus braços, na suíte presidencial, para ter a Lua e as estrelas como testemunhas oculares daquele momento.
“estrelas mudam de lugar
chegam mais perto só pra ver...”
Como é bom estar vivo e sentir o coração bater como quem quer saltar do peito...

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Capitulo 21 – Lully e o Zepellin

Acordei cedo com a claridade entrando por um pequeno espaço entre as cortinas do quarto de Carol. Levantei da cama e reparei que Carol dormia ainda um sono gostoso.Ela era ainda mais bonita com a luz do dia. Sensual e uma beleza que vinha do jeito desprendido e crédulo da moça que conheci na noite do Rio de janeiro. Fui fechar a cortina mas não pude fazê-lo. Quando cheguei à janela fiquei enfeitiçado.

A janela do quarto de Carol ficava de frente para o Cristo Redentor. Amanhecer, céu azul e aquela vista deslumbrante eram sinais divinos de que minha vida estava mesmo entrando em uma nova fase. Fiquei ali, admirando o famoso presente doado ao Brasil pelo governo francês, num tempo em que os governos se presenteavam com coisas realmente significantes e não com  os Cavalos de Tróiade hoje em dia. Quando retornei vi que Carol estava acordada, quietinha, se deliciando com meu deslumbramento frente ao Redentor. “Lindo não é?”  perguntou a moça, dando-me a deixa para começar o dia com o pé direito: “Lindo sim e, como você, é ainda mais bonito pela manhã com o sol iluminando”. Eu acordara com raciocínio rápido e espirituoso. Carol me puxou para um beijo matinal, me deu um sorriso lisonjeiro e disse que eu não prestava. Estaria ela certa? Resolvi não pensar nisso. Correspondi o beijo e fomos tomar café.

Foi bom conhecer um pouco mais sobre Carol. Antes que ela começasse a contar qualquer coisa eu resolvi confessar minhas mentiras. Disse a ela que tudo que contei, ou quase tudo, na primeira vez era lenda. Que fiz tudo para impressioná-la. Para minha surpresa ela riu e, do alto dos seus 25 anos de sabedoria e experiência, me colocou no chinelo. “Eu sei que você mentiu para me impressionar. Eu também não estudo direito. Sou dona de uma loja de roupas femininas. Na verdade a dona é minha mãe, mas eu cuido de algumas. Sou formada em administração de empresas pela PUC e conto esse papinho de estudante para espantar interesseiros, ou homens desinteressantes. Você fez meu tipo. Confiante, falante, determinado. Gosto de homens assim, bem resolvidos e que vão atrás do que querem.”
Meu queixo só não caiu porque eu estava ocupado mastigando um delicioso sanduíche feito por mim mesmo na cozinha de Carol. A menina era muito mais esperta do que eu. Ela riu bastante das nossas mentiras, colocou mais café para nós dois e continuou as revelações: “eu tenho um rolo, sabe Herculano? Não quero me prender a ninguém. Ele também é enrolado, não sabe o que quer. Nós levamos a vida assim, sem ciúmes e sem perguntas. Gostei de você e te dei mole mesmo. Você achou que tinha me escolhido, não é tolinho? Um segredo Herculano, nós sempre escolhemos!”
Lá estava eu tendo aulas com Carol. A vida é mesmo imprevisível. Fiquei tão a vontade que contei para Carol sobre Lully e meu programa de sábado e mais uma vez Carol me surpreendeu: “Herculano, você precisa de umas dicas. Se é um programa tão especial para ela ir ao balé no municipal, você precisa dar um “tcham” na sua noite. Sabe o endereço dela não é? Então vem comigo.”
Carol me levou até uma de suas lojas, num shopping ali perto. Pediu que eu descrevesse Lully e que apontasse uma mulher com o corpo no mesmo estilo. Para minha sorte uma das vendedoras era o tipo de Lully. Carol pegou um vestido preto, justo, não muito curto, com um decote interessante e duas alcinhas -estava calor e seria perfeito. Ela pegou um papel, uma caneta, me entregou e disse: “Escreve aí Herculano, com sua letra! Quando vi esse vestido na vitrine pensei que ele seria perfeito para você usar hoje. Ele é lindo como você e como o Theatro municipal. Você será a mulher mais bonita da noite e eu, o homem mais orgulhoso. Uma roupa  especial, para uma noite especial, com uma pessoa especial. Passo na sua casa às 19:30h. Um beijo, Herculano.”

Carol era mesmo uma pessoa superior, ela estava curtindo minha história e ainda me ajudando, apimentando as coisas. Perguntei o preço e ela disse que era um presente. Seu pagamento seria a minha promessa de contar tudo sobre a noite num almoço,durante a semana. Agradeci, ela fez um super embrulho e mandou um funcionário entregar na casa de Lully.

Fui para casa dormir e me preparar para minha noite com Lully. Coloquei a roupa escolhida por Su na noite anterior e, às 19:30 estava eu ali, parado no Jardim da Alah, esperando por Lully.
Ela foi pontual e, quando entrou no carro e a luz interna a iluminou, eu fiquei sem ar e sem palavras. Lully ficara realmente deslumbrante no vestido. Maquiagem leve, batom vermelho, olhos pintados com lápis e uma leve sombra, brincos e um colar prateados davam um ar elegante àquela doce menina. Lully percebeu meu deslumbre, aproximou-se de mim e beijou meu rosto. “Chegou perto e perguntou: gostou? Estou bonita com o lindo presente que me deu?” Eu mal pude responder que sim com a cabeça e em seguida disse apenas: “muito linda você”. Ela agradeceu e ao meu ouvido sussurrou: “ Você está um gato e muito cheiroso.” A voz de Lully ao meu ouvido fez meu corpo todo se arrepiar. Fechei os olhos, senti seu perfume e suspirei uma, duas, três vezes até recuperar a concentração. Ela sorriu vitoriosa por ter me desconcertado e seguimos até nosso destino.

Lully estava encantada com tudo. O Theatro em si, os tapetes, as cortinas, as pinturas, o glamour, as pessoas bem vestidas e elegantes. Estava como uma cinderela no palácio. Linda e elegante, Lully ficava ainda mais bela com aquele brilho de encanto nos olhos. Procuramos nossos assentos e ficamos lá, lendo o resumo dos atos.Copélia era um clássico que reunia fábula, amor, magia, maldade, sonhos choro e alegria. Uma delicia de evento. Conversamos um pouco e Lully tinha as mãos frias de ansiedade. Quando tocou a campainha anunciando que o espetáculo ia começar, Lully me abraçou e falou baixinho: “Muito obrigado por me trazer aqui. Você é um fofo lindo. Sorri em silêncio. Eu estava sendo promovido de apenas fofo para fofo lindo. Recostei para assistir a dança-teatro. Lully ficou vidrada o tempo todo e mal piscou. Não quis nem se levantar no intervalo entre os atos. Aproveitou cada minuto, riu e chorou. Um choro emocionado e sincero. Eu estava amando proporcionar tal experiência à Lully, era minha recompensa.
“Se chorei ou se sorri
O importante é que emoções eu vivi...”


O Espetáculo acabou e Lully era o estereótipo da pessoa realizada. Um sorriso que não saía do rosto. Agradeceu mais algumas vezes, disse que amou tudo e que era o lugar mais lindo que já tinha ido, que jamais se esqueceria. Eu também estava feliz mas a noite e as surpresas não acabariam ali. Estava determinado a vencer as barreiras que eu mesmo impunha ao meu relacionamento com Lully. Eu sabia que o Theatro não seria o lugar ideal para uma conversa mais romântica. Inspirado pela idéia de Carol sobre o vestido, eu também preparara meus truques. Convidei Lully para continuarmos a noite e ela disse que sim, que estava feliz demais para voltar para casa. Pegamos o carro e seguimos par a Avenida Niemeyer.
Durante o dia liguei para um famoso bar da época que hoje já não existe mais, infelizmente. O Zepellin ficava ali na encosta do morro dois irmãos, próximo ao hotel Sheraton. O lugar era o paraíso dos apaixonados. Luz de velas, música ao vivo baixinha e romântica, uma vista linda  das praias do Leblon, Ipanema e Arpoador. A noite estava ajudando: lua cheia e muitas estrelas no céu.
Reservei uma mesinha na varanda. Quando chegamos lá os olhos de Lully voltaram a brilhar. Sentamos um ao lado do outro, com a desculpa de ficarmos de frente para a linda vista. Pedi Chandon e patê de Foie Grasscom torradas, para coroar aquele momento. Antes de fazer o pedido fiz um pedido especial ao cantor do dia. Disse a Lully que a noite era especial não só para ela mas para mim também. Disse que conhecê-la tinha sido uma coisa muito especial para mim, que aprendi muito com nossa convivência. Lully me olhava com um olhar doce, com admiração e leveza. Ela sorriu e disse que eu era alguém muito importante na vida dela e que gostava muito de estar perto de mim. Na hora do brinde falei baixinho no ouvido dela: “Pedi essa música para você!” e o cantor entoou:
“Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar

Ai, que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar

Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus
Só pra me provocar
Meu amor juro por Deus
Me sinto incendiar “


Olhei Lully bem de perto, no fundo dos olhos e quando minha boca já estava seca de tensão e vontade de beijá-la, uma mão tocou meu ombro e eu ouvi uma voz dizendo: "Boa noite Sr. Herculano.”


sábado, 26 de novembro de 2011

Capitulo 20 – A sabedoria abençoada de Esther


Esther veio me receber com seu habitual e acolhedor sorriso quase que maternal. Olhou para mim e disse: “Deixe essa nuvenzinha sobre sua cabeça aí na sala e venha comigo”. Esther era um dinheiro muito bem gasto por mim. Com sua experiência e sabedoria, ela praticamente lia meu astral.
Sentei na poltrona de sempre e meio que indeciso e perdido, pedi cola. Perguntei à Esther se devia ser cronológico nos assuntos ou se devia apenas ir falando sobre as muitas emoções da semana. Para variar a resposta dela foi a que eu já sabia: “Faça como quiser.”
Optei por ser cronológico e durante minha longa narrativa, percebi a montanha russa de emoções que foi a minha semana.
Do paraíso que começou na festa de Lara, passando pelo fim de semana em Mury, ao inferno da notícia bomba de Martha na segunda feira. Depois a alegria de ter vencido as tentações de Lully e a decepção pelo incomodo que me causou a visão de Lully “acompanhada” no café.
Foi a primeira vez que vi Esther fazer algumas anotações. Normalmente ela apenas ouvia atentamente com comentários pontuais.
Para minha surpresa, Esther deu pouca atenção ou importância ao risco de gravidez de Martha. Segundo ela, nós só devemos nos preocupar com fatos reais e não com possibilidades. Para Esther, se preocupar antes do resultado do exame de Martha era como sofrer na segunda feira pelo risco de chover no sábado. Pura perda de tempo,  nada se pode  fazer para mudar o resultado.
O Primeiro conselho de Esther foi para que eu tivesse mais problemas reais e menos problemas imaginários e me mandou falar disso com ela após o teste. Ótimo, menos uma preocupação para mim. O conselho de Esther nesse ponto foi um alivio para minha cabeça.
As surpresas não pararam por aí, em seguida a bomba de Esther:
“Herculano, por que você resistiu a Lully? Porque não aproveitou a ocasião da sua casa para ter mais intimidade com ela? Por que não a beijou? Quem disse a você que você precisa ser o bom samaritano ou o “senhor ética”?
Essas perguntas de Esther me deixaram extremamente desconfortável e sem piedade ela prosseguiu: “Você não é casado e nem sabe se é mesmo de Lara que você gosta. O que eu vejo é que você tem uma coisa meio utópica com Lully. Você nem sabe se vai gostar do beijo da menina e fica aí morrendo de medo de tocá-la. Medo de algo que você nem sabe se é real meu amigo. Deixe o plano imaginário e viva o plano real. Lully  é de carne e osso. Tem qualidades e defeitos como todos nós, e beijá-la talvez seja seu passaporte para se libertar de mais um problema que para mim, por enquanto só existe nessa sua cabeça romântica! Vá em frente, experimente, corra o risco, sinta, viva e decida-se. Mas qualquer que seja sua decisão, que seja sincera, real e arque com os bônus e ônus de fazer escolhas. Não quero mais você aqui nessa poltrona desfilando seus problemas imaginários. Sua hora acabou! Até sexta, mas sem essa ladainha ok?”
A bronca dura e cruel de Esther foi como um tratamento de choque. Eu entrara no consultório carregando todo o peso do mundo em minhas costas e saíra de lá sacudido. Saí do consultório e parei no primeiro bar que vi. Encostei no balcão, pedi um chopp e uma porção de azeitonas. Precisava assimilar a sessão de hoje da análise.
Percebi que o sermão de Esther praticamente me fizera sair de lá sem o peso de ter que fazer tudo certo o tempo todo. Eu era humano, sujeito a tropeços, erros e acertos. Aquela sessão com Esther mudaria minha vida para sempre. O Herculano Tavares Marins que saiu do consultório não era o mesmo que entrou. Lá entrou um cara que morria de medo de cometer erros, de ser julgado e condenado por um juiz que só existia na propria  mente, minha severa consciência. 
Esther me ensinara naquele dia que não devo ser tão exigente e cruel comigo mesmo. Me ensinou a me permitir o benefício da dúvida. Eu advogado que era, nem me tocara de que até para a lei dos homens todos são inocentes até que se prove o contrário.
O segundo chopp me desceu com o sabor da absolvição e da liberdade. O Herculano que eu via no espelho da parede do bar era um homem livre, um escravo alforriado. Meu sorriso era mais leve e meu astral estava aliviado.
Liguei para Su, uma amiga querida, quase uma irmã mais nova e pedi a ela que fosse comigo ao shopping. Eu precisava comprar uma roupa nova bacana para um programa especial que eu tinha para fazer no sábado.
Su me atendeu com um sorriso daqueles que se nota por telefone e me disse que passasse em sua casa que ela teria prazer em ir comigo. Nada como dividir momentos felizes com amigos de verdade e Su era a companhia perfeita para dar um capricho no visual. Elegante, de bom gosto e mais jovem que eu uns seis anos. Su trabalhava numa multinacional e apesar de sua beleza e charme ímpares, nunca passamos de bons amigos. Talvez por conhecê-la muito jovem, eu tinha mesmo apenas um olhar fraterno.
Ela logo quis saber que programa especial era aquele e queria saber o que havia acontecido para eu estar com aquele ar leve e empolgado.
Me resumi a dizer que eu estava alforriado, livre, praticamente renascido após uma bronca dada por minha analista.
Su escolheu calças, camisas, blusas e calçados. Me fez deixar uma boa grana na loja, mas eu saí de lá com novo visual. Mais despojado e descontraído, algo que combinaria mais com meu novo perfil. Fomo jantar num restaurante japonês depois. Sashimis, temakis, harumakis, saque, muito saque, risos e muitas histórias. Comemos e bebemos bem, Su foi a primeira a conhecer o novo Herculano e ela tinha tudo a ver com minha nova personalidade. Agradeci a companhia dela  e ela me devolveu dizendo estar muito feliz de me ver desse jeito. “ Adoro você meu amigo, mas você sempre carregou esse ar de preciso fazer tudo certo. A vida não é assim meu querido!”A anuência de Su soava como uma benção para meus ouvidos. Eu a deixei na cada de Daniel, seu namorado sansei, e fui para casa descansar e me preparar para o meu dia especial com Lully. Naquele momento eu já até havia me esquecido do fato de Lully estar lá de papo com o maldito “Sr misterioso”. O Mundo era meu e o direito de errar me fazia um homem livre. Estava a caminho de casa quando o telefone tocou.  Junior e  Martins estavam no Boteco Taco,  e como eu era um homem livre, estiquei. Já estava no pique mesmo e bebemos algumas animadamente conversando e jogando uma partida de mata tatá. Uma hora depois estávamos na tal casa ali ao lado. Furamos a fila como de costume e fomos para a pista. Martins e Junior eram “guerreiros da noite”, não perdiam tempo nem oportunidades. Quando íamos para a “guerra”, rolava uma disputa velada para ver quem seria o primeiro a marcar gol. Dessa vez resolvemos apostar para ficarem claras as regras. Uma garrafa de Red Label para quem fosse o primeiro. Não valia ninguém com a idade de nossas mães e nem genéricas da “Dona Bela”, personagem de Zezé Macedo no programa Escolhinha do Professor Raimundo, famoso humorístico do genial Chico Anysio.
Era mesmo  meu dia de sorte, olhei para a pista e lá estava Carol, lembram dela? A menina que apaguei o telefone. Cheguei perto  dela com ar de feliz e surpreso em vê-la. Antes que ela pudesse falar alguma coisa eu me adiantei: “Carol, que bom te ver!! Perdi meu celular e toda a minha agenda!! Achei que nunca mais voltaria a te ver! Vim aqui várias vezes na esperança de te encontrar!! Hoje é meu dia de sorte!!”
Nada como ser convincente na argumentação, a reposta de Carol foi um belo sorriso e um longo e interminável beijo, cinematográfico!!
Dei um sorriso vitorioso para meus amigos, que me olhavam derrotados e indignados. Raramente eu era o primeiro. Tinha por hábito ficar ali analisando antes o ambiente, até escolher alguém para o ataque.
Dancei e beijei Carol por mais um tempo, até o fim do show. A noite foi muito animada, logo meus amigos se arrumaram também e ficamos todos num grande e animado grupo.
Minha nova personalidade estava inaugurada com chave de ouro, e para ser completa só faltava dormir em botafogo, nos braços da doce e descomplicada Carol. Não faltava mais nada.
No carro um refrão que traduzia meu momento perfeitamente:
“Se eu conheço alguém num encontro casual
E tudo anda bem, num bate papo informal
Uma noite quente sugere desfrutar
Do meu terraço, a vista de frente pro mar
Mas a noite é uma criança
Delícias no café da manhã”
Salve o Rei Roberto

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Capitulo 19 – “I'm lonely in London, London is lovely so...” Saudades de Lara




O banho de Lully foi demorado e isso me ajudou a pegar no sono sem maiores riscos. Me senti meio idiota trancando a porta mas,na hora, achei que era o melhor a fazer. Acordei na madrugada para beber água, por volta das quatro da manhã - coisa normal para quem tomou algumas doses de bebida. No caminho para a cozinha passei pelo quarto  de Lully que dormia como um anjinho. Ao contrario de mim, Lully adormeceu com a porta aberta, coberta apenas com um lençol que protegia seu corpo da suave brisa que corria na madrugada carioca. Fui até a cozinha sem acender nenhuma lâmpada para não perturbar seu sono. Abri a porta da geladeira e peguei a jarra com água. A cozinha era pequena e estava iluminada pela luz do luar. Era noite de lua cheia. Enchi o copo e fui até a janela da sala admirar a noite. Um silêncio quase que total e a noite iluminada por um luar inesquecível, daqueles de se pintar um quadro. Fiquei ali uns dez minutos, admirando a natureza. A janela da sala dava para o morro do Sumaré, onde ficam as torres de transmissão e também de telefonia celular. Um verdadeiro pulmão urbano. A brisa era fresca e agradável, e a noite me fazia pensar nas coisas boas da vida. Senti uma enorme alegria por estar fazendo a coisa certa. Fui bom ouvinte para Lully, a consolei, a distraí com meus amigos e abriguei a moça em minha casa resistindo bravamente a tentação sucumbir aos seus encantos. Nessa hora me deu uma enorme saudade de Lara.
Dizem que quando olhamos a Lua cheia e pensamos em alguém, é porque a pessoa em algum lugar também está olhando a Lua e pensando em você. Nesse momento pensei no rosto doce e perfeito de Lara, olhando a Lua lá em Londres. A vontade de estar perto dela foi tão grande que, se fosse possível, pegaria o primeiro avião para Londres. Alguns amigos dizem que eu gosto de sofrer. Deve ser verdade porque peguei meu diskman, coloquei um CD e voltei para a janela. Fiquei olhando a Lua e ouvindo no headfone:
“I'm wandering round and round, nowhere to go
I'm lonely in London, London is lovely so
I cross the streets without fear
Everybody keeps the way clear
I know I know no one here to say hello
I know they keep the way clear
I am lonely in London without fear
I'm wandering round and round, nowhere to go
While my eyes go looking for flying saucers in the Sky”
Ouvir “London, London” às quatro da manhã, olhando um luar bucólico e com a mulher por quem suspirava em Londres, tem um “q” de masoquismo; só pode ter. Derramei algumas lágrimas enquanto a música corria. No final, desliguei o aparelho, voltei para a cama e pensei: amanhã vou pedir a Esther para me explicar por que eu fiz isso...
Acordei com Lully me chamando. Quando voltei para a cama às quatro da manhã não tranquei a porta. Lully estava sentada na beira da cama,  acariciou meus cabelos e me chamou baixinho: “Acorda menino, acho que está na hora!”. Estava mesmo, hora de voltar a vida pois a sexta feira seria cheia.
Tomamos um café juntos na rua, conversando sobre a noite e sobre outros assuntos. Lully estava bem melhor, disse que voltaria hoje para casa e encararia todos de cabeça erguida, afinal ela não havia feito nada que a desabonasse. O vocabulário de Lully continuava a me impressionar. Pensei em falar com ela sobre Lara, mas como ela nunca me perguntou sobre namoradas, eu fiquei na minha. Fomos de carro para o centro, conversando. Lully era uma companhia muito agradável. Alto astral, acordara de bom humor apesar de tudo, e fez com que meu dia começasse de forma muito agradável. Estar perto de lully  era algo que me fazia bem. Chegamos no centro e ela me lembrou de algo que eu havia mesmo esquecido. Antes de descer do carro ela perguntou: “ O balé é hoje ou amanhã?” Minha inocente idéia ao consolar Lully virara uma promessa. Sem pensar muito disse que iria hoje mesmo ver os ingressos. Lully disse que preferia sábado pois queria estar bem linda para realizar um sonho de infância. A ficha caiu para mim, aquele balé não seria um simples programa e sim algo marcante para a doce menina moreninha que iluminava o carro com seu sorriso de ansiedade e expectativa.
Combinamos então que seria sábado. Os ingressos e ligar para marcar horário ficariam por minha conta. Meu sábado seria de Lully.
Fui para o trabalho e ao chegar, meu rosto se iluminou num sorriso. Um email de Lara me esperava:
“Olá meu amor, estou morrendo de saudades de você! Londres é linda, fria e cinza. Tenho me lembrado de você todos os dias. Hoje acordei cedinho, ainda estava escuro, aqui amanhece tarde. Cheguei na janela do quarto do hotel e estava uma lua linda. Imaginei a lua iluminando nossa cidade maravilhosa, refletindo na Lagoa Rodrigo de Freitas, uma cena de filme. Senti saudades de você, do seu perfume, do seu jeito de me olhar, me abraçar. Espero que esteja sentindo a minha falta e pensando bastante em mim. É bom ter alguém para sentir saudade, ter alguém para quem voltar. Chego no Brasil semana que vem, segunda feira. Se você for me buscar no aeroporto serei a passageira mais feliz de todas e você ganhará um beijo muito apaixonado. Fica com Deus,
Saudades,  da sua apaixonada
Lara”
Respondi o email de Lara contando sobre a coincidência de nós dois termos olhado a Lua na mesma noite, cad aum no seu hemisfério e no seu fuso. Falei da música que ouvi e disse que estava com muita, mas muita saudade, e que estaria no aeroporto esperando de braços abertos pela mais linda das mulheres.

Passei a manhã com um sorriso quase que permanente no rosto.
Comprei os ingressos para o balé na hora do almoço. Duas poltronas de galeria. Caro, mas nada que me deixasse mais pobre ou que se comparado a alegria que causaria para Lully.  Estava com minha cabeça bem resolvida nesse momento. Lully começava a se desenhar como uma boa companhia e logo pensei que minha vida ficaria calma agora. Namoraria Lara, e ficaria amigo de Lully. O fato de Lully ter dormido lá em casa e termos nos comportado direitinho, me fez acreditar que isso seria possível. Esse foi meu pensamento enquanto caminhava  com Zé para tomarmos um café na rua da Carioca. Lá havia uma cafeteria que também era uma cachaçaria e uma livraria. Era um dos melhores cafés do centro. Casarão antigo, pé direito alto e um mezanino. Mesinhas de madeira com tampo de mármore, decoração colonial, um balcão com doces e tortas de tirar o fôlego e qualquer um da dieta. Lá nada era barato, mas nada era ruim. Eu e Zé [íamos lá e sempre ficávamos na mesma mesa, lá no fundo no canto direito. O ambiente era agradável e sempre tocava uma musica de ótima qualidade e som baixinho, que não incomodava as conversas. Eu pedi logo a torta alemã e Zé foi de Brownnie. Conversamos um pouco sobre a vida, falei de Lara para meu amigo que sorriu  como quem se dá por feliz com meu aparente momento centrado e equilibrado.
Eu estava mesmo me sentindo seguro dos meus pensamentos, com uma sensação de leveza. Pedi o café e quando estava prestes a sair da cafeteria, minha surpresa. Lully conversava animadamente com o mesmo senhor que a acompanhava na Colombo. Sorridente, animada e à vontade. Havia um olhar terno entre eles. Novamente evitei os dois e não fui falar com eles. Aproveitei o  fato de o local estar cheio e saí de lá sem ser notado por Lully. Se Lully era só uma boa amiga, por que aquela cena me incomodou novamente? Fui andando de volta ao trabalho extremamente incomodado por ver Lully novamente com a mesma pessoa. Alguém que eu não conhecia. A curiosidade faz a mente fantasiar mil coisas. Estava  arrependido  novamente por não ter ido até a mesa. Fiquei muito incomodado e esse seria a primeira coisa que contaria a Esther! Ou Será que eu devo contar as coisas para Esther de forma cronológica? Minha paz e meu equilíbrio tinham ficado lá na cafeteria. Minha mente estava novamente nebulosa e sem saber o que pensar.  Quinze horas e quarenta e cinco minutos eu estava lá no sofá de Esther, me perguntando por que a paz havia abandonado meu coração tão rapidamente?
O meu coração ateu quase acreditou
Na tua mão que não passou de um leve adeus
Breve pássaro pousado em minha mão
Bateu asas e voou

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Capitulo 18 - Enfrentando a tentação

Como vocês devem imaginar eu não tive coragem de negar o pedido de Lully. Além de ter por ela um sentimento todo especial, que eu não sabia direito ainda o que era, a situação dela me comoveu. E me comoveria se fosse com qualquer outra pessoa.

Disse a ela que sim, que não teria problema, o apartamento tem dois quartos e acomoda bem até três pessoas. Comecei naquele momento a pensar na melhor forma de conduzir o processo de apoio a Lully, sem cair nas armadilhas do coração e da tentação. Lully, frágil e carente, e só nós dois no apartamento era um risco alto demais para eu encarar depois de algumas doses de uísque. Resolvi então que não levaria Lully diretamente para casa. Pagamos a conta e fomos pegar o carro. No caminho disse a ela que a levaria ao bar de uns amigos, o Estephanios, onde eu costumava ir ao samba. A idéia me pareceu ótima. No Estephanios tem sempre um grupo de amigos, faríamos uma “social”, Lully se distrairia com a turma que é realmente muito alto astral, eu poderia beber umas garrafas de água mineral e chegar em casa 100% senhor dos meus atos.

Fomos conversando amenidades e, ao chegar ao bar, minhas suspeitas se confirmaram. Sexta feira era dia de casa cheia. A tropa toda lá, mesa grande, violão, chopp, risadas, cigarros e tudo que compõe uma animada mesa de boteco. Apresentei Lully como minha colega de trabalho, que meio tímida por não conhecer a turma, sentou-se ao meu lado, meio quietinha. Claudia e Jorge, um casal boa praça e bom de copo, percebendo a timidez da moça, logo se aproximaram e puxaram papo. Claudia era assistente social do INCA e Jorge funcionário da Petrobrás. “Quem é essa moça de olhar doce e tímido que você trouxe aqui Herculano? Me conte Lully, como você conheceu esse nosso boêmio amigo?” Claudia sabia como se aproximar de alguém, e a deixa foi ótima. Lully sorriu aquele sorriso lindo e começou a se soltar. Eu fiquei de papo furado com Jorge e disfarçadamente ouvindo a conversa das duas. Era para mim uma grande oportunidade de saber o lado de Lully, como ela me via e como ela narraria nossa história. E Lully se soltou:
“ Ah Claudia, é algo bem incomum. Eu trabalho na repartição e via sempre um rapaz elegante de terno indo lá para acompanhar vários processos. Esse rapaz passava sempre pela recepção, às vezes eu o atendia e,às vezes, uma de minhas colegas. Um dia uma delas comentou comigo que achava o rapaz muito bonito, mas também muito tímido. Ao contrário da maioria dos advogados que passam por lá, ele nunca mexeu nem jogou charme para nenhuma de nós. Depois desse dia eu comecei a reparar mais nele. Só sabíamos seu nome porque a identificação na entrada era obrigatória. Um dia, vendo que ele tinha algumas dificuldades em resolver ou descobrir os caminhos para acelerar os processos, puxei assunto e ofereci ajuda. Eu confesso que fiz isso porque apostei com as meninas que ia descobrir quem era o advogado tímido e misterioso, como nós o apelidamos”. Eu já mal prestava atenção no que Jorge dizia, estava entretido na narrativa de Lully que já me trazia muitas surpresas. Jamais imaginei passar essa imagem na repartição. Eu nunca havia reparado nenhum olhar diferente em nenhuma das meninas, além de Lully, é claro. E agora descobria que ela também não reparava meus olhares. Ou não reparava ou estava mentindo para Claudia. Lully prosseguiu: “Indiquei a ele um dos chefes da repartição, Dr. Luiz e parece que lhe foi muito útil. Herculano, muito educado me agradeceu e passou a ser muito atencioso e cordial comigo. Levava bombons, puxava assunto e começamos a criar essa amizade. As meninas até ficam meio enciumadas porque agora ele só fala comigo quando vai lá. Com o tempo, Herculano me levou no Ao Vivo e também para almoçar algumas vezes. Herculano foi uma dessas agradáveis surpresas que a vida nos apronta. Adoro ele! Educado, Inteligente, atencioso e muito cheiroso. Solteiro e sem filhos!Sorte da mulher que fisgar esse coração solitário e rebelde!” E assim Lully resumiu para Claudia nossa história, de forma simples e natural. Claudia acompanhou com atenção a narrativa de Lully, vez ou outra me olhava com um olhar analítico, e eu fingia não estar percebendo nada. Mal sabiam elas que o termo “sem filhos” estava por um fio. Curioso ouvir assim alguém contar para outra pessoa uma história da qual você é personagem e já tem uma visão. Minha visão era mais romântica do que a de Lully e uma congruência me chamou atenção: Ela também me achava misterioso, ao menos no início. Claudia sorriu e concordou com Lully, disse a ela que eu era o solteiro a ser fisgado da turma, que havia até uma bolsa de apostas! Curiosamente Claudia omitiu o fato de eu ter aparecido lá no bar com Lara e com ar totalmente apaixonado. As meninas já estavam engatadas num papo firme de mulher e foi a vez de Jorge me fazer umas perguntas. De cara quis saber se eu estava enrolado com as três, ou só com duas. Dei uma risada de resignação e confessei: “ Não sei meu amigo, não sei! Até domingo eu achava que Lara era o fim das minhas buscas. Segunda-feiira Martha me veio com uma notícia bomba, que pode mudar todos os meus planos”. Contei então discretamente para Jorge sobre meu papo com Martha na Leiteria Mineira. Jorge riu de forma solidária, sem demonstrar muito espanto, e quis saber de Lully. “E esse anjinho que você trouxe hoje? Como caiu na sua vida? Vocês estão de caso?” Expliquei para Jorge que nunca havia rolado nada entre nós. Tive que jurar com veemência e repetidas vezes até o Jorge acreditar. Minha credibilidade e minha imagem não estavam mesmo muito boas com o casal. Acho que preciso contratar alguém para cuidar de minha imagem - pensei eu com meus botões.

Jorge era engenheiro e funcionário público e, pelo seu perfil de comportamento, tomou a palavra para me dar sábios conselhos: “Olha meu amigo, eu gosto muito de você e quero seu bem, te ver feliz e só por isso vou te dizer o que penso. Lara, a moça de domingo, é linda, inteligente, rica e bem nascida. Além disso, te olhava com um olhar especial de carinho e admiração. Claudia e eu comentamos sobre isso outro dia. Ficamos felizes na esperança de você finalmente encontrar alguém bacana especial, que fosse uma parceira para toda a vida. Um homem só constrói uma vida sólida e segura, quando tem ao seu lado uma mulher de verdade, dessas que somam e que nos colocam para frente, que nos faz crescer pessoalmente e profissionalmente. Rostinhos bonitos muitas vezes podem ser âncoras em nossas vidas. Procure escolher as mulheres que são motores, que impulsionem, que empurrem para frente. Conselho de amigo!” As palavras de Jorge falaram tão forte em minha alma que me deixaram mais sóbrio do que as três garrafas d’água que eu havia bebido. Jorge falava comigo quase como um pai, apesar de ser apenas uns três ou quatro anos mais velho que eu. Suspirei, recostei, passei a mão nos cabelos. As palavras de Jorge me fizeram repassar na mente grande parte das minhas burradas. Eu estava numa idade e fase da vida que precisava tomar atitudes de homem centrado, equilibrado. Não era mais hora de cometer erros infantis e a vida estava me colocando a prova. Agradeci o conselho e prometi a meu amigo que eu faria as coisas e escolhas certas. Eu só não sabia qual das opções era a correta. Talvez Esther soubesse me responder, mas teria que esperar mais um dia. Minha cabeça ficou tão pesada que pedi uma dose de Red Label e o violão. Toquei duas músicas a pedido de Claudia e em seguida uma música que cantei do fundo da alma a última estrofe, meio que num desabafo que só eu entendia:
Talvez o mundo não seja pequeno (Cale-se!)
Nem seja a vida um fato consumado (Cale-se!)
Quero inventar o meu próprio pecado (Cale-se!)
Quero morrer do meu próprio veneno (Pai! Cale-se!)
Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)
Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!)
Quero cheirar fumaça de óleo diesel (Cale-se!)
Me embriagar até que alguém me esqueça (Cale-se!).
Eu só percebi que tinha cantado aquilo com uma rara emoção quando acabei e percebi que toda a mesa, que fez o coro "Cale-se!", estava em silêncio me olhando. Tratei de aliviar o clima dizendo que gostava da música desde pequeno, mas que só há poucos dias tinha conseguido “tirar” no violão. Claudia e Jorge não caíram na minha conversa e para minha surpresa Lully me olhava admirada e com olhos marejados. Esqueci que a mocinha era sensível à arte. Quanto mais eu tentava me desvencilhar dos riscos mais eu me afundava. Resolvi relaxar de vez. Deus sabe o que faz. Toquei duas musicas do RPM para relaxar a turma, bebi mais uma dose, comemos umas porcarias dessas de bar e pedimos a conta - já eram mais de meia noite.

Lully riu muito e interagiu bem e devido ao meu papo com Jorge e ao momento violão. Ficamos a uma distância que não levaria ninguém a imaginar que algo além de amizade havia entre nós. Ótimo para mim. Tudo que eu não queria eram fofocas e fuxicos chegando aos ouvidos de Martha e muito menos de Lara. Fomos para casa e, no carro, Lully me agradeceu pela noite, disse que há muito não se divertia assim, elogiou Claudia e toda a turma, que classificou como: “pessoal do bem”. Quando chegamos eu liguei a TV para Lully e fui direto para o banho. Saí de lá de bermuda e camiseta, levei uma toalha e roupa de cama para Lully. Mostrei onde era a geladeira e disse que ficasse à vontade. Lully me deu aquele sorriso, agradeceu novamente eu ser tão legal com ela, me deu um beijinho no rosto e disse que eu era ainda mais cheiroso assim, logo após tomar banho. Eu ri meio sem jeito e agradeci. Ela entrou no banho e eu no meu quarto, fechei e porta e me deitei. Do meu quarto eu ouvia a água caindo. Comecei a pensar em Lully, ali ao lado, tomando banho, seu corpo nu, a água escorrendo, ela perfumadinha e fresquinha após o banho... Levantei imediatamente da cama e me dirigi até a porta do quarto. Tranquei a porta e fui deitar novamente.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Capitulo 17 – As peças que a vida apronta

Estava eu sentado no Ao Vivo, quase uma extensão da minha casa, pensando na vida. Seria acertada a decisão de ir ao encontro de Lully naquele momento? O risco da gravidez de Martha já não era problema suficiente? Estava eu agora prestes a encontrar a doce, linda e misteriosa Lully, chorosa e triste. Que bagunça isso poderia fazer na minha cabeça ou no meu coração? Para piorar, tinha consulta com Esther no dia seguinte e com certeza seria uma sessão de broncas e puxões de orelha. Acho que meu amigo Wagner, o garçom, viu que meus pensamentos estavam embaralhados e chegou providencialmente, sem que eu tivesse pedido, com minha garrafa de uísque, minha água com gás e o indispensável balde de gelo. Já chegou com seu tradicional e fácil sorriso, me cumprimentando e perguntando se a moreninha gatinha estava para chegar. Acenei que sim e ele parou ali para dois dedos de prosa. Falou um pouco sobre a freqüência do bar e sobre as belas universitárias do campus vizinho. Realmente o bar era deveras bem freqüentado. Tinha para todos os gostos. As “patricinhas” do curso de direito com seus terninhos, as “alternativas” do jornalismo e história e aquelas que iam apenas para badalar depois do trabalho. Eu já estava até me distraindo com o visual quando a doce Lully chegou à mesa. Olhos inchados de chorar, carinha triste e bela - bela como sempre - mas dessa vez sem aquele sorriso fácil e feliz. Lully pediu sua tradicional caipivodka e suspirou. Suspirou como quem quisesse tirar dos ombros um peso duro de carregar. Lully não era dessas meninas frescas. Abandonada pela mãe desde menina ajudou a cuidar da casa e do pai, estudou em colégio público e começou a trabalhar ainda na adolescência. O que teria acontecido de tão grave que a deixara assim, triste, carregada? A caipivodka chegou. Lully bebeu quase que de uma vez. Bebeu e disse que devia tomar umas dez, pois só assim esqueceria a cena trágica que ela ainda não sabia se teria coragem de me contar. Pedi nova bebida para Lully e tomei a palavra em tom aconselhador.“Lully, beber não vai resolver. Você esquece agora e amanhã o problema se duplica, pois o original continua lá e você ainda terá uma bela ressaca para curar!” Chegava a ser curioso. Logo eu, que tantos porres tomei, aconselhando Lully a manter a sobriedade. Rimos um pouco da minha piada fraquinha e eu retomei a palavra. Disse a Lully que, se sentindo a vontade, ela poderia confiar em mim e abrir seu coração. Ela bebeu um leve gole da nova caipivodka e começou a me contar. “Sabe Herculano, muitas pessoas diziam que eu não devia namorar o Bené. Alguns amigos da Cruzada diziam que ele não era pra mim, e outros apenas não aprovavam sem dar muitos motivos. O que eu sei é que ele era trabalhador e que sempre me tratou com muito carinho e atenção. Lá em casa ajudava a lavar a louça, por a mesa e etc. Era cortês com meu pai e sua família sempre me tratou muito bem. Diariamente eu saio para trabalhar e passo lá no ponto. Conversamos um pouco e ele me leva até o meu ônibus. Isso é quase uma rotina diária. Algumas velhinhas fofoqueiras ficam olhando e tecem comentários. No começo eu me incomodava um pouco, mas depois eu passei a ignorar, achava que era coisa de fofoqueiras desocupadas. Eu já estava um pouco ansioso, pois até agora nada havia de importante na narrativa de Lully, e ela prosseguiu: “Hoje Herculano, foi como de costume. Saí de casa, passei no ponto do 474 e lá estava Bené. Nos beijamos e fomos até o ponto. Dessa vez ele não esperou o ônibus passar como de hábito. Me deu um beijo e disse que tinha que voltar logo pois ia fazer uma viagem mais cedo, que tinha mudado de escala. Eu nem me importei, até falei para ele voltar logo. Fiquei ali esperando o ônibus quando resolvi pegar logo o vale transporte para adiantar a passagem na roleta. Quando abri a bolsa me dei conta de que havia esquecido a carteira na outra bolsa, que usei ontem, e voltei para casa para buscar a maldita esquecida. Nessa hora Lully parou, suspirou, criou forças e engoliu a vontade de chorar que começara a reaparecer. E prosseguiu sem esmorecer:“Herculano, eu voltei para a Cruzada, meio apressada para não me atrasar, subi no prédio e peguei a carteira. Quando meu pai me viu, pediu que, por favor, eu levasse o lixo até a lixeira porque ele estava atacado do reumatismo e mal andava. Peguei o lixo e, quando virei no corredor e abri a porta da lixeira, quase caí para trás. Dei de cara com o miserável do Bené aos beijos com Bebete” O olhar de Lully não era mais de choro, mas de raiva. Uma sensação de raiva que eu não havia visto ainda naqueles olhinhos encantadores. Interrompi Lully e perguntei. “Estava de beijos com outra mulher? Você conhece?” Lully com fogo nos olhos me respondeu de bate pronto: “outra mulher não!Bebete é uma transformista ou transexual, sei lá o que, conhecida de todos lá na cruzada. Faz show numa boate na Prado Junior. Todos lá a conhecem, feia demais, todos a chamam de Bebete Trombada, de tão feia que ela é! “Me trair com outro homem Herculano?? Eu mereço isso??? Agora eu entendo o olhar de reprovação das vizinhas. Eu devia ser conhecida como a mais idiota das mulheres. Elas me olhavam era com pena e não com reprovação.” A raiva de Lully se transformou num choro compulsivo. A doce menina desabava em prantos. Era mesmo castigo demais para aquela doce menina de vida difícil e sofrida. Abracei Lully contra meu peito e deixei a menina ali, chorando e soluçando. Ela chorava tanto que sentia minha camisa molhada por suas lágrimas. Afaguei seus cabelos com carinho e a abracei, deixei Lully ali,desabafando sua desilusão, até passar. Alguns minutos depois ela suspendeu o choro e pediu desculpas. Eu disse que estava tudo bem, que era mesmo de doer. Falei que era melhor descobrir logo, antes que casassem ou tivessem filhos. Falei que ela era linda e especial e que logo superaria o caso e arrumaria um namorado digno do seu amor e de seus encantos. Lully agradeceu com aquele rostinho meigo que eu conhecia bem. Pensei em comentar com ela sobre meu risco de estar “grávido”. Não sabia se seria o melhor momento. Pensei também em fazer uma piada, dizendo que alguns amigos meus achavam que Martha era homossexual, ou bi(alguns amigos falavam isso mesmo), mas também desisti da piada. Uma idéia, que na hora me pareceu genial, mas que futuramente não se demonstrou tão genial assim e sim, perigosa. - Lindinha, disse eu em tom animado, “Nem todas as surpresas da vida são ruins!” Lully me olhou atenta, como que indagando sobre qual seria o coelho que eu tiraria da cartola. - “Vou te levar ao Balé no Teatro Municipal! Já até escolhi a peça, será Coppélia!”Ela olhou já com um sorriso, esperando mais informações. Expliquei então de forma resumida que era a história de Coppeluis, um viúvo recente e inconsolável pela perda da esposa querida, uma dançarina. Ele abriga na sua casa um cientista diabólico, que lhe sugere transformar uma jovem em boneca, semelhante à esposa morta. Sob efeito de drogas, Coppelius aceita. E aí se desenrola a história. Eu havia lido no jornal sobre a estréia do balé e, com Lara Fora do país, achei que cumprir a promessa com Lully seria uma forma de levantar seu astral. Um programa inofensivo e quase beneficente. Não deu outra, o rosto de Lully se iluminou com aquele meigo e encantador sorriso. Ela ficou muito feliz, me abraçou, dessa vez sorrindo e disse que eu era um fofo mesmo (lá vem o maldito fofo novamente pensei eu rindo “por dentro”). O abraço de Lully de gratidão era mesmo um belo prêmio. O assunto mudou, ela fez mil perguntas sobre como era o Teatro Municipal por dentro, quantas vezes eu havia ido, se era mesmo lindo, imponente e etc. Bebemos mais umas duas ou três doses. Rimos um pouco e começou a chegar a hora de ir embora. O rosto de Lully voltou a ficar entristecido e ela murmurou: “Como vou voltar para casa? Como vou encarar todo mundo? O que faço se Bené estiver lá, aquele cara de pau maldito?” O rosto de Lully entristecido cortava meu coração, eu faria qualquer coisa para aliviar seu sofrimento naquele momento, mas como ajudá-la? O que mais eu poderia fazer para consolar Lully? Abracei Lully e falei: “Não fique assim mocinha, ele não merece e ninguém merece ver você triste. Posso fazer algo mais para te ajudar?” Eu terminei a frase e me lembrei do conselho de um sábio professor que dizia: “Não faça perguntas para as quais não estejas preparado para as respostas!” Sábio mestre, mas como eu já havia feito a pergunta, era tarde. Lully enxugou uma lágrima e respondeu: “Não quero voltar lá e encarar todo mundo. Seria muito sofrido para mim, muita humilhação. Posso ir para sua casa hoje? “Quando a gente tenta, De toda maneira, Dele se guardar, Sentimento ilhado, Morto, amordaçado, Volta a incomodar...”